sexta-feira, 19 de abril de 2013

Programas educacionais compensatórios, práticas de resistência e indignação na escola pública


A partir de uma leitura sobre o tema é que foi possível ser feita uma reflexão sobre questões como aprendizagem na escola pública, situações de reprovação e evasão escolar, associando ainda tal contexto ao mais recente dispositivo educacional de integração que seria a promoção automática. A partir de questões colocadas pelos artigos “Programas compensatórios: seduções capitalistas?” e “Práticas de estranhamento, indignação e resistência” foi possível trazer a tona questões que tanto nos inquietam em nossas práticas pedagógicas cotidianas e que despertam em nós educadores as mais diversas opiniões e sentimentos.
A questão da aprendizagem escolar das classes populares tem sido alvo de inquietações a pelo menos 30 anos. As autoras Coimbra e Nascimento (2007) discorrem sobre como alguns programas educacionais voltados para a escola pública tem a função de integrar crianças que tendem a escapar do sistema, fixando-as na escola e agindo como um instrumento de “domesticação, docilização e aceitação da lógica capitalista”. Além disso, as autoras destacam como tais programas ganharam contornos compensatórios.
Para “integração” de alunos atingidos pelos grandes problemas educacionais da reprovação e evasão escolar foram criados alguns dispositivos educacionais de integração como as classes especiais nos anos de 1970, nas décadas de 70/80 foram criadas as turmas de pré-escolar e em 80/90 as classes de recuperação.
Aponta-se que nestes três dispositivos a ênfase está localizada nos defeitos, carências e déficits das crianças que eram consideradas desadaptadas a escola, além da recorrente culpabilização da família que era tida como o berço de toda carência cultural, social e econômica, e ainda sua suposta “incapacidade de acompanhar a vida escolar de seus filhos”.
Além disso, é destacado como a lógica capitalista contribui para a visão de se responsabilizar o aluno e sua família pelo fracasso desconsiderando outros fatores como objetivos e finalidades da educação, etc. Nessa perspectiva é valorizado o território da falta, que é um dos pilares do capitalismo e que tende a individualizar defeitos desconsiderando todo um contexto.
O mais recente dispositivo de integração educacional para realizar o que as autoras chamam de “inclusão por exclusão” é o que se instalou a partir de 1990, que seria a promoção automática. Ainda que a proposta seja coerente naquilo que prega com relação ao desenvolvimento do aluno enquanto processo contínuo, aos ritmos de aprendizagem e a organização dos sistemas de ensino por ciclos de aprendizagem, a grande questão do impasse é quando alunos são promovidos independentemente de seu desempenho e alunos chegam aos últimos anos dos ciclos sem dominar habilidades básicas exigidas pela escola, o que resultaria na inclusão de alunos apenas pelo aspecto burocrático e material, mas que os deixa excluídos no que diz respeito a reais condições de aprendizagem, sucesso e permanência no sistema escolar.
A crítica que se faz é que tal perspectiva de educação acaba por mascarar estatísticas que indicam altos índices de repetência e que aquilo que se propunha a promover a aprendizagem contínua torna-se na verdade “um sistema de enganação coletiva”(2007) em que alunos são promovidos com rendimento escolar considerado “crítico” ou “muito crítico”.
Mas afinal, a que conclusões se pode chegar sobre toda essa problemática que tende a nos fazer chegar a triste conclusão de que “na pobreza habita a carência, a falta, a inferioridade; enfim, que a exclusão é um resultado natural e esperado”?
Cabe a nós educadores fazermos uma análise crítica de tal situação. Penso que nossa postura deva ser de resistência a essas propostas que inferiorizam uns em detrimento de outros e que nos posicionemos contrários a estes “pequenos assassinatos cotidianos” que cristalizam sobre alguns alunos o fracasso e a permanente falta, os imobilizando perpetuamente em tal condição. E que possamos resistir e a partir dessa resistência um caminho de novas possibilidades, novas metodologias de ensino, inventar valores e criar práticas inéditas que possam romper com as práticas instituídas e cristalizadas.
 
Autora: Joyce Danielle Lima Fonseca. Técnica Pedagógica/ SEMEC. Especialista em Psicologia Educacional. Mestranda em Educação pela UFPA. danielle-fonseca@live.com
 
Referências
COIMBRA, C. M. Práticas de estranhamento, indignação e resistência. 2011. Disponível em: www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/42140Acessado em 05 de Abril de 2013.
COIMBRA, C. M. B.; NASCIMENTO, M. L. Programas compensatórios: seduções capitalistas? Universidade Federal Fluminense. 2007.  Disponível em: http://server.slab.uff.br/textos/texto27.pdf  Acessado em 05 de Abril de 2013.

