quarta-feira, 24 de julho de 2013

Provisoriamente condenados...até que se prove o contrário


Seguindo o procedimento-padrão de encarcerar primeiro para depois analisar as condições do acusado e do próprio delito, a prisão provisória transformou-se em um instrumento para castigar os mais pobres, sejam eles culpados ou inocentes.

por Patrícia Benvenuti, Cristiano Navarro


(As fotos da cobertura sobre as prisões foram tiradas no Instituto Penal Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, e fazem parte do ensaio "O Caldeirão do Diabo" de Andre Cypriano)

Em junho de 2012, João foi a uma panificadora no bairro da Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo, comprar uma pizza. Na ocasião, foi acusado por funcionários da loja de tentar furtar uma garrafa de vinho. Os responsáveis pela loja chamaram a Polícia Militar, mas antes resolveram fazer “justiça” por eles mesmos. Deram uma surra em João dentro do próprio estabelecimento comercial. Com a chegada dos policiais, em vez de proteção, João recebeu dos soldados mais porradas, além de agressões verbais e ameaças. “Ameaçaram me levar para uma pedreira e me matar.”

Após passar pela Delegacia, João foi levado ao Centro de Detenção Provisória (CDP-I) de Pinheiros, onde foi conduzido ao Regime de Observação, o chamado RO, uma cela destinada aos presos recém-chegados à unidade. Ali, João passou seus primeiros quinze dias. Sem direito a banho de sol. Onde cabiam vinte pessoas, havia setenta. Depois de sair do RO, a situação continuou difícil. Para dormir era preciso encontrar um lugar entre os presos que superlotavam a cela. A comida, péssima, era até difícil de engolir.

Enquanto esperava pelo julgamento, João só tinha notícias do andamento de seu processo por meio de sua ex-companheira e de agentes da Pastoral Carcerária. Em setembro de 2012, quatro meses depois de sua prisão, João foi finalmente julgado e absolvido.

Negro, natural de Maringá (PR), João é técnico em radiologia. Queria ter cursado uma faculdade, mas suas condições econômicas nunca permitiram. Dependente químico, João atualmente passa por um atendimento em um Centro de Atenção Psicossocial e tem planos de voltar a estudar. Sobre os quatro meses em que foi mantido preso, à espera de um julgamento que o absolveria, conclui: “Acho um absurdo. Só isso”.

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A história de João ilustra algumas questões relacionadas à prisão provisória, um tema ainda obscuro para grande parte da sociedade brasileira. Os presos provisórios são aqueles mantidos em cárcere sem que tenha havido um julgamento definitivo. Esses presos enfrentam os mesmos problemas que se tornaram rotina no sistema prisional de todo o país. Algumas das denúncias mais constantes são superlotação, más condições de saúde e higiene, falta de assistência jurídica adequada e violência do Estado.
Entretanto, o que mais chama a atenção é o número de presos provisórios, que chega a um terço da população carcerária. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em dezembro de 2012, dos 513 mil presos brasileiros, 195 mil eram provisórios. No estado de São Paulo, dos 190 mil presos, 62 mil são provisórios.

Origens
A utilização da prisão provisória no país é antiga. Segundo Alessandra Teixeira, advogada e pesquisadora da Unesp-Marília, o Código de Processo Penal editado no início do século XIX já previa a utilização desse instrumento. Porém, os registros oficiais do período indicam poucos casos de prisões provisórias. O que enchia as cadeias era outro fenômeno, a chamada prisão correcional. Apesar de não estar previsto na lei, esse tipo de detenção era largamente utilizado para delitos como furtos e desordens públicas. “A prisão correcional, como o próprio nome diz, tem um sentido correcionalista e se voltava a controlar determinados segmentos sociais”, explica Alessandra. “A pessoa podia ficar quanto tempo determinasse o arbítrio da autoridade policial.”

Ao longo do tempo, as prisões correcionais se fundiram com as “prisões para averiguação”, em que indivíduos eram detidos sem qualquer base legal por um tempo determinado pela autoridade policial. Esse tipo de prisão perdurou até meados dos anos 1970 e só foi totalmente abolido na década seguinte, com a ascensão do movimento de democratização.

As informações sobre as prisões correcionais mostram um perfil de presos similar aos dos provisórios de hoje, como a baixa gravidade dos crimes. “Tanto em um caso como no outro, você não tem uma criminalidade necessariamente perigosa. Dá a entender um controle bastante segmentado e a partir de crimes que não necessariamente têm mais gravidade social, mas que são cometidos quase como meios de vida”, ressalta a pesquisadora.

Uso abusivo
Nos últimos dois anos, proporcionalmente, o número de presos provisórios teve um crescimento maior do que o total da população carcerária no Brasil, a quarta maior do mundo. O procedimento-padrão tornou-se encarcerar primeiro para depois analisar as condições do acusado e do próprio delito. A consequência disso é o aprisionamento desnecessário.

