quinta-feira, 18 de abril de 2013

A proibição das drogas mata mais do que seu uso



“Os maiores prejuízos e perigos das drogas ilícitas são causados pela sua proibição. Mais pessoas morrem na guerra contra a maconha e a cocaína, do que pelo uso dessas drogas. Com a legalização das drogas, não haverá mais autorização para matar pessoas com o carimbo de traficantes”, afirmou o delegado Orlando Zaccone, mestre em Ciências Penais, durante a abertura do Curso de Atualização na Atenção ao uso Prejudicial de Álcool e outras Drogas da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). “As drogas matam proibidas e legalizadas, mas proibidas matam mais porque matam não só pelo uso, mas também pela proibição. Podemos reduzir os danos com a legalização da venda e do consumo”, destacou Zaccone, acrescentando que não é a favor do consumo das drogas, mas da legalização de seu uso. “O campo da moralidade é individual. Posso ser contra o uso, mas entender que a legalização é benéfica para a sociedade. Não devemos confundir a legalização com o estímulo ao consumo”, completou.

Para Zaccone, a proibição é uma tragédia social porque ao criar a figura do ‘traficante’, torna uma pessoa ‘matável’ ou alvo de uma política carcerária ineficiente e cruel. Ele ressaltou que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com cerca de 500 mil presos. “A prisão não resolve o problema. Lotamos o cárcere de pessoas rotuladas como traficantes. Isso é muito pior que o consumo de drogas do mundo. Somos um país que está levando para o cárcere crianças e jovens envolvidos com drogas. É muito fácil colocar os problemas para dentro do cárcere ou da vala”, disse o delegado. “Para reduzir os efeitos das drogas, temos que ir pela legalização e o Brasil está muito atrasado nessa questão. Outros países já entenderam que a solução das drogas passa por uma legislação mais branda”, comparou.
De acordo com dados da Anistia Internacional, em 2011, nos 20 países que tinham pena de morte instituída, 676 pessoas morreram condenadas. No mesmo ano, 524 pessoas foram mortas pela Polícia Militar no Rio de Janeiro e 437 em São Paulo, totalizando 961 mortes em apenas dois estados, 42% a mais que em todos os países com pena de morte. “E essas mortes são legitimadas por uma guerra contra as drogas”, observou Zaccone, explicando que quando um PM mata em serviço, é aberto um inquérito como auto de resistência, ou seja, legítima defesa do agente da lei. O PM responde ao inquérito em liberdade e se provar que não tem culpa, não tem processo. “Legítima defesa não condena, 95% a 99% dos inquéritos são arquivados e as mortes são legitimadas. O Ministério Público pede o arquivamento e o juiz de direito legitima a matança”, explicou.
Segundo o delegado, a maioria dos arquivamentos são feitos na comprovação de que o morto era traficante. “Junto com o morto, apresentam sempre uma arma e uma quantidade de drogas e o confronto é sempre em um local conhecido como ponto de venda de drogas. Se morre na favela um negro, jovem, com armas e drogas, já tem o ‘selo’ de traficante e está legitimada a morte. Então, no Brasil, tem pena de morte. A exceção virou regra e o Brasil trabalha em estado de exceção permanente com a execução de pessoas rotuladas como traficantes”, destacou Zaccone. “Temos uma legislação criminal que suspende o direito à vida dos traficantes. Isso já seria suficiente para propor a legalização das drogas ilícitas. O traficante não é visto como um ser humano, por isso, se autoriza sua execução. O fato de a pessoa ser identificada como criminosa não pode dar o direito de o policial matá-la. Se mata o traficante é legítimo, mas se mata o estudante não é. Mas o estudante pode ter morrido trocando tiros com a polícia e o traficante, implorando pela vida. E o policial só é punido quando a mãe consegue provar que seu filho não é traficante, mas a mãe do traficante também pode exigir a garantia da vida do seu filho porque não temos pena de morte instituída no Brasil”.
Proibição
O fato de a saúde não entrar na questão da proibição ou não de uma droga é outro problema levantado por Zaccone. “Todas as drogas, lícitas ou ilícitas, trazem malefícios à saúde. Não tem uma distinção científica para definir por que algumas são proibidas e outras são permitidas. O fato de uma droga ser proibida ou não, não é uma questão de saúde, mas uma construção política de um ambiente social”, destacou o delegado, acrescentando que, em 2014, o álcool, que em alguns países árabes é proibido, vai patrocinar a Copa do Mundo de futebol, o maior evento esportivo do mundo. “E, segundo pesquisas, o álcool é a droga que mais causa danos à população. Mas a propaganda de bebidas não é proibida como a de cigarros e essa diferença de tratamento é fruto do lobby das indústrias no Congresso Nacional. Os prejuízos causados pela proibição da propaganda de álcool seriam muito maiores que os do cigarro. Quando se fala das drogas ilícitas, se esquecem das lícitas. O álcool causa acidentes de trânsito, violência doméstica e não se fala dos efeitos nocivos do álcool.  Mas será que a proibição do álcool iria resolver?”, questionou Zaccone.
No caso das drogas, o controle e a proibição do uso de uma substância muitas vezes estão ligados também ao público usuário. Zaccone lembrou que a maconha, por exemplo, foi proibida há dezenas de anos porque era usada pelos escravos e havia um movimento para reprimir tudo que vinha desse grupo de pessoas, não só a maconha, como também a capoeira e o samba, por exemplo. O objetivo não era controlar o uso da droga, mas a população que fazia uso dela. “O que acontece hoje com o crack é um movimento parecido. Não existe uma preocupação humanista. Querem controlar quem usa essa substância e está nas ruas”, destacou.
Segundo o delegado, de acordo com informações da Prefeitura do Rio de Janeiro, 70% das pessoas recolhidas nas ruas em operações contra o uso de crack não têm problemas com drogas. “A área de saúde pública está contaminada pela polícia. Estão fazendo uma faxina social para tirar das ruas as pessoas que estão no que eles chamam de cinturão de segurança do Rio de Janeiro (Zona Sul, Tijuca e Avenida Brasil até o aeroporto). A luta contra a internação compulsória é um marco e temos que politizar esse debate”, ressaltou.