7 comentários:

  1. Desde o governo Lula, alcançar metas e mostrar números tem sido uma das preocupações primordiais. Quase um retorno aos tempos da ditadura militar, onde “crescer a todo custo” era lema.
    O sistema público de educação, evidentemente, deverá contribuir para tais dados, quando é mostrado que o número de analfabetos diminuiu, que o número de alunos matriculados no ensino médio aumentou e até o ingresso em faculdades federais é maior do que há a alguns anos atrás.
    O problema evidente está quando esta realidade é posta a prova. A qualidade do ensino e a capacidade dos alunos ainda são consideradas baixas ou até mesmo alarmantes. A estrutura da própria sala de aula não permite a motivação tanto dos alunos e professores de estarem ali.
    Há pouco estimulado ao pensamento críticos dos alunos, como também poucos programas para ajudá-lo a mudar a sua realidade social, deixando a escola apenas como mero local onde devem “bater seu ponto” para o governo ter uma prova de que o aluno está estudando, está alfabetizado.

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  2. Trabalhei no Magistério na década de 80, lecionando especificamente Língua Portuguesa e Literatura, no ensino fundamental e médio, e Língua Portuguesa Instrumentalizada e Literatura Infantil, em curso de formação de professores. Em 2004, retornei por algum tempo à sala de aula, em classes de 5ª a 8ª séries, e verifiquei surpreendente distância entre o saber das classes de 80 e as de 94, revelando involução na habilidade do uso daquele que é instrumento primordial de aprendizagem – a língua materna, tanto na situação de compreensão e interpretação da escrita quanto na de produção de textos. Atualmente, em 2013, tempos de ampla utilização de redes sociais, lastimo a inabilidade no uso da língua portuguesa espelhada constantemente pelo Facebook.
    Essa constatação, fundamentada na vivência e complementada pela observação de que tal perspectiva vai além do aprendizado da língua materna, perpassando por todo o ensino público no País, vêm ao encontro da situação de “inclusão por exclusão”, assim denominado por Coimbra e Nascimento o dispositivo de promoção automática nas escolas públicas, bem como à fala de Fonseca sobre terem os alunos atualmente acesso à escola, porém não à aprendizagem e o que resulta dela.
    Relatório da Unesco informa que a universalização do ensino fundamental na Coréia do Sul foi conseguida em 1959 e que a Irlanda, no início da década de 60, havia obtido o mesmo com seu ensino médio, vindo a focar fortemente a partir de então na educação superior.
    Em 2009, o UNICEF divulgou que 97,6% das crianças brasileiras entre 7 e 14 anos estavam matriculadas nas escolas. Recentemente, foi divulgado informe produzido pelo Fórum Econômico Mundial, em que o Brasil aparece no 116º lugar entre 144 países avaliados em qualidade de educação. O Fórum ainda apontou redução na capacidade de adaptação ao mundo digital, indicada por um dos piores ensinos de matemática e ciências do mundo.
    Essas são informações que levam a questionar e refletir sobre os rumos dados à educação no Brasil, o futuro dos educandos e, por conseguinte, da própria sociedade, a qual dá mostras, já nos dias atuais, de efeitos de equívocos cometidos no setor educacional, como a carência de profissionais qualificados em uma ponta e desemprego em outra; como o subemprego a que tantos brasileiros estão sujeitos; como a violência, inclusive dentro da própria escola, para a qual não têm se tem conseguido franquear às novas gerações descoberta de outras opções de resolução de conflitos, entre outros.

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  3. O sistema escolar público de nosso país infelizmente não é capacitado para construir uma educação de direito que deveria pertencer a nós. Muitas pessoas que utilizam o ensino público como única alternativa se veem deslocadas principalmente quando ingressam ao ensino superior, porque em seu ensino fundamental e médio não tiveram condições adequadas de educação, o que acaba sendo uma grande barreira de aprendizado em sua graduação, com grande probabilidade de desistência e abandono da universidade o que é extremamente prejudicial para o futuro não só dessas pessoas, mas também é prejudicial para conjuntura de nosso país, pois forma-se um índice de grau de escolaridade precário e mesmo assim não tão condizente com a realidade pois um dos critérios na montagem do índice é o tempo que uma criança ficará matriculada em uma escola, não contando com sua frequência escolar que na maioria das vezes é baixíssima pela desmotivação e precariedade que vê em seu ensino. Então temos a triste conclusão de que se nosso índice é precário, nossa realidade é pior ainda.