A prisão provisória foi o ponto de partida para o projeto Tecer Justiça: Repensando a Prisão Provisória. Com apoio da Open Society Foundations e de uma rede de entidades,1 a equipe formada pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e pela Pastoral Carcerária prestou por um ano e meio atendimento aos presos provisórios do CDP-I de Pinheiros e às presas provisórias da Penitenciária Feminina de Sant’Ana, e realizou o levantamento de informações sobre o perfil das pessoas atendidas e sobre seus processos, mediante convênio firmado com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Entre junho de 2010 e dezembro de 2011, a equipe do Tecer Justiça acessou 1.537 pessoas, aplicou 1.161 questionários, realizou 1.050 pedidos jurídicos e levantou dados de 348 processos para intervir pela obtenção da liberdade provisória. Os dados levantados pela pesquisa desenharam o perfil de presas e presos provisórios acessados nessas unidades.

O Tecer Justiça partia da hipótese de que o acesso ao defensor, logo após a prisão, e às informações processuais levaria ao aumento do número de concessões de liberdade e à consequente redução da população presa em caráter provisório. Ao final do projeto, veio a constatação: o simples aumento do número de defensores bem como o acesso à informação são somente alguns elementos na complexa cadeia de fatores que conduzem ao acesso à justiça. Barreiras institucionais e estruturas socioeconômicas cumprem um papel definitivo no acesso à justiça que somente a garantia do direito de defesa não é suficiente para superar.

Segundo o advogado Ramon Arnus Koelle, que atuou no projeto, foi possível constatar um desvirtuamento do uso da prisão provisória hoje. Ele lembra que esse instrumento jurídico, considerado de exceção, deveria ser utilizado somente em casos como possibilidade de fuga do acusado, alteração de provas ou atentado contra testemunhas. O que se observa, no entanto, é bem diferente. “Hoje ela [a prisão provisória] é usada como um mecanismo para dar uma resposta imediata a um suposto delito para o qual você não tem a apuração ainda”, afirma.

Visões da Justiça
Para o defensor público e integrante do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, Bruno Shimizu, o uso abusivo da prisão provisória é a principal causa do atual inchaço nas cadeias. “Para qualquer crime, qualquer denúncia, qualquer inquérito policial, em qualquer procedimento, o juiz tem aplicado a prisão provisória de forma absolutamente indiscriminada”, assegura.
O promotor de Justiça Criminal da Capital, Alfonso Presti, não vê a situação assim. Ele garante que a detenção só é solicitada em casos de necessidade, justificada, por exemplo, pela periculosidade do indivíduo ou do crime cometido. “O prisma que se faz é o da necessidade. Aqui não se permeia nada de raiva social”, afirma. Presti explica ainda que a prisão provisória costuma ser solicitada apenas para os casos em que se vislumbra, ao final do processo, uma condenação. Entretanto, admite que falhas ocorrem. “Não raras vezes se mantém custodiado alguém que ao final não receberá uma pena privativa de liberdade ou, ainda que receba, permanecerá em liberdade cumprindo essa pena. Mas aí é uma deficiência cognitiva do sistema de percepção penal no Brasil”, justifica.

O presidente do Conselho Executivo da Associação dos Juízes pela Democracia (AJD), José Henrique Rodrigues Torres, frisa a importância do princípio da presunção da inocência, que deve orientar todas as ações judiciais. “O juiz deve observar, primeiro, o princípio de presunção da inocência, que é constitucional, e, portanto, as prisões provisórias têm de ser deferidas apenas e tão somente diante de concretas e absolutas situações de necessidade. O juiz não está ali para prender o sujeito para proteger a sociedade − ao contrário, ele existe exatamente para garantir o estado de liberdade”, diz. Para o magistrado, a “banalização” da prisão provisória reflete a concepção dos operadores a respeito do sistema de justiça. “Criou-se essa concepção de que o direito penal é instrumentalizado para proteger a sociedade, garantir a ordem e a segurança pública, e acaba se tornando infelizmente um sistema de controle social muito forte.”

Presti concorda que a postura do Judiciário é dura, mas alega que é resultado de pressões da sociedade. Para o promotor, a Justiça é “uma caixa de ressonância da sociedade e é assim que tem de ser vista, compelindo o poder público e a administração executiva a políticas criminais mais eficazes”.

Punir os pobres
Os dados apresentados no relatório do Tecer Justiça mostram o perfil dos presos como sendo em sua maioria jovens, negros ou pardos e de baixa escolaridade. Para o coordenador jurídico da Pastoral Carcerária José de Jesus Filho, o perfil dos presos permite concluir que “a prisão provisória não interessa tanto à segurança do processo, e sim ao controle de determinada camada da população”.

Para o defensor público Bruno Shimizu, há uma relação clara entre a prisão provisória e seu alvo preferencial. Cerca de 90% dos casos, segundo o defensor público, foram desencadeados por furtos, roubos e tráfico de drogas – delitos mais cometidos pela população de baixa renda. Shimizu lembra que os juízes costumam negar pedidos de liberdade baseados em argumentos como falta de endereço fixo ou de vínculo empregatício. “Isso demonstra que a prisão provisória é o modo que o tribunal e os juízes encontraram para criminalizar a pobreza.”

Segundo o juiz Rodrigues Torres, ao insistir na “gravidade” de tais crimes, os magistrados corroboram a seletividade do sistema. A principal causa disso, para ele, é a ideologia de “segurança nacional” ainda dominante entre os juízes, “que vigorou no tempo da ditadura e hoje foi convertida em uma ideologia de segurança urbana”.

