terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário


Os mais de 30 processos judiciais movidos contra Lúcio Flávio Pinto desde os anos 1990 representam uma tentativa de inviabilizar a produção do jornal alternativo que denuncia fraudes e desmandos de empresários e grupos de poder locais.

Reconhecido no final do ano passado com o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, entre as várias homenagens recebidas por seu trabalho nos últimos anos, o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, que edita há 25 anos o Jornal Pessoal, foi novamente condenado pelo judiciário paraense. Desta vez, ele deverá pagar a quantia de R$ 410 mil (ou 600 salários mínimos) ao empresário Romulo Maiorana Júnior e à empresa Delta Publicidade S/A, de propriedade da família dele, também detentora de um dos maiores grupos de comunicação da Região Norte e Nordeste, as Organizações Romulo Maiorana.
A decisão da desembargadora Eliana Abufaiad, que negou o recurso interposto pelo jornalista no primeiro semestre de 2012, data de 21 de novembro de 2012, mas foi publicada apenas em 22 de janeiro com uma incorreção e, por causa disso, republicada nesta quarta-feira, dia 23. O jornalista vai recorrer da decisão, tentando levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas teme que a condenação seja confirmada.
Romulo Maiorana Júnior alega ter sofrido danos morais e materiais devido à publicação, em 2005, do artigo “O rei da quitanda”, no qual o jornalista abordava a origem e a conduta do empresário à frente de sua organização. Por causa desse texto, em 12 de janeiro do mesmo ano, Lúcio Flávio foi agredido fisicamente pelo irmão do empresário, Ronaldo Maiorana, junto com dois seguranças deste em um restaurante de Belém.
Depois da agressão, o jornalista também se tornou alvo de 15 processos judiciais, penais e cíveis, movidos pelos irmãos. Chegou a ser condenado em 2010 a pagar uma quantia de R$ 30 mil, mas recorreu da decisão do juiz Francisco das Chagas. A recente decisão da desembargadora Eliana Abufaiad, se confirmada, significará um duro golpe às atividades desempenhadas por ele, que não dispõe de recursos financeiros para arcar com as indenizações.
Lúcio Flávio Pinto, que já perdeu todas as vezes em que recorreu às condenações judiciais e vê nesses processos uma clara tentativa de impedimento à realização do seu trabalho junto à imprensa, lamenta o fato de juízes e o próprio Tribunal de Justiça do Pará não terem avaliado o mérito dos recursos por ele apresentados.
“Os tribunais se transformaram em instâncias finais. Não examinam nada, não existe mais o devido processo legal. E isso não acontece só comigo. São milhares de pessoas em todo o Brasil, todos os dias, que não têm direito ao devido processo legal. Em 95% dos casos julgados no país rejeitam-se os recursos. Não tem jeito”, afirma. Ele também informa que há outra ação judicial em curso, ainda a ser julgada, na qual Romulo Júnior pede R$ 360 mil de indenização também por danos morais e materiais.
Perseguição judicial – Lúcio ficou ainda mais conhecido no início de 2012 quando foi alvo de uma condenação que mobilizou pessoas e organizações, nacionais e estrangeiras, que o obrigaria a indenizar a família do falecido empresário Cecílio do Rego Almeida. O crime teria sido chamar de “pirata fundiário” o homem que tentou fraudar e se apropriar ilegalmente de quase 5 milhões de hectares de terras públicas, na região paraense do Xingu, denúncia posteriormente comprovada pelo próprio Estado.
Por fazer uma radiografia minuciosa e crítica da região, o que o tornou um dos maiores especialistas em temas amazônicos, e reportar tentativas de fraudes aos cofres públicos, erros e desmandos do poder judiciário local, o jornalista foi alvo de exatos 33 processos desde 1992.
Já sofreu agressões físicas e verbais por causa de seus artigos, sem declinar o direito de veicular informações de interesse público, em seu jornal quinzenal reconhecido pela qualidade do conteúdo em detrimento de uma produção quase artesanal.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Povos Indígenas: O que a Psicologia tem haver com isso?


Postado por: CRPSP

Em 2012 a profissão de psicólogo (a) comemorou 50 anos de regulamentação no Brasil. A depender do ponto de vista, parece pouco ou muito. São cinco longas décadas de acúmulo sistemático de saberes e práticas, refletidos na ampliação dos espaços de atuação na sociedade. Por outro lado, considerando a natureza da Psicologia, uma ciência voltada à promoção da saúde mental das pessoas e, ainda, a velocidade das transformações sociais ocorridas nessas últimas décadas, é de se supor que não alcance o patamar de uma ciência "acabada", pois na medida em que ser humano e sociedade se transformam, a ciência psicológica também o faz, para acompanhar tais processos de mudança sociocultural.

É um equívoco pensar que a Psicologia se basta com seus pensadores clássicos. Todo e qualquer conhecimento está circunscrito ao contexto social e ao momento histórico em que é produzido, trazendo tais marcas em seus conteúdos e premissas. A maioria dos teóricos da Psicologia ensinados nas universidades, é de origem europeia ou estadunidense, tendo realizado seus estudos em séculos passados. Isto acarreta algumas dificuldades, pois muitas vezes busca-se "enquadrar" a realidade brasileira naqueles padrões, na falta de outros referenciais mais adequados. Na direção oposta tem sido, por exemplo, o esforço da ULAPSI (União Latino-Americana das Entidades de Psicologia) em fomentar o desenvolvimento de uma Psicologia produzida na América Latina, com base nos problemas e características das populações de nossa região.