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  4. Infelizmente ainda enfrentamos grandes dificuldades quanto a educação, principalmente quanto as escolas públicas que não dão suporte e aprendizagem de qualidade aos estudantes fazendo com que estes tenham muitas dificuldades de se graduar em uma universidade.
    O Enem foi colocado para favorecer os estudantes das escolas públicas , mas como obter um bom resultado em uma prova se muitas das escolas nem terminam todo o conteúdo programático? Como o aluno vai se motivar a estudar se as salas de aula são desconfortáveis sem ventilação,não tendo nem uma alimentação de qualidade ,sem falar na situação dos professores que são mal remunerados e ainda tem que ministrar aulas em locais que não possuem a minima infra estrutura.
    Todos esses fatores estão ai para mostrar que a precariedade da educação é a principal causa de muitos fatores inclusive a violência.

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  5. Isso nos mostra mais uma vez a precariedade de nossa educação, onde os professores são mal pagos, estão em péssimas condições de trabalho e isso se reflete na forma de educar nossas crianças e por consequência é mais fácil culpa-las e a seus pais, demonstrando assim a violação dos direitos desde a infância.
    Mas essa violação não começa nas salas de aula e sim muito antes, são excluídas desde o momento que precisão trabalhar ajudar suas famílias a manter suas despesas, pois os pais não conseguem sustenta-las sozinhos, devido aos péssimos salários, dessa maneira aumentam os índices de evasão escolar e de outros problemas. Muitos criticam as crianças, dizendo que elas não querem estudar, mas não sabem o que realmente acontece.

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  6. O texto retrata muito claramente a real precariedade da educação básica brasileira.Percebe-se que além desses problemas apresentados, existem muitos outros por de trás dessa "exclusão".Alunos que apresentam comportamento mais agitado ou mais quieto são logo taxados com algum tipo de distúrbio,o que facilita a exclusão alegando que o aluno precisa de "atendimento especial" e que também pode causar uma precoce medicalização da vida, sendo que muitas dessas crianças nem apresentam esses reais distúrbios. A família dessas crianças também são responsabilizadas por esse "problema" do estudante, que são vistas como se não estivessem preocupadas com o bem estar dos seus filhos.Mas o real problema está mesmo na falta de estrutura dessas instituições, que muitas vezes não tem competência de tentar identificar o problema do aluno e acreditam que colocando em "turmas especiais" irá resolver a situação,sem o real compromisso de ajudá-lo da melhor maneira possível para o seu melhor aprendizado.

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  7. A visão crítica deste programa de promoção automática nos leva a ver a evidente estratégia governamental no que tange a simples escolarização das crianças e adolescentes e não necessariamente a sua educação. Os objetivos de eliminação do analfabetismo no país são louváveis, entretanto, a preocupação é tão somente com índices, visto que grande parte das pessoas ditas alfabetizadas por esses programas compensatórios de ensino são, no fundo, analfabetos funcionais, visto que apesar de saberem ler e escrever não possuem condições mínimas de interpretar aquilo que estão lendo e muitos menos possuem habilidades suficientes para, por exemplo, redigirem uma carta a uma autoridade local. É por isso que vemos uma massa de trabalhadores que possuem tão somente o ensino fundamental, isso os que o tem; não estou menosprezando a capacidade individual de cada um em se autopromover, pessoas diferentes possuem suas características particulares que lhes possibilitam um melhor ou pior rendimento nos estudos; entretanto, a grande questão aqui presente diz respeito à falta de condições de aprendizagem que algumas vezes inviabilizam mesmo o aprendizado de quem tem “facilidade”, dificultando, assim, o sucesso nos estudos e a permanência escolar. Vale também observar os interesses políticos que podem estar por trás dessa tão só “domesticação” dos estudantes, haja vista que saber é poder e, portanto, elidir a possibilidade de saber da população facilita sua dominação por instancias controladoras que lançam mão de discursos de verdade, de instrumentos de alienação como a imprensa e de normas de soberania que ainda perpassam pela sociedade; a população deve receber condições necessárias para que possam se instrumentalizar não somente de forma a se capacitarem para o mercado de trabalho, mas também para adquirirem consciência política que lhes possibilite lutar por seus direitos e não ser somente docilizados por instrumentos de dominação que se mascaram com marcas governistas, mas que no fim das contas estão voltados aos interesses do grande capital.

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