Em 2011, com o objetivo de reduzir a população carcerária, entrou em vigor a Lei n. 12.403, que modifica o Código de Processo Penal e cria alternativas à prisão provisória, como a prisão domiciliar, o monitoramento eletrônico e o pagamento de fiança. A nova lei, que poderia reverter o quadro, não teve esse efeito. Na visão de Shimizu, em vez de aplicar todas as medidas, os juízes costumam escolher majoritariamente a fiança como possibilidade de o acusado responder ao processo em liberdade, o que tem aprofundado ainda mais a desigualdade dentro do sistema.

Sem defesa
Uma possibilidade apontada para reverter o uso excessivo da prisão provisória é aumentar a rapidez do atendimento jurídico ao acusado. A maioria dos provisórios depende dos serviços da Defensoria Pública do Estado, que presta assessoria jurídica gratuita a quem não pode contratar um advogado. O trabalho dos defensores, porém, enfrenta uma série de dificuldades. Uma delas é a quantidade limitada de quadros para a gigantesca massa de processos. O estado de São Paulo possui ao todo 610 profissionais, dos quais 187 defensores atuam na área criminal. Para ter uma ideia, quando trabalhava em uma vara criminal, Shimizu possuía 2,5 mil processos sob sua responsabilidade.

Não há, por exemplo, defensores públicos para atuar no momento das prisões. Assim, o primeiro contato entre defensor e acusado costuma ocorrer cerca de três meses depois do encarceramento, minutos antes da primeira audiência de instrução perante o juiz.

O problema não atinge só a Defensoria de São Paulo. Segundo o Mapa da Defensoria Pública, existem apenas 5.054 defensores públicos estaduais. Das 2.680 comarcas brasileiras, apenas 754 contam com pelo menos um defensor.
Para Koelle, a presença de defensores públicos no momento da prisão seria essencial não apenas para garantir aos presos o acesso à informação, mas também para coibir a violência cometida por agentes do Estado contra os acusados. “Se ele [policial] sabe que só dali a um mês [o preso] vai se encontrar com um defensor público ou com alguma autoridade do Judiciário, ele tem carta branca para espancar aquela pessoa, porque em um mês os hematomas desaparecem.” Tratados internacionais também apontam mecanismos para evitar tais situações de violência, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, que em seu artigo 7º prevê que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”.

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Pobre, negro, travesti, cadeirante, deficiente auditivo e portador do vírus HIV, aos 40 anos Rodrigo perdeu o movimento das pernas e a audição em razão de uma doença degenerativa. Desde então, vive em uma cadeira de rodas e comunica-se apenas por meio da escrita.

Apesar da saúde debilitada, Rodrigo já foi diversas vezes preso e solto por tráfico de pequeno porte. Na primeira, ele foi flagrado por policiais militares em outubro de 2010, no bairro da Vila Buarque, em São Paulo, com 3,7 gramas de cocaína escondidos dentro da atadura de sua perna. Apesar de à época ser réu primário, a Justiça lhe negou o direito de aguardar o curso do processo em liberdade. Encarcerado em uma cela sem luminosidade ou ventilação na enfermaria do CDP-I de Pinheiros, para que pudesse tomar “banho de sol” Rodrigo necessitava de um funcionário que, com boa vontade, empurrasse sua cadeira.

A equipe do projeto Tecer Justiça entrou com recurso de habeas corpusno Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), procurando mostrar que a prisão de Rodrigo oferecia alto risco à sua saúde, revelava-se uma maneira cruel de punição e violava a própria dignidade da pessoa humana. A petição destacava a posição de irracionalidade da política penal de aprisionamento sistemático de pessoas acusadas de pequeno tráfico e muitas vezes primárias.

Rodrigo, já condenado em primeira instância à pena de um ano e onze meses de reclusão em regime inicial fechado e ao pagamento de multa por tráfico de entorpecentes, teve reconhecido pelo TJ-SP o direito de aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade. Meses depois da soltura, foi preso novamente, solto por um pedido da Defensoria Pública do Estado e em seguida preso mais uma vez, sempre por pequeno porte de drogas.

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Considerado um crime hediondo e encarado por governos, operadores do direito e setores mais conservadores como um “vilão” da sociedade, o tráfico de drogas é hoje um dos crimes que mais contribuem para o aumento da população prisional. Segundo dados do Depen, 23% dos homens presos tiveram a prisão motivada por crime relacionado a drogas.

Em 2006, entrou em vigor a Lei n. 11.343, chamada Lei de Drogas, que aumentou as sanções para o tráfico. Entre as mudanças está a ampliação da pena mínima prevista para o crime, de três para cinco anos, e da pena pecuniária, cuja determinação passou do intervalo entre cinquenta e 360 dias-multa para o de quinhentos a 1.500 dias-multa.

O promotor Alfonso Presti costuma se referir à droga como “a mãe de todos os crimes”, dando a entender que ela seria responsável por uma série de delitos cometidos atualmente. Para ele, aumentar o período de encarceramento do traficante, como propõe a lei, portanto, poderia ajudar a quebrar os “elos” dessa cadeia.