7 comentários:

  1. Em países como Holanda e Amsterdã, onde o consumo de maconha, por exemplo, é permitido por lei, nota-se claramente uma melhor “organização social” em torno de seu uso deliberado em ruas e cafés da cidade. A população aparenta conviver bem com o fato de outros fumarem seus cigarros de maconha, entendendo como natural e de responsabilidade individual de cada.
    No Brasil, fumar cigarros de nicotina e ingerir bebidas alcoólicas também passa pelo mesmo processo de “aceitação”, onde embora sejam noticiados casos de incidentes causados por pessoas embriagadas, ainda assim há certa organização social em torno de seu consumo.
    O que teríamos a perder legalizando o consumo da maconha ou de crack? Afinal, assim como qualquer outro tipo de produto criado em laboratórios, seu consumo poderá trazer riscos ao indivíduo, deixando a sociedade que este pertence também a mercê de alguma conseqüência. Então por que as drogas tais quais hoje chamamos de ilícitas não podem submeter-se também ao processo de “Confiamos em você para fazer bom uso deste”?
    A idéia não seria, como foi exposto no texto pelo delegado Orlando Zaccone, de incentivar o consumo de drogas, mas apenas liberá-lo, evitando assim atos extremos como a matança de ditos traficantes por policiais em “legítima defesa”.
    É pouco provável que somente a legalização de algo aumente o seu consumo, pois outros fatores devem ser considerados como psicológicos e financeiros dos indivíduos. O preconceito latente que ainda existe diante do estereótipo “traficante é ladrão. Não presta!” parece intensificar a vigente legislação.