Uma dessas características, que apesar de pouco falada não passa despercebida para qualquer cidadão (ã), é o caráter pluriétnico da nossa população. Em todos os países latino-americanos encontramos diversos povos indígenas originários, que aqui estavam antes da chegada dos europeus, e no Brasil não é diferente. Diferenças culturais à parte, o que há de comum entre esses países é a história de dominação dos povos originários, explorados inicialmente pelos europeus e, em seguida, pelos colonos que optaram por permanecer na região. Dominação realizada, muitas vezes, de forma brutal, por meio de assassinatos de toda espécie, genocídios de populações inteiras e usurpação de territórios; mas também de forma sutil, utilizando a ideologia, a religião ou a educação formal de crianças e jovens indígenas nas escolas "de branco". No Brasil, a mentalidade dos nossos governantes, até a década de 80, era a de que os indígenas deveriam ser eliminados, extintos, assimilados culturalmente à sociedade nacional, deixando de serem índios para "não atrapalhar o progresso".

Essa fórmula não funcionou. Nem o "progresso" foi eficaz, já que o modelo de desenvolvimento adotado produziu consequências nefastas como a destruição de áreas naturais de forma predatória, desequilíbrio ecológico e poluições de todo tipo, consumismo irresponsável, crise de valores a partir da valorização de bens materiais acima da pessoa humana, desigualdade social acentuada, descompromisso do Estado com o bem estar social, violências, etc. e etc. Nem os indígenas se submeteram à condição que lhes havia sido destinada. 

A novidade da década de 80 foi a elaboração e promulgação da atual Constituição Federal, considerada "Constituição Cidadã" em função da intensa participação social no processo constituinte, inclusive de organizações indígenas, as quais puderam garantir a inclusão de artigos importantes para um reordenamento social na relação intercultural entre índios e não-índios. A lei hoje garante o direito das comunidades indígenas sobre seus territórios originais, o respeito à cultura tradicional, o direito à educação bilíngue e também à participação política dos mesmos na definição das políticas públicas de seu interesse. Muito apropriado. No entanto, apesar de serem leis federais, na prática os direitos dessas populações não têm sido respeitados e o Estado não tem realizado seu papel como espera a sociedade. Em muitas circunstâncias os agentes públicos se colocam a serviço dos setores que continuam com aquela mesma mentalidade predatória e gananciosa, à custa de inúmeras vidas e muito sofrimento. 

É no final de 2004 que um grupo de caciques procura o Conselho Federal de Psicologia solicitando ajuda. Partindo do entendimento que "para doença de branco índio não tem solução sozinho", buscam junto aos (às) psicólogos (as) estabelecer alianças que resultem no enfrentamento dos prejuízos decorrentes da relação predatória da sociedade envolvente junto às comunidades indígenas. Encontros foram realizados e desde então, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo vem aproximando psicólogos (as), lideranças indígenas e profissionais de áreas afins, para definir conjuntamente parâmetros para políticas públicas de interesse dessas populações. Desse diálogo já se produziu uma publicação, cuja versão digital encontra-se disponível no site do CRP SP (http://www.crpsp.org.br/povos/povos/livro.pdf), além da introdução da temática em diversos cursos de Psicologia no estado. 

Onde houver sofrimento humano, injustiças, violação de direitos e a consequente perspectiva de fortalecimento das pessoas para melhor enfrentamento dessas realidades, ali estará a Psicologia. Uma ciência que carrega suas contradições, mas uma profissão sempre aberta às demandas que surgem na sociedade. Aberta também a novas estratégias e possibilidades de interface com outras ciências, como no caso a Antropologia, o Direito, o Serviço Social, a Educação, as ciências humanas e da saúde em geral. 

Diferente de uma visão estereotipada promovida pelos meios de comunicação, o (a) psicólogo (a) não atua apenas em consultório nem direciona seu trabalho apenas ao campo da "loucura". São muitas as suas áreas de atuação e, no caso dos indígenas, também são diversas as possibilidades de contribuição. Promover saúde mental tem um significado amplo, pois entendemos que tal estado depende de condições pessoais, mas também sociais. Para qualquer população. Com relação aos indígenas, há muito que fazer "na sociedade", para superação dos preconceitos e relações perversas, por exemplo, ampliar esse debate para esclarecimento da opinião pública fazendo uso dos canais de informação ao nosso alcance. E, "com os indígenas", construir conhecimentos compartilhados para intervenções responsáveis, que não reproduzam, mais uma vez, relações de dominação cultural. Há demandas em saúde mental, educação, cultura, questões ligadas ao uso de substâncias psicoativas, identidade, visibilidade social, participação, formação acadêmica, políticas públicas, todas expressando as consequências de cinco séculos de dominação, a qual definitivamente precisamos superar, em respeito a todos esses povos e à Constituição Federal.

Dados do último censo do IBGE nos ajudam a compreender a atual composição da sociedade brasileira, o que pode parecer surpreendente para muitas pessoas: existem hoje no Brasil 305 etnias, falando 274 línguas! Dos cerca de 5 milhões de indivíduos da população originária inicial, existe hoje menos de um milhão. Este número já foi menor, mas nos últimos 20 anos a população indígena brasileira tem aumentado, especialmente nas áreas onde a demarcação do território foi homologada e eles podem viver respeitando sua cultura e tradição. 

Aqui reside uma importante fonte de incompreensão do modo de ser indígena: a questão da terra. Se para boa parte dos não-indígenas, impera a visão da terra enquanto uma mercadoria que se compra e vende como outra qualquer, e cujo valor está associado aos seu potencial produtivo (fertilidade, recursos minerais, hídricos, etc), para muitos indígenas o território esta carregado de significados que não se limitam ao seu valor monetário. É um bem coletivo, onde vivem muitas espécies além da humana, que devem ser respeitadas, e onde se pode viver com plenitude a dimensão espiritual da vida. O território ancestral é território da memória de um povo, lugar privilegiado de sua reprodução cultural e de transmissão dos saberes aos mais novos. Nesse sentido, muitas vezes a terra é vivida como um espaço sagrado que concretiza a unidade entre todos os seres e contém em si o tempo da vida e da morte.

Concluindo: há um importante jogo de forças político-econômicas em nossa sociedade, produzindo injustiças e sofrimento a centenas de milhares de cidadãos indígenas. De outro lado, estas mesmas forças realimentam alienação e descompromisso da sociedade em geral, manipulando informações e canais de comunicação de largo alcance, anestesiando corpos e mentes para o confronto. Compromisso social, da saúde e da emancipação do ser humano: a Psicologia tem tudo a ver com isso!!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Sob o pretexto da Cura

Publicado em: Brasil de Fato.

Para juiz, internação compulsória não se trata de medida em prol da saúde, mas de higienização em favor de interesses econômicos. Judiciário contribui para a violação de direitos.

A medida que autoriza a internação compulsória de usuários de crack no estado de São Paulo é considerada um retorno aos séculos XIX e XX “quando se internavam os indesejáveis à ordem política a pretexto de curá-los”. A opinião é do juiz de Direito e membro da Associação Juízes para a Democracia, João Batista Damasceno, crítico do papel que o Judiciário deve cumprir na tríade com o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no caso das internações contra a vontade dos viciados.
Damasceno chama a atenção para o fato de que não é possível garantir a lisura dos laudos médicos. Outra questão é que a lei que regulamenta a Reforma Psiquiátrica, de 2001 – e é base da resolução do governo paulista que autoriza a internação compulsória – não se refere, em nenhum momento, a usuários de drogas, mas a pessoas com transtornos mentais.
Segundo o juiz, na aplicação dessa medida o Judiciário deve servir como salvaguarda para as violações de direitos, contribuindo para uma prática higienista na cidade. Os juízes não têm mesmo, segundo Damasceno, competência ordinária e conhecimento sobre os estabelecimentos para onde estão autorizando os confinamentos. “A política que se tem implementado em desfavor destas pessoas é equivalente às que o nazifascismo promoveu com aqueles que consideravam não serem dignos de qualquer direito, nem o de viver”, pontua.
Confira.
Brasil de Fato: Qual o cenário das políticas públicas de enfrentamento ao uso de crack no Brasil?
João Batista Damasceno: A conduta das autoridades públicas tem mudado de estado para estado. Nas capitais do Rio de Janeiro e São Paulo, a ação das autoridades tem sido mais intensa. Mas, em todo o Brasil, se tem praticado este tipo de violação dos indivíduos tratados como indesejáveis aos olhos dos interesses da classe dominante.
A possibilidade de internação compulsória de pessoas por motivos diversos deixou a comunidade psiquiátrica e os empresários de clínicas psiquiátricas em euforia. Trata-se de uma maneira de confinar pessoas, sem que estejam em estado de crise, e mantê-las internadas contra suas vontades. Claro que isto não se faz sem custeio e o que muitas “clínicas” buscam é o lucro decorrente deste tipo de intervenção.
A internação compulsória de pessoa acometida de transtorno mental, que somente se pode realizar com autorização judicial, difere da internação involuntária [a pedido da família], que se faz para atender à necessidade imediata de ajuda a quem esteja demandando socorro. A diferença pode estar no momento posterior ao socorro. Já na internação compulsória, a vontade do internado continua a ser desconsiderada mesmo se voltar a ter condições de manifestá-la. É este tipo de internação que se tem feito pelo Brasil com as pessoas usuárias de drogas, a pretexto de que estão acometidas de transtorno mental e para salvá-las do seu uso.
Mas os usuários das drogas consideradas mais leves ou das drogas chamadas lícitas não têm sido objeto destas condutas. A questão está diretamente relacionada com a classe e o status dos indivíduos na sociedade. A Lei da Reforma Psiquiátrica, 10.216 de 2001, foi um retrocesso na questão. Voltamos ao século XIX ou início do século XX, quando se internavam os indesejáveis à ordem política a pretexto de curá-los. Lima Barreto e o líder da Revolta da Chibata João Cândido estiveram em manicômio. O médico Juliano Moreira atestou que João Cândido era um líder rebelde e não deveria ser mantido em manicômio, possibilitando seu julgamento e absolvição dois anos após a Revolta da Chibata. De forma diferente, poderia ter ficado confinado por toda a vida.
E qual tem sido o papel do Judiciário, meritíssimo?
O Judiciário no Brasil tem corroborado com as políticas violadoras dos direitos humanos. Não há um período em nossa história em que tenha agido diferente. Na Colônia os juízes ordinários eram os presidentes das Câmaras das Vilas eleitos pelos proprietários, no Império eram oriundos da classe escravista, na Primeira República vinculados aos coronéis, durante a ditadura Vargas admoestados pelo arbítrio, no regime militar além de sujeitos a cassações, prisões e torturas participaram do projeto de “segurança e desenvolvimento” em prejuízo das liberdades. Após a Constituição de 1988 há garantias e possibilidade de funcionamento em prol da dignidade da pessoa humana, mas as condições históricas de formação do Poder Judiciário no Brasil ainda tornam os juízes vinculados ao poder político e interesses econômicos da classe dominante. Muitas decisões reproduzem trechos de discursos oficiais ou editoriais televisivos. Os juízes, em regra, se vinculam aos interesses ideológicos da classe dominante e fundamentam suas decisões em tais retóricas, apartados da ordem jurídica.
Do ponto de vista dos direitos humanos, a internação compulsória fere a liberdade do indivíduo de decidir sobre o próprio corpo, ainda que se ressalve que o mesmo não tenha condições psicológicas para decidir sobre si mesmo?
A lei 10.216, de 2001 [que regulamenta e institui a Reforma Psiquiátrica], autoriza a internação involuntária ou compulsória tão somente de pessoas acometidas de transtorno mental. Mas, se tem internado indiscriminadamente usuários de drogas, notadamente de crack, sob o argumento de que um em cada dois dependentes químicos apresenta algum transtorno mental, e que lhes é comum a depressão. Tem-se desconsiderado que não é a droga que leva à depressão. O processo é o contrário. Nenhuma sociedade se constituiu sem o uso de drogas em suas festividades e cerimônias. Na tradição cristã diz-se que o primeiro milagre de Cristo foi a transformação de água em droga, ou seja, em vinho. Mas as drogas sempre estiveram relacionadas às cerimônias, notadamente religiosas, às celebrações e às alegrias. Somente a nossa sociedade difundiu o uso da droga para a busca do prazer. O problema não está no uso que se faz da droga ou nas consequências posteriores. Nosso problema está num modelo econômico-político-social que produz a insatisfação, a exclusão e a infelicidade e propicia a busca do prazer por meio do consumo de drogas lícitas ou ilícitas. O usuário de crack, por sua maior vulnerabilidade e desprestígio social, está mais sujeito às violações aos seus direitos de pessoa humana. O mesmo comportamento não se tem com usuários de outras drogas, notadamente as lícitas.
Mas há inconstitucionalidade na medida?
A internação, seja involuntária ou compulsória, somente se pode realizar quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, e quando autorizada. O tratamento tem de visar, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. Além disso, o tratamento, em regime de internação, há de ser estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros. É o que diz a lei que a autoriza. A lei veda a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares como se tem feito. A internação involuntária deve ser comunicada ao Ministério Público Estadual no prazo de 72 horas, mas inexiste no MP órgãos encarregados de receber tal comunicação. A internação compulsória, de pessoas acometidas de transtorno psiquiátrico, há de ser determinada por juiz competente para a causa, que há de levar em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. Mas, juízes designados por administrações de tribunais vinculados aos governadores e prefeitos, sem que tenham competência ordinária para a matéria, as autorizam sem conhecerem os estabelecimentos para onde estão autorizando os confinamentos. Então, a internação de usuário de crack ou outras drogas, a pretexto de serem pessoas acometidas de transtorno mental, é uma flagrante ilegalidade que viola a ordem jurídica e constitucional.
O senhor acredita que esta medida signifique uma judicialização da saúde, especificamente em relação à saúde mental?
As medidas que se têm tomado não representam judicialização da saúde. A judicialização da política, das relações sociais ou da saúde é um processo pelo qual se busca por meio do Poder Judiciário a satisfação de um direito ou interesse não contemplado por quem deveria implementá-lo. Ainda que o Judiciário esteja autorizando a internação compulsória de usuários de crack, com fundamento em lei que autoriza tão somente a internação de pessoas acometidas de transtorno mental, não se está diante da busca do Judiciário para implementação de direitos, mas como salvaguarda para suas violações.  Não se trata de medida em prol da saúde. Mas de higienização em favor de interesses econômicos. Se o Judiciário continuar a atuar em conjunto com o Poder Executivo visando a violação dos direitos das pessoas, ao invés de garanti-los, isto poderá resultar em sério problema na sua relação com a sociedade.
No caso de São Paulo, a ação focará fundamentalmente a área da Cracolândia, localizada no centro de São Paulo, e alvo do mercado imobiliário. Esse tipo de internação então pode facilitar uma espécie de "higienização" do local? Como você avalia?
Em todo o Brasil tem sido assim. Em alguns estados isto é pior. Em São Paulo, a ação foca fundamentalmente a área da Cracolândia, localizada no centro de São Paulo e alvo do mercado imobiliário. No Rio de Janeiro, o primeiro momento foi de expulsão da população de rua da faixa litorânea da Zona Sul da cidade. Esta atuação do Estado na Zona Sul do Rio de Janeiro propiciou uma valorização imobiliária jamais vivenciada. Naquele instante igualmente foram instaladas as Unidades de Polícia Pacificadora, UPPs, visando ampliar as áreas edificáveis a fim de atender à indústria da construção civil e especuladores imobiliários.
Trabalhadores que dormem nas ruas, pela dificuldade de voltar para casa depois de jornada de trabalho, são admitidos no Rio de Janeiro no centro da cidade, mas não na Zona Sul. Usuários de crack não são admitidos sequer no centro da cidade, por isso foram para a periferia na Zona Norte. Hoje, sequer na Zona Norte estão podendo ficar. Nas mesmas situações, pessoas não têm sido objeto de qualquer ação estatal em áreas de pequeno valor econômico, como a Baixada Fluminense no entorno da Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro. A política que se tem implementado em desfavor destas pessoas é equivalente às que o nazifascismo promoveu com aqueles que consideravam não serem dignos de qualquer direito, nem o de viver.
O senhor acredita que pode haver relação entre esse tipo de medida com as ações direcionadas à promoção da Copa?
Sediar os jogos da Copa do Mundo e as Olimpíadas é o maior tiro no pé que poderíamos ter dado. Os recursos públicos que poderiam ser implementados em obras de infraestrutura, saúde e educação estão sendo canalizados para o lucro da cartolagem e das empreiteiras. Os orçamentos da União, dos estados e dos municípios estão sendo empregados em sua maior parte com estas despesas, sem retorno para os cidadãos. Os vínculos do Governo do Estado do Rio de Janeiro com empreiteiros, que em decorrência de suas condutas em Paris, possibilitou que sejam chamados de integrantes da “República do Guardanapo”, nos possibilita conhecer a que interesse servem. A mesma empresa que atua no Rio de Janeiro está a serviço de governos em outros estados. Também está atrelada a interesses escusos, como poderia ter comprovado a “CPI do Cachoeira”, caso tivesse apurado com seriedade o que se evidenciava. Os desmandos em desfavor da sociedade estão parcialmente cobertos pelos guardanapos que ostentavam na cabeça, mas por serem curtos deixam parte do que se faz à mostra.
E para finalizarmos meritíssimo, o Judiciário está prevendo a existência de algum tipo de ilegalidade nesse tipo de internação, como a elaboração de laudos médicos tendenciosos? Se sim, em que base pode julgar uma internação se não houver a certeza de lisura em todo o processo?
As razões para julgar hão de ser jurídicas. A racionalidade que se espera do Judiciário há de impor que decida fundado no alegado e provado. Juízes quando aderem às razões de Estado ou em colaboração com implementação de políticas públicas, acabam por endossar ilegalidades. O Judiciário não há de ser um colaborador do Executivo, mas um garantidor dos direitos de quem os detenha. Entretanto, Pinheirinho é um exemplo emblemático de como as administrações dos tribunais têm agido em parceria com interesses que não são da sociedade. A comunidade psiquiátrica está eufórica com o poder que seus profissionais reconquistaram, mas a possibilidade de abusos e tendenciosidades não está sendo percebida, nem mesmo por alguns destes profissionais. O momento é de entorpecimento pela ideologia e pelos interesses da classe dominante, em desfavor dos excluídos, notadamente dos usuários de crack, considerados párias.





terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Redução da Maioridade Penal

Publicado em: ANDI

Mitos e Verdades

Mito: ECA defende a impunidade
O ECA propõe um sistema de responsabilidade específico para pessoas dos 12 aos 17 anos, que em determinados aspectos é até mais rigoroso do que o sistema punitivo para adultos, conforme demonstram os exemplos abaixo:
•    Quando um adolescente é apreendido em flagrante por furto, é conduzido por policiais militares para delegacia especializada da infância e juventude e pode ficar internado provisoriamente por 45 dias até que se realize a audiência, enquanto um adulto poderia responder em liberdade à acusação da prática do furto.
•    Adolescentes não têm direito à redução de pena por bom comportamento, prescrição por ação do tempo ou quando o indivíduo já demonstrou capacidade de readaptação ao convívio social, como prevê o Código Penal para adultos.
•    Adolescentes não gozam do benefício de não ter um processo aberto quando as causas são consideradas irrelevantes, como acontece com os adultos.
Fonte: UNICEF

Mito: o aumento da pena desestimula o crime
A grande repercussão de alguns crimes e a crença geral de que penas maiores intimidam os criminosos provoca um anseio da sociedade pelo aumento e endurecimento das punições. Imagine que um agressor está na janela do seu carro: será que ele assaltaria se a pena para roubo fosse de seis anos de cadeia, mas deixaria de assaltar com uma pena de dez anos? Nesse momento, o fator determinante não é o tamanho da pena, pois a chance de ser preso é mínima. Diversos estudos apontam que é a certeza ou não de ser punido que estimula ou desestimula o crime – e não o tamanho ou grau da pena. Assim, a melhor saída está em aprimorar a qualidade da polícia e a agilidade da Justiça, de forma a aplicar as penas que já existem às pessoas que hoje cometem crimes e não são detidas.
Fonte: Instituto Sou da Paz

Mais mitos e verdades no: Boletim da ONG Recriando.

O que diz a Constituição
“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”
Artigo 228 da Constituição Federal

Imputabilidade versus Inimputabilidade
Para a doutrina penal moderna, imputabilidade seria a capacidade da pessoa em entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentado em sua maturidade psíquica. No Brasil, os adolescentes são inimputáveis no contexto do sistema de justiça comum, mas são imputáveis no âmbito de uma legislação e sistema de justiça especializados, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – o qual define critérios de imputabilidade e de prevenção especial com finalidade educativa.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Censo inédito aponta violações aos direitos humanos nos manicômios judiciários do país;

Postado em: UnBCiência

Um em cada quatro indivíduos em medida de segurança não deveria estar internado e 21% da população encarcerada cumpre pena além do tempo previsto. Estudo recenseou 3.989 indivíduos de 26 prisões do país.

Luciana Barreto
Da Secretaria de Comunicação;

Passar pelos pesados portões de ferro de um manicômio judiciário é quase sempre um caminho sem volta. Entre muros e omissões, milhares de vidas seguem invisíveis aos olhos do Estado e da sociedade. Abandonados e anônimos, duplamente marginalizados - seja pelo estigma do transtorno mental seja pela situação delinquência -, os loucos infratores no Brasil sequer configuravam um número. É o que revela o primeiro mapeamento dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico do país, que identificou 3.989 pessoas internadas nas 26 unidades do país.

Mais da metade são negros, pobres e com baixa escolaridade, homens e mulheres com epilepsia, esquizofrenia, retardo mental, transtornos afetivos, de personalidade, da preferência sexual ou devido ao uso de álcool e outras drogas, segundo a classificação psiquiátrica que fundamenta os atos infracionais. Passados noventa anos da criação dos hospitais-presídios no país, uma pesquisa inaugural traz o primeiro perfil nacional de uma população esquecida: A custódia e o tratamento psiquiátrico - Censo 2011 - estudo idealizado e coordenado pela professora Debora Diniz, do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), e financiado pelo Ministério da Justiça.

Os resultados do censo mostram tanto a vulnerabilidade dessa população quanto um cenário alarmante: um em cada quatro indivíduos não deveria estar internado; 47% estão encarcerados sem fundamentação legal e psiquiátrica; 21% cumprem pena além da estipulada em sentença; sem contar o contingente internado há mais de 30 anos, contrariando a pena máxima admitida pelo regime jurídico brasileiro – os pesquisadores encontraram 18 indivíduos nessa situação. “A invisibilidade do louco infrator não foi rompida com as conquistas da Reforma Psiquiátrica dos anos 2000”, afirma Débora Diniz, na introdução do livro em que apresenta o estudo. A obra é o primeiro e-book da Editora da UnB, em parceria com a Editora LetrasLivres.
aqui Acesse.
Paulo Castro/ UnB Ciência
VIOLAÇÕES - A população que não deveria estar internada soma pelo menos 741 indivíduos dos 3.989 identificados. São homens e mulheres que dispõem ou de laudo médico atestando que seu comportamento não representa mais perigo ou de sentença judicial determinando a saída da internação. Sem contar aqueles internados sem que haja processo judicial. “É um cenário conservador, pois não avaliamos a qualidade dos laudos médico-periciais ou os argumentos das sentenças judiciais. E se considerarmos os indivíduos internados com laudos psiquiátricos ou exames de cessação de periculosidade em atraso são 1.194 pessoas que não sabemos se deveriam estar internadas”, explica Debora.

O censo revela ainda que 41% dos exames de cessação de periculosidade estão em atraso. Segundo Debora Diniz, o atraso médio praticado para a emissão de laudos é de 10 meses, sendo que a legislação estabelece como limite 45 dias. “Não são asseguradas as determinações legais de permanência, tampouco os laudos psiquiátricos e as decisões judiciais”, afirma a professora. “Estamos diante de um grupo de indivíduos cuja precariedade da vida é acentuada pela loucura e pela pobreza, mas também diante de vidas precarizadas pela desatenção das políticas públicas às necessidades individuais e aos direitos fundamentais”, constata.

Outra conclusão alcançada com o mapeamento está associada a graves irregularidades no campo legal, já que a medida de segurança vem sendo aplicada por tempo indeterminado. Dos 3.989 internados identificados, 2.838 já haviam recebido sentença judicial acompanhada de laudo psiquiátrico atestando o transtorno mental (em medida de segurança), mas 1.033 aguardavam sentença (internação temporária), o que equivale a 26% do contingente populacional enclausurado em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Além deles, outros 117 esperavam conversão de pena em razão de alegado transtorno mental.

Ana Rita Grilon/UnB Ciência.
Para Debora Diniz, o resultado mais importante da pesquisa foi dissociar periculosidade da doença mental. “O diagnóstico psiquiátrico não é determinante para a infração penal cometida pelo louco. O que existe são pessoas em sofrimento mental que, em algum momento da vida, cometeram infrações penais", expõe. Pelo estudo, a periculosidade não é demonstrada pelos diagnósticos psiquiátricos nem pela trajetória criminal dos indivíduos. “Diante da realidade que se faz evidente, o Estado não pode admitir que uma entre quatro pessoas nos manicômios judiciários não deveria estar sob esse cruel regime de encarceramento. Ademais, para quase metade desse contingente a internação não se fundamenta por critérios legais e psiquiátricos”.

Para chegar aos resultados, a equipe de pesquisadores esteve nos 26 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico no país, analisaram os dossiês de cada internado e, a partir deles, preencheram questionários eletrônicos com perguntas padronizadas. O pré-teste foi realizado um ano antes na unidade de custódia judiciária mais antiga do país, no Rio de Janeiro. A elaboração do Censo envolveu quase 30 pesquisadores da UnB, incluindo graduandos, pós-graduandos e outros docentes de Sociologia, Antropologia, Ciências da Saúde, Direitos Humanos, Política Social, Serviço Social, Direito, Ciência Política e Estatística.

O estudo foi executado pela Anis, entidade de utilidade pública federal, contando como instituições parceiras, além da UnB, o Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o Ministério Público Federal, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e a Justiça Federal. A pesquisa está publicada em livro editado pela UnB. É o primeiro e-book (clique aqui) da Editora da UnB, em parceria com a Editora LetrasLivres.

Emília Silberstein/UnB Ciência
VULNERABILIDADE SOCIAL – É a primeira vez na história que esses esquecidos anônimos são mapeados nessas híbridas estruturas de confinamento penal e internação psiquiátrica. “Ao flagrarmos um cenário atravessado por desolação e abandono, atravessado por irregularidades, necessariamente abrimos uma agenda política sobre e crime e loucura, um enfrentamento inédito de como essa questão vem sendo conduzida no país, gerando excessos e omissões”, avalia Debora Diniz. “Os resultados exigem ação imediata do Estado”, defende.

Além de revelar a situação dos internados nos hospitais-presídios do país, o estudo atestou também que a população internada nas unidades é majoritariamente masculina, negra, de baixa escolaridade e com inserção periférica no mundo do trabalho. Em geral, são pessoas que cometeram alguma infração contra alguém da rede familiar ou doméstica. “Se a principal expressão é contra a família, como esperar dela apoio, suporte, acolhimento? Como a casa é entendida como um espaço de sofrimento, gerando a manifestação da loucura, resta ao Estado assumir a reinserção social e restaurar os laços comunitários dessas pessoas”. “É uma população altamente vulnerável, sem dúvida pessoas completamente desfiliadas da vida social”, afirma Debora.

De acordo com Wederson Santos, supervisor do estudo e doutorando em Sociologia, o censo revelou marcadores de grande vulnerabilidade social e o perfil da população internada em medida de segurança ilustra a desigualdade do país. “Esse retrato, agora explícito, certamente irá exigir do Estado políticas de assistência social, ações inclusivas, pois esses indivíduos precisam ser novamente empoderados para tocar suas vidas”, afirma, concordando com Debora Diniz quando ressalta que “o retorno para a família não é simples”.

Segundo Wederson, é fundamental uma imediata interface entre as políticas de saúde mental e de assistência social: “a responsabilidade é do Estado, já que restaurar a autonomia e os laços comunitários não é algo simples tampouco automático”. Essa investigação está sendo desdobrada em seu doutoramento, no qual empreende um estudo de caso no Distrito Federal.

Júlia Albuquerque, mestranda em Política Social e também orientanda de Débora Diniz, participou ativamente da coleta de dados da pesquisa, visitando 23 das 26 entidades.  Credenciada por seu amplo e pormenorizado trabalho in loco, a pesquisadora se diz impressionada com a precariedade material dos hospitais-presídios, da dificuldade flagrada na realização dos laudos e do número insuficiente de profissionais trabalhando nas unidades. “Percebemos que essas pessoas estão mais sob a visão penal e o caráter de custódia do que sob o olhar da saúde e dos direitos humanos”, afirma.

Para a estudante de Direito da UnB, Sinara Gumieri, integrante da equipe e pesquisadora de iniciação científica orientada por Débora, que atuou na precisão e padronização dos termos e terminologias empregadas no censo, “esse trabalho foi fundamental para compreender não apenas os marcos legais que orientam a problemática, mas os marcos políticos que definem uma realidade tão dramática”. “Sem dúvida, esses resultados abrem uma agenda política importantíssima. Esperamos que o censo dê a devida visibilidade a pessoas que até então sequer tinham sido quantificadas”.

Conforme avalia Cássia Valéria de Castro, diretora-executiva da Anis e mestranda em Ciências da Saúde, também orientada por Debora Diniz, este foi um projeto estratégico para a promoção dos direitos humanos de populações vulneráveis. “E esta é uma das mais vulneráveis que existem hoje no Brasil. Portanto, olhar para essas pessoas é cuidar delas. O que queremos é que as políticas públicas para essa população sejam incrementadas e, consequentemente, que a justiça e a saúde passem a cuidar mais dessas pessoas”. Seu envolvimento com a pesquisa a impeliu inclusive a retomar os estudos acadêmicos: “tornei-me aluna da pós-graduação em Ciências da Saúde na UnB para pensar saúde mental em mulheres loucas. Minha avaliação sobre esse estudo é a melhor possível. Este foi um trabalho inédito, com metodologia confiável de coleta de dados, cujos resultados serão a base para diversas políticas públicas no futuro. Demos o primeiro passo”, acrescenta.

Segundo avalia a coordenadora da pesquisa, "esse amplo, multidisciplinar e inédito mapeamento resulta de uma incisiva e corajosa iniciativa de enfrentamento político e humanitário, a qual rompe com uma histórica inércia institucional e impõe uma agenda fundamental para tratar dessa situação de apartação social e abandono".

Para Debora Diniz, esse censo configura um marco político inaugural, lançando um facho de luz sobre uma população invisível, cotidianamente silenciada e entorpecida pela tradicional coerção medicamentosa, e ainda esquecida, abandonada por um descaso histórico, além de recorrentes desmandos de ordem legal e penal. Como conclusão da pesquisa, Debora Diniz atesta que tanto a reforma psiquiátrica do país não contemplou os hospitais de custódia como a loucura prossegue sob encarceramento para a chamada proteção social. “Passar por aquela porta é um grande risco”, alerta.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Atitudes face à crise atual!


Publicado em: www.brasildefato.com.br
Texto de Leonardo Boff!
Ninguém face à crise pode ficar indiferente. Urge uma decisão e encontrar uma saída libertadora. Aqui encontram-se várias atitudes para vermos qual delas é a mais adequada a fim de evitarmos enganos.
A primeira é a dos catastrofistas: a fuga para o fundo. Estes enfatizam o lado de caos que toda crise encerra. Veem a crise como catástrofe, decomposição e fim da ordem vigente. Para eles a crise é algo anormal que devemos evitar a todo custo. Só aceitam certos ajustes e mudanças dentro da mesma estrutura. Mas o fazem com tantos senões que desfibram qualquer irrupção inovadora.
Contra estes catastrofistas já dizia o bom Papa João XXIII referindo-se à Igreja; mas, que vale para qualquer campo: "A vida concreta não é uma coleção de antiguidades. Não se trata de visitar um museu ou uma academia do passado. Vive-se para progredir, embora tirando proveito das experiências do passado, mas para ir sempre mais longe”.
A crise generalizada não precisa ser uma queda para o abismo. Vale o que escreveu um suíço que muito ama o Brasil, o filósofo e pedagogo Pierre Furter: "Caracterizar a crise como sinal de um colapso universal, é uma maneira sutil e pérfida dos poderosos e dos privilegiados de impedirem, a priori, as mudanças, desvalorizando-as de antemão”.
A segunda atitude é a dos conservadores: a fuga para trás. Estes se orientam pelo passado, olhando pelo retrovisor. Ao invés de explorar as forças positivas contidas crise atual, fogem para o passado e buscam nas velhas fórmulas soluções para os problemas novos. Por isso são arcaizantes e ineficazes.
Grande parte das instituições políticas e dos organismos econômicos mundiais como o FMI, o Banco Mundial, a OMC, os G-20; mas, também, a maioria das Igrejas e das religiões procura dar solução aos graves problemas mundiais com as mesmas concepções. Favorecem a inércia e freiam soluções inovadores.
Deixando as coisas como estão, fatalmente nos levarão ao fracasso, senão a uma crise ecológica e humanitária inimaginável. Como as fórmulas passadas esgotaram sua força de convencimento e de inovação, acabam transformando a crise numa tragédia.
A terceira atitude é a dos utopistas: fuga para frente. Estes pensam resolver a situação-de-crise fugindo para o futuro Eles se situam dentro do mesmo horizonte que os conservadores apenas numa direção contrária. Por isso, podem facilmente fazer acordos entre si.
Geralmente são voluntaristas e se esquecem que na história só se fazem as revoluções que se fazem. O último slogan não é um pensamento novo. Os críticos mais audazes podem ser também os mais estéreis. Não raro, a audácia contestatória não passa de evasão do confronto duro com a realidade.
Circulam atualmente utopias futuristas de todo tipo, muitas de caráter esotérico como as que falam de alinhamento de energias cósmicas que estão afetando nossas mentes. Outros projetam utopias fundadas no sonho de que a biotecnologia e a nanotecnologia poderão resolver todos os problemas e tornar imortal a vida humana.
Uma quarta atitude é a dos escapistas: fogem para dentro. Estes dão-se conta do obscurecimento do horizonte e do conjunto das convicções fundamentais. Mas fazem ouvidos moucos ao alarme ecológico e aos gritos dos oprimidos. Evitam o confronto, preferem não saber, não ouvir, não ler e não se questionar. As pessoas já não querem conviver. Preferem a solidão do indivíduo mas geralmente plugado na internet e nas redes sociais.
Por fim há uma quinta atitude: a dos responsáveis: enfrentam o aqui e agora. São aqueles que elaboram uma resposta; por isso os chamo de responsáveis. Não temem, nem fogem, nem se omitem, mas assumem o risco de abrir caminhos. Buscam fortalecer as forças positivas contidas na crise e formulam respostas aos problemas. Não rejeitam o passado por ser passado. Aprendem dele com um repositório das grandes experiências que não devem ser desperdiçadas sem se eximir de fazer as suas próprias experiências.
Os responsáveis se definem por um a favor e não simplesmente por um contra. Também não se perdem em polêmicas estéreis. Mas trabalham e se engajam profundamente na realização de um modelo que corresponda às necessidades do tempo, aberto à crítica e à autocrítica, dispostos sempre a aprender.
O que mais se exige hoje são políticos, líderes, grupos, pessoas que se sintam responsáveis e forcem a passagem do velho ao novo tempo.
Leonardo Boff é teólogo e filósofo e autor do DVD: Crise: chance de crescimento (CDDH Petrópolis 2012).


domingo, 13 de janeiro de 2013

Texto de Dr.Paulo César Trevisol Bittencourt!


O Grupo Transversalizando indica para a leitura do texto de Paulo César Trevisol Bittencourt, intitulado: "Uso Abusivo de Medicamentos". 

Paulo César Trevisol Bittencourt possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina (1980); título de especialista em Neurologia pela Universidade Federal do Paraná (1982); título de especialista em Epileptologia pela Universidade de Londres (Chalfont Centre for Epilepsy - 1989) e mestrado em Medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina (1993). Atualmente é professor adjunto da disciplina de Neurologia, departamento de Clínica Médica da mesma Universidade. Tem grande experiência na prática médica, com ênfase em Neurologia e Epileptologia. É estudioso compulsivo dos seguintes temas: Epilepsia, Parkinson, Demência, Síndrome Esquizofrênica e Degenerações Espino-cerebelares. Além disso, desde a infância é uma pessoa de índole iconoclasta, combatendo com vigor os dogmas que desvirtuam a cidadania e a Medicina dos seus objetivos. É crítico contumaz da Indústria Farmacêutica e de seus "maravilhosos" medicamentos, cujo uso desastrado é um dos principais problemas da prática médica atual. Paralelo a esta influência nefasta, observa a perversão do uso da tecnologia em detrimento do exame/observação clínica. Esta associação mórbida é responsável pelo uso abusivo de medicamentos com eficácia questionável e toxicidade não desprezível, e, igualmente, por exames complementares desnecessários e dispendiosos, resultando em iatrogenias grotescas e desgraçadamente freqüentes. Em outras palavras, uma Medicina fraudulenta que ofende e desonra aqueles que nela acreditam. Palestra, concede entrevistas e escreve com regularidade sobre tais temas em periódicos científicos ou leigos.


Conheça mais sobre o trabalho do autor acessando o seu Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=E84699


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A Favela virou a alma do negócio

Postado por: www.brasildefato.com.br

Unidades de Polícia Pacificadora garantem livre acesso do capital nas comunidades empobrecidas do Rio de Janeiro.

A atual política de intervenção militar nas favelas cariocas, implementada por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criou um novo cenário nas comunidades empobrecidas da cidade. A imposição do Estado policial e a entrada do capital comercial nesses espaços geram novas tensões para a favela, sendo que uma das principais é a especulação imobiliária. Os preços dos alugueis e o custo dos serviços e das mercadorias provocam a saída de muitos moradores antigos. É o que chamamos de “remoção branca”. Esse aumento geral do custo de morar na favela levam a uma expulsão dos moradores sem precisar de tratores ou de dar um tiro.
A intervenção militar é legitimada pelo discurso de guerra civil, poder paralelo e regiões sitiadas por traficantes e/ou milicianos. Esta propaganda, repetida ao longo dos últimos anos pelos Governos e pela mídia, se espalhou por toda a cidade e virou quase um consenso. No Rio de Janeiro, mais de 20% dos habitantes vivem em favelas. São cerca de 1,3 milhão pessoas em 763 comunidades, que movimentam R$ 13 bilhões por ano. Este valor supera o Produto Interno Bruto (PIB) de diversas capitais brasileiras como Florianópolis, Natal e Cuiabá.
“Com a instalação das UPPs nas favelas o capital pode se instalar nessas regiões com algum nível de segurança jurídica e patrimonial, que antes ele não gozava”. Esta é a opinião do professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rodrigo Castelo. 
O mercado sobe o morro
E isso vem acontecendo massivamente desde a instalação das primeiras UPPs. O mercado está de olho no potencial de compra dos moradores destas