O juiz Torres Rodrigues, porém, questiona a eficácia da política de combate às drogas. “Gastamos milhões e milhões, prendemos milhares e milhares, e isso resultou em nada”, lamenta. Um dos principais erros do Judiciário sobre o tema das drogas, para ele, é manter a prisão provisória de todos os acusados por tráfico. De acordo com o juiz, a suposta gravidade do delito não legitima a prisão. “Não se justifica manter alguém provisoriamente preso simplesmente porque está havendo uma investigação sobre tráfico.”

Uma das principais conclusões da pesquisa “Prisão Provisória e Lei de Drogas”, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), baseada na análise de processos e em entrevistas com juízes, promotores, defensores e policiais, foi que a prisão provisória é utilizada como método punitivo. “Mais do que um dispositivo legal, [a prisão provisória] virou uma forma de exceção de punir suspeitos”, explica a pesquisadora Maria Gorete Marques de Jesus.

O projeto Tecer Justiça deparou com uma posição maciça de juízes e promotores contra a concessão de liberdade em casos relacionados a drogas, mesmo quando se trata de porte de pequena quantidade. Em geral, a pessoa acusada por crimes de drogas aguarda presa sua sentença que, quase sempre, resulta em pena de prisão em regime inicial fechado.

Usuários ou pequenos traficantes?
A Lei de Drogas passou a determinar também que o usuário de drogas não fosse mais punido com a privação de liberdade. A expectativa era de que isso reduzisse os índices de encarceramento, o que não ocorreu. Em 2006, havia no país cerca de 41 mil pessoas presas por tráfico. Em 2012, o número triplicou para 131 mil. Em São Paulo, no mesmo período, o número de homens presos passou de 17 mil para 54 mil. Já a população carcerária feminina presa por drogas aumentou de 4.758 em 2006 para 13.964 em 2012. Em São Paulo, passou de 1.092 para 4.344. O crescimento do encarceramento feminino por drogas supera a média geral.

Apesar de a lei antidrogas não prever a prisão do usuário, a diferenciação não depende da quantidade encontrada com o acusado no flagrante, mas sim da presunção dos agentes de segurança pública (policiais, delegados, promotores e juízes). O defensor público Bruno Shimizu garante que, na prática, o fator decisivo é a condição socioeconômica. “Se a pessoa tem dinheiro para comprar, é usuária; se não tem, é traficante. É um argumento totalmente preconceituoso, que passa pela cor da pele, pelo lugar onde a pessoa mora e como está vestida”, elucida. “Todo o nosso sistema criminal é seletivo e acarreta uma exclusão social. É um formato de controle social que acaba punindo e criminalizando a pobreza”, completa o juiz Rodrigues Torres.

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Eram três pequenos invólucros de crack que resultaram em onze meses e oito dias de espera em prisão provisória. Desde aquela madrugada de abril de 2009, em que foi presa em flagrante, na região central de São Paulo, até o momento de sua sentença, a jovem, negra, desempregada e solteira, declarou ser usuária de crack. Mesmo assim, o Ministério Público estadual pediu sua condenação sob o enquadramento de tráfico de drogas.

A demora na realização do exame químico-toxicológico e da audiência transformaram a vida de Maíra na Penitenciária Feminina de Sant’Ana em uma espera angustiante. Por fim, os próprios policiais que fizeram a prisão depuseram afirmando que a droga servia apenas para o consumo da ré e, assim, com base nos exames e nos depoimentos, a Justiça atendeu à alegação da defesa aplicando uma pena de três meses de prestação de serviços à comunidade por uso de drogas.

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Situação semelhante viveu Solange. Presa portando uma pequena quantidade de crack, ela foi solta em dezembro de 2010, depois de dezoito meses encarcerada sem nenhuma sentença. Sua primeira audiência ocorreu somente oito meses após a prisão. Apesar de alegar ser dependente química, apenas na segunda audiência, quando já havia cumprido onze meses de prisão provisória, a juíza resolveu pedir o exame toxicológico.

No entanto, a perícia só foi marcada para seis meses depois. E, no dia agendado, foi desmarcada. Um mês mais tarde, a juíza determinou que Solange aguardasse o julgamento em liberdade. Em maio de 2011, depois de todas as reviravoltas, ela foi condenada à pena de quatro anos, seis meses e 13 dias de reclusão e ao pagamento de multa pelo crime de tráfico de drogas.

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O estado de São Paulo oferece 864 vagas para presas provisórias, no entanto, 1.689 mulheres encontram-se nessa situação. Os crimes ligados ao comércio de drogas ilícitas são hoje a principal porta de entrada para as mulheres no sistema penitenciário. Na última década, a prisão de mulheres por envolvimento com o tráfico mais do que triplicou. De 2000 a 2010, a população carcerária feminina no Brasil aumentou em 261%, crescendo de cerca de 10 mil para quase 36 mil.

Em outros estados do Brasil, especialmente os de fronteira, a proporção de mulheres presas por crimes relacionados a drogas é ainda maior. No Mato Grosso do Sul, em junho de 2012, 78% das mulheres (em comparação com 34,7% dos homens) estavam encarceradas por envolvimento com crimes da Lei de Drogas. Em Roraima, esse índice chega a impressionantes 90%.

O tráfico de drogas em outros estados possui características muito distintas daquelas encontradas em São Paulo. No entanto, a mulher recorrentemente é utilizada para trabalhos de alto risco (como carregar drogas entre estados ou internacionalmente) e de pouca graduação na estrutura hierárquica das organizações criminosas. Essa é uma característica das mulheres aprisionadas por crimes relacionados a drogas, tanto brasileiras como estrangeiras.

Sônia Drigo, advogada criminalista e integrante do Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas, explica que em geral as mulheres ocupam postos baixos no comércio de drogas e são condenadas por “tráfico privilegiado”, situação em que, se a pessoa é ré primária, não se dedica à atividade criminosa nem integra organização criminosa, ou seja, não faz do tráfico um meio de vida, a pena poderia ser reduzida e a prisão substituída por pena alternativa. “Você não conhece uma líder de quadrilha. Jamais conheci uma mulher que fosse como um Fernandinho Beira-Mar ou como algum homem que se torna conhecido no Brasil todo”, comenta.

Chefes
Segundo dados levantados pelo projeto Tecer Justiça junto à Penitenciária de Sant’Ana, 61,1% das mulheres que participaram da pesquisa afirmaram estar em alguma atividade profissional no momento imediatamente anterior à prisão. Além disso, o trabalho está ligado ao sustento da família também na maior parte dos casos. No entanto, apenas 3,8% das atendidas possuíam algum tipo de trabalho formal antes da prisão, o que mostra a precariedade dos meios disponíveis para garantir esse sustento.

A advogada criminalista afirma que geralmente o envolvimento das mulheres ocorre “na busca de uma satisfação financeira imediata para cuidar dos filhos, do núcleo familiar. Se você fizer uma pesquisa, vai ver que a maioria dos filhos das presas não tem pai declarado, e elas são as chefes de família”.

Em comparação entre as duas unidades prisionais visitadas pelo projeto, é possível constatar uma maior dependência de filhos de pessoas presas entre a população carcerária feminina do que a masculina. Das mulheres atendidas pelo projeto Tecer Justiça, 81,2% têm filhos. Essas mães moravam com os filhos em 56,2% dos casos – a coabitação é duas vezes maior em relação aos homens que são pais. Entre os homens, 53% relataram ter filhos, mas 76,3% não moram com eles. Ainda sobre as mães presas, a pesquisa anotou que 64,2% das mulheres não têm companheiro (são solteiras, divorciadas/separadas ou viúvas) e 42% têm três filhos ou mais.

Patrícia Benvenuti
Jornalista


Cristiano Navarro
Jornalista, é diretor do documentário "Á sombra de um delírio verde".


Ilustração: Andre Cypriano

1 Sou da Paz, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (DDD), Conectas Direitos Humanos, Núceo de Estudos da Violência, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Justiça Global.
* Esta reportagem foi produzida com o apoio do Instituto Terra Trabalho e Cidadania dentro do projeto Tecer Justiça.

O Direitos à cidade: David Harvey

O grupo Transversalizando recomenda a leitura do Artigo "EL DERECHO A LA CIUDAD" (O Direito à cidade), do Autor David Harvey.

Para ter acesso artigo clique no link abaixo:

"Autor de mais de 20 Livros, a obra de Harvey vem sendo lida e conhecida em todo o mundo na medida em que vêm sendo amplamente traduzida para diversas línguas. Harvey também possui título doutor honoris causa pelas Universidades de Roskilde (Dinamarca), Buenos Aires (Argentina), Uppsala (Suécia), Universidade Estadual de Ohio (EUA), Universidade de Lund (Suécia) e da Universidade de Kent (Reino Unido), além de diversos prêmios concedidos em função da importância de seus estudos. Atualmente vem circulando pelos principais centros de pesquisa do mundo como professor visitante, e é professor emérito da Universidade da Cidade de Nova York (The City University of New York – Cuny), no Departamento de Antropologia, na qual leciona desde 2001, inclusive orientando diversos trabalhos de doutoramento na pós-graduação daquela Universidade." (Trecho retirado de: https://sites.google.com/site/eugeniovpereira/material-de-estudo/coletanea-de-videos/crise-do-capitalismo-david-harvey)


Moção de de repúdio à tentativa de redução da idade para responsabilização penal


MOÇÃO DE REPÚDIO À TENTATIVA DE REDUÇÃO DA IDADE PARA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL
O Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Fórum Nacional DCA, tem 25 anos de existência. Representa 52 entidades da sociedade civil organizada e 26 Fóruns Estaduais e do Distrito Federal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, sendo mais de mil e duzentas entidades, entre organizações de atendimento, de defesa, conselhos de classe, sindicatos, é hoje a maior coalizão brasileira em tema de Direito da Criança e do Adolescente.

O Fórum Nacional DCA vem a público repudiar mais uma tentativa de reduzir a maioridade penal  expressa nas forças conservadoras e reacionárias da sociedade brasileira instaladas em vários segmentos.
Ao instituir-se como espaço de luta, o Fórum Nacional DCA adotou como missão a garantia da efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, por meio da proposição, articulação e monitoramento das políticas públicas e da mobilização social, para construção de uma sociedade livre, justa e solidária.  Missão essa que vem se mantendo ao longo desse tempo, mas que se renova em estratégias que adota para dar a ela mais materialidade e efetividade.

Portanto, é com essa legitimidade que o Fórum Nacional DCA contesta o ressurgimento na mídia e em ambas as Casas do Congresso Nacional dos mais diversos projetos de lei e de emendas à Constituição Federal com objetivo de redução da idade para a responsabilização penal de adolescentes para diversas idades, para ampliar o tempo de execução de medidas socioeducativas, especialmente a de internação em  estabelecimento educacional, assim como para submeter o adolescente a quem é atribuída a autoria de  ato infracional a avaliação psicológica para que o juiz conclua se ele pode ou não ser responsabilizado como adulto.

Nesse contexto, com avaliação de que o parlamento recebe pressão por parte dos setores mais conservadores, bem como com a intenção de oferecer resposta aos anseios de parte da população que enxerga na prisão de adolescentes e jovens a solução para as questões da violência, na Plenária do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA – realizada em 10 de julho de 2013, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, ao que parece, com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF – apresentou proposta denominada “Responsabilidade  Progressiva”, prevendo sistema de responsabilização do adolescente a quem é atribuída a autoria de ato infracional considerando a gravidade do ato praticado e a idade do adolescente. Em razão de pedido de vista, a decisão do CONANDA sobre o tema será tomada em Assembleia Extraordinária designada para de julho de 2013.

O Fórum Nacional DCA não aceita qualquer iniciativa de deslegitimar os direitos da criança e do adolescente no Brasil, principalmente quando se trata da redução da idade para responsabilização penal e  nem o argumento do medo. Melhor seria que o Estado Brasileiro observasse os seguintes pontos: 

1. Na Constituição Federal prevê-se que não “não será objeto de deliberação a proposta de emenda 35 [...] tendente a abolir os direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, inciso IV). Trata-se da chamada “cláusula pétrea”;

2. O princípio constitucional de proibição do retrocesso no domínio dos direitos fundamentais e sociais visa a impedir que sejam frustrados os direitos civis, políticos, sociais, culturais e  econômicos já concretizados, tanto na ordem constitucional como na infraconstitucional, em atenção aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que são os de: promover o bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação; constituir uma sociedade livre, justa, solidária; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º), o que se dá mediante a implementação e efetivação do Estado Democrático de Direito.

3. O Brasil foi recomendado em 2004 pelo Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas, previsto Convenção sobre os Direitos da Criança, a dar especial atenção à plena implementação do artigo 4º da Convenção, tendo em consideração os recentes desenvolvimentos econômicos positivos, priorizando e aumentando a alocação orçamentária para assegurar, em todos os níveis, a implementação dos direitos das crianças, particularmente aquelas pertencentes a grupos marginalizados e economicamente em desvantagem, incluindo crianças afrodescendentes e crianças indígenas, “ao máximo dos recursos disponíveis e, quando necessário, dentro de um quadro de cooperação internacional”.

4. Implementar a execução das medidas socioeducativas regulamentada pela Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que corrobora as Resoluções 119 e 112, do CONANDA, que explicita a necessidade de formação continuada para todo o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. 
Ambas as Resoluções mencionadas e a própria Lei 12.594, de 2012, permanecem completamente  ignoradas.

Diante do exposto, Fórum Nacional DCA não compactua com qualquer tentativa de retrocesso na garantia dos direitos da criança e do adolescente. Diversamente, entende que devem ser implantadas estruturas institucionais sólidas, em cumprimento ao disposto na própria Constituição Federal.

É necessário relembrar que alguns posicionamentos do Fórum Nacional DCA foram apresentados formalmente aos governantes, já em dezembro de 2010, com a Carta Aberta à Presidenta Dilma Rousseff. 

Nela existem propostas positivas, cujos temas estão sendo paulatinamente discutidos e aperfeiçoados em diversos momentos pela Rede do FNDCA. Relembram-se e atualizam-se os pontos principais da proposta do Fórum Nacional DCA de 2010, que sugere pelo menos uma proposta de emenda à Constituição Federal e projeto de lei para fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente: constitucionalização dos Conselhos Tutelares, garantindo-se organização, remuneração, e eleição pela Justiça Eleitoral; constitucionalização dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente; entre outros temas. A par disso, é necessário garantir formação para os direitos humanos, a solidariedade, o amor, a paz, e para a participação política, tanto na educação formal, a partir das creches, como nos meios de comunicação de massa; também há previsão de dispositivos relacionados ao orçamento criança e adolescente, inclusive com proibição de contingenciamento e previsão constitucional de que, caso não sejam executados completamente, os recursos serão automaticamente convertidos em financeiro e depositados na conta do fundo dos direitos da criança ao final do exercício. Também previsão de percentual mínimo para o fundo dos direitos da criança. Nada do que está na Carta Aberta, porém, pode ser obstáculo ao diálogo.

Dessa forma, o Fórum Nacional DCA sugere ao CONANDA que dê atenção à conclusão do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo. E não permita retrocessos na garantia dos direitos da criança e do adolescente, pois o contrário não seria apenas violação dos direitos já assegurados, mas verdadeira estupidez com consequências irreparáveis, que demonstraria a incapacidade do Estado Brasileiro de cumprir a lei, preferindo abraçar alternativas danosas apenas para dar resposta a setores conservadores.

O Fórum Nacional DCA convoca toda sua Rede e entidades parceiras que emitam notas, divulguem e ampliem para as diversas mídias, seu repúdio aos retrocessos no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
                                                                                                              Brasília, 22 de julho de 2013.
                                                                                                                                                                            Secretariado do Fórum Nacional                                                                       de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
   Informações adicionais no sítio do Fórum: www.forumdca.org.br

terça-feira, 23 de julho de 2013

“A Amazônia continua sendo alvo da rapina do capital internacional, por suas riquezas e minérios"

Publicado em: http://www.brasildefato.com.br/

Em entrevista, Avelino Ganzer, primeiro vice-presidente da CUT na década de 1980, denuncia que “os grupos que controlam a mídia são os que concentram riqueza e poder”

Leonardo Severo,
em Belém (PA),

“Os grupos que controlam a mídia são basicamente os mesmos que concentram riqueza e poder em articulação com o capitalismo internacional. Nesta batalha contra a dominação política e o controle da informação, democratizar a comunicação é chave para combater a ditadura do grande capital”.
A afirmação é de Avelino Ganzer, primeiro vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e grande liderança dos trabalhadores rurais na luta contra a ditadura, que participou na terça-feira (14), em Belém, no Pará, como painelista no Seminário de Planejamento da Central na região Norte. Atualmente chefe do escritório especial da Secretaria Geral da Presidência da República em Altamira (PA), aos 65 anos, o homem que sobreviveu a acidente aéreo e a um sem número de cercos e ameaças, traça paralelo entre os desafios dos movimentos sindical e social de ontem e hoje, sublinhando a relevância do seu protagonismo para alterar a correlação de forças na sociedade.
Nesta entrevista, o veterano dirigente faz um amplo resgate da cultura amazônida, fala das riquezas da região, condena a superexploração do meio ambiente e da mão de obra pelas transnacionais, e destaca o papel da consciência e da ação coletivas para defender o interesse da classe trabalhadora. “Sempre defendemos a necessidade de consolidar um grande time, com unidade na diversidade, para avançar até esgotar os limites da pauta comum”, ressaltou Avelino, lembrando a máxima de um velho militante de Pacajá: “governo é como galo velho, só fica bom na pressão”.

O que diferencia a Amazônia das demais regiões?
Avelino Ganzer: A Amazônia legal é uma região rural muito forte. Nossas cidades, mesmo capitais imensas como Manaus e Belém, têm uma relação muito estreita com a ruralidade, o que é diferente de dizer com a agricultura. Esta ruralidade é natureza, água, floresta, as riquezas naturais no solo e no subsolo, e as populações no seu contexto geral.

Há um componente indígena muito forte.
A população nativa nos estados mais antigos tem uma cultura indígena muito forte, mas que obviamente também encontram-se submetidas aos impactos do sistema capitalista. É uma população que não tem a relação com a propriedade; para ela, a terra não é uma mercadoria. Não há essa ideia de que a terra até aqui é minha e dali pra lá é tua. A forma violenta como se impõe o sistema capitalista fere de morte estas comunidades. Daí a necessidade de termos muito cuidado na demarcação de terras indígenas, pois essa é uma população sobrevivente. Para o capitalismo, que despreza todo o acúmulo desse processo social e cultural de convivência e espaços públicos, essas comunidades são um obstáculo a ser removido, um atraso à expansão da sua lógica. Se a escola entrasse, se a ciência entrasse, se a grade curricular viesse a essas comunidades para impulsionar um sistema que respeitasse e mantivesse sua cultura, teríamos enfim desenvolvimento sustentável. Esse nó na Amazônia não está resolvido, assim como não está resolvida a questão dos quilombolas, da população negra que resistiu e continua resistindo.

A situação se complica ainda mais em função das imensas riquezas naturais de uma região que é alvo da cobiça internacional?
Claro que sim. Temos aqui vários dos minérios mais importantes do mundo: minério de ferro, bauxita (que produz alumínio), ouro, cobre, cassiterita, manganês, tudo em quantidade. No município de Itaituba, no alto do rio Tapajós, onde vão construir hidrelétricas, de 1974 até 1980, havia um aeroporto que era mais movimentado do que o de Cumbica, em São Paulo. Era um perigo de tanta aeronave que subia e descia com o ouro que saia clandestinamente para o Paraguai, para o Uruguai, países que não tinham ouro e viraram exportadores. Enquanto isso muita gente daqueles verdadeiros formigueiros humanos morria de malária, de disputa de vida ou morte na base da foice e de facão. Na região, muitas multinacionais que apoiaram a ditadura foram beneficiadas com grandes áreas de terra, milhares de hectares, da qual tiraram muita riqueza. Mesmo hoje há fazendas com 200 retroescavadeiras, com muito maquinário mesmo, sem a necessária fiscalização, devido à fragilidade do Estado.

Mas o Estado brasileiro, infelizmente, continua financiando a exportação de commodities ou produtos sem valor agregado.
Um dos exemplos disso é a hidrelétrica de Tucuruí, feita para fazer funcionar o complexo siderúrgico de Barcarena. Ali, depois de utilizarem a nossa energia, a bauxita vira lingotes de alumínio. A população subsidia há décadas esse beneficiamento primário. Se você olha a geração desta riqueza, onde é que ela vai gerar os melhores empregos, os melhores salários, não é na Amazônia. Aqui fica o trabalho desgraçado, os resíduos ambientais, os detritos, a poluição, o caos. Precisamos agir contra esta exploração predatória, que enriquece uns poucos que levam embora o que é nosso.

É uma realidade de saque invisibilizada pela grande mídia, pois seus anunciantes lucram com a manutenção desta lógica. Qual a sua avaliação sobre a campanha pela liberdade de expressão defendida pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e pela CUT?
Os grupos que controlam a mídia são basicamente os mesmos que concentram riqueza e poder em articulação com o capitalismo internacional. Nesta batalha contra a dominação política e o controle da informação, democratizar a comunicação é chave para combater a ditadura do grande capital. No meu entendimento é fundamental este esforço democratizante pela regulamentação do setor, que desperta o medo das elites. Essa mobilização pode resultar vitoriosa com uma campanha mais qualificada, de massa, que ganhe as ruas, o que não é fácil. Daí a necessidade, também, de azeitarmos os nossos próprios meios de comunicação, como o site da CUT e todos os demais instrumentos da Central e dos movimentos sociais que se articulam em favor da democracia.

Nas tuas falas sempre está presente a palavra unidade e, mais do que um recado aos mais jovens, soa como conclamação.
Sempre defendemos a necessidade de consolidar um grande time no sindicalismo, com unidade na diversidade, para avançar até esgotar os limites da pauta comum. Acho que devemos gastar mais energia no diálogo, procurando entender a diversidade, pois a falta de clareza nos fragiliza. É desta forma que compreendo a construção de uma nova hegemonia do campo democrático e popular, que precisa colocar sua pauta e ampliar a pressão, exercer sua independência e autonomia de qualquer governo. Encerro lembrando a máxima de um velho militante de Pacajá: “governo é como galo velho, só fica bom na pressão”.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Ato Médico

Publicado em: http://site.cfp.org.br/

Psicologia comemora decisão corajosa da presidenta Dilma ao vetar parcialmente o PL do Ato Médico

Na quarta-feira (10), a presidenta Dilma Rousseff, vetou parte do Projeto de Lei que, ao regulamentar a Medicina, interferiria nas atividades das outras categorias da Saúde. O CFP saúda a decisão da presidenta e comemora o fato de os vetos valorizarem o trabalho multiprofissional na Saúde e, em especial, no Sistema Único de Saúde.
Esta é uma vitória do esforço de mobilização das e dos profissionais da Psicologia que, ao lado das diversas profissões de Saúde, mantiveram aceso por 11 anos o debate sobre o tema. Nos últimos meses, a categoria atuou nas ruas e na internet de forma excepcional, garantindo a exposição do tema na sociedade.
O principal problema do projeto era o inciso 1º do artigo 4, que previa que a formulação do diagnóstico e a respectiva prescrição terapêutica seriam atividades privativas dos médicos, ou seja, determinaria que só eles poderiam diagnosticar doenças e decidir sobre o tratamento. No caso da Psicologia, as psicólogas e psicólogos não poderiam mais diagnosticar transtornos mentais.
Assim, o CFP apoia a decisão da presidente Dilma que, em seu veto, defendeu o Sistema Único de Saúde e a atuação integrada dos profissionais da área. A presidente ressaltou que a sanção do texto “poderia comprometer as políticas públicas da área de saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria”. Vale destacar, ainda, que nenhum ministério emitiu parecer favorável ao projeto.
Um longo trabalho
A Psicologia  esteve mobilizada nesses 11 anos pela não aprovação do PL. Foram inúmeras ações organizadas pelos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, mobilizações, articulações em defesa não só da Psicologia, mas de toda a população brasileira que seria afetada pelo Ato Médico. Este processo de luta se deu ao lado da Frente dos Conselhos das Profissões da Área da Saúde (Fcpas), do Fórum das Entidades Nacionais dos Trabalhadores da Área da Saúde (Fentas) – do qual a Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi) participa, das entidades nacionais da Psicologia organizadas em torno do Fórum das Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB), de associações nacionais de ensino, como a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (Abep), profissionais e estudantes de área da saúde e, principalmente, junto com a sociedade brasileira.
Agradecemos a todas e todos que estiveram envolvidos nessa luta e que hoje podem comemorar o resultado. Reafirmamos que somos favoráveis à regulamentação da atividade das e dos médicos desde que não fira a autonomia das outras 13 profissões da Saúde e do usuário na escolha do tratamento, além de não desconstruir as políticas vigentes no Sistema Único de Saúde.
Próximo passo
O próximo passo é continuar as mobilizações para que o Congresso Nacional mantenha os vetos da presidenta Dilma, garantindo assim, definitivamente, o respeito ao trabalho de todos no atendimento integral à população tanto nas políticas públicas de saúde como no âmbito privado.
Apenas os vetos voltam para o Congresso Nacional, com o prazo máximo de 30 dias para apreciação.
Saúde se faz em equipe!
Valeu o veto Dilma Rousseff, vitória da saúde coletiva brasileira!