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  2. O fato é que não se pode comparar países como a Holanda com o Brasil, visto que os dois países tiveram construções culturais totalmente diferentes, ou seja, a população dos dois países tem costumes totalmente diferentes, educação diferente e mentalidade diferentes. Quando se trata da "liberação" deve-se considerar o contexto REAL brasileiro e não o holandês. Outra coisa a se considerar é a questão de "mas a maconha faz menos mal que o cigarro de nicotina" logo, isso significa que devemos liberar tudo que causa menos mal que a nicotina e usa-la como parâmetro? O fato é que a nicotina e o álcool já são drogas "culturalmente brasileiras", o que não é nada bom ou motivo de orgulho, e há sim uma estrutura organizacional ao redor desta "liberação" (conscientizações acerca destas drogas, políticas públicas...) e ainda deste modo há incidentes envolvendo o uso irresponsável destas drogas que acabam envolvendo terceiros e as vezes causando a morte destes.
    Porém, é preciso deixar muito claro que a minha posição não é de NUNCA liberar o uso da maconha, por ex, mas sim que a liberação seria um erro se ocorresse no contexto atual, pois acho que a sociedade brasileira não tem estrutura e nem maturidade para lidar com esse fato e com essa nova "liberação" e não se pode contar com a ideia que com a liberação o tráfico diminuiria, acredito que não, que os traficantes estariam apenas autorizados a abrirem lojas, por exemplo.
    Enfim, defendo a não liberalização até que sociedade tenha estrutura para lidar de forma coerente com isso. Onde haja respeito tanto com o individual (tanto da pessoa que use quanto a que não use) quanto com o coletivo (políticas públicas de conscientização, regras para utilização justamente para não invadir o espaço daquele que não usa).

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  3. Concordo com a afirmação de que a matança a consumidores de drogas acaba sendo legitimada pela proibição das mesmas, porém creio que a legalização das drogas no Brasil seria uma política de sacrifícios onde muitos morreriam para que o país tentasse, sem previsão de sucesso ou de fracasso, eliminar o uso de drogas. O álcool, por exemplo, é legalizado e pode ser divulgado em todo tipo de mídia brasileira, mas nem por esse motivo há um controle sobre o álcool, ao contrário, criam-se leis e mais leis restringindo o consumo de álcool para evitar as catástrofes constantes que o país sofre por casos que envolvem álcool. Creio que falta ao Brasil, nesse aspecto, um pouco de pulso firme, pois não se abre exceções às drogas, ou se proíbe todas, ou se libera todas, por que o álcool é legalizado? Por que tem uma fabrica de larga escala de produção? Isso não é diferente das largas plantações de maconha e dos vários pontos de distribuição da droga no país. Não se deve ficar em cima do muro em um assunto enquanto varias pessoas morrem por essa indecisão.

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  4. O principal motivo em favor da liberação das drogas é com certeza a questão moral, e é impossível criar uma justificativa contra esse argumento sem cair em contradição. Comercializar e consumir drogas por si só são ações voluntárias, livres de coerção. Não há ninguém sendo obrigado a nada, não há ninguém sendo roubado ou agredido. Portanto, o comércio e o consumo de drogas respeitam perfeitamente o princípio da não agressão (de que é errado iniciar agressão contra não agressores). A proibição, por outro lado, é um claro início de agressão contra não agressores, um atentado à propriedade privada e à liberdade. O indivíduo, sendo o único dono do próprio corpo, deveria ter o direito de escolher o que quer ingerir, mesmo que seja uma substância reconhecidamente nociva à saúde. Quando o Estado proíbe as drogas, ele automaticamente está se declarando dono dos corpos de todas as pessoas do país, equivalente um senhor decidindo o que seus escravos podem ou não ingerir. É válido proteger o indivíduo de outros indivíduos, mas é totalmente inválido protegê-lo dele mesmo.
    Muitas pessoas, porém, insistem em defender a proibição das drogas, sempre fornecendo justificativas utilitárias, uma vez que é impossível criar uma justificativa moral sem cair em contradição.

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  5. A legalização das drogas poderia atenuar muitos problemas como a violência mas tem que se pensar que Brasil não é Holanda são culturas e educações totalmente diferentes, tanto que o uso de cigarro e álcool não são proibidos e todos os dias vemos o numero de mortes aumentando em acidentes devido a ingestão de bebidas apesar de termos leis que proíbem o uso dessas bebidas no trânsito, infelizmente a maioria da população não é consciente. A pesar de ferir o direito de liberdade e escolha do cidadão, ainda não somos preparados para aprovar essa legalização.

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  6. O conceito de drogas é relativo a medida que nem todas as culturas tem o mesmo entendimento acerca da mesma substancia, por exemplo, como citado no texto, o álcool é licito no Brasil porém em alguns países árabes é proibido. Portanto o entendimento acerca da questão da legalização de drogas ilícitas no Brasil perpassa pela questão de entendimento acerca da diversidades de conceitos existentes. Além disso é necessário averiguar corretamente os efeitos das substancias no organismo, já que pelo fato de alterarem o seu funcionamento é necessário todo entendimento e estudos acerca de suas consequências e veiculação correta para a população, pois, em muito casos- pelo enorme lucro que as empresas adicionam- a veiculação acerca das consequências de uso de determinada droga é manipulada e amenizada para estimular seu consumo.
    Não nego o fato da proibição de substancias tóxicas está intrinsecamente ligado aos homicídios ocorrido nas cidades e na segregação dos seu usuários, no entanto, é necessário primeiro que a população esteja consciente de todas as consequências dessas drogas para sua saúde, baseada em dados científicos - e não manipulados por empresários e a mídia-, para que então a legalização permita aos cidadãos brasileiros usufruir suas de suas escolhas de modo consciente.

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  7. Juridicamente, drogas são todas as substâncias que causam dependência na pessoa e, no âmbito médico, são drogas todas as substâncias que alteram de alguma forma o funcionamento do sistema nervoso. Olhando inicialmente apenas por estes dois aspectos já podemos perceber que a questão da legalização ou não do uso de drogas ilícitas também implica no debate acerca da “deslegalização” de algumas drogas lícitas. Neste caso, uma série de medicamentos e substâncias que consumimos cotidianamente, como o café, tornar-se-iam drogas ilícitas, bem como o álcool, o cigarro e outras tantas substâncias que consumimos sem nos dar conta da dependência que sofremos, como no caso de analgésicos ou, de como afetam nosso cérebro, no caso dos energéticos. Mais por que então que estas drogas continuam tendo seu consumo legalizado? É evidente o jogo de interesses que está por trás de tudo isso. No caso dos medicamentos, a indústria farmacêutica; do álcool, as empresas de bebidas que patrocinam o governo na realização de eventos em troca de sua livre circulação em espaços públicos, da propagando aberta nos estádios, por exemplo, e da isenção de alguns impostos. No entanto, o álcool mata tanto ou até mais que o tráfico de drogas ilícitas, haja vista que ele causa mortes no trânsito, por doenças, diminui a expectativa de vida, aumenta as taxas de violência doméstica, agressividade no trabalho, etc. Enquanto isso, a lei, as normas e a sociedade criam um grupo de indivíduos assujeitados como “viciados”, “usuários/dependentes” de drogas, traficantes, etc. sem perceber que o financiamento do tráfico vem justamente de licitude de outras drogas. E é claro que o governo vai combater o tráfico e justificar as matanças em uma série de discursos, já que o tráfico não gera impostos, postos de trabalho, geração de renda, e sim cria governos paralelos, institui uma dominação pelo terror e reproduz a criminalidade; entretanto, quando vemos os policiais subindo as favelas, acabando com o sistema de tráfico lá vigente e pacificando a área e, logo depois, descobrimos que o tráfico voltou a tomar conta da região, nos perguntamos como isso é possível, e é claro, dentro deste pensamento estamos esquecendo que alguns governos municipais, deputados e vereadores foram eleitos sendo financiados justamente pelo tráfico. Ainda não me acho capacitado tanto teórica quanto politicamente para tomar uma posição acerca da legalização ou não do uso de drogas ilícitas, procuro somente levantar essas problematizações a fim de tentar criar um esclarecimento sobre a complexidade do assunto para, quem sabe, finalmente conseguir compreender como ele se processa para poder assumir uma posição e quiçá pensar em formas de intervenção para a mudança da realidade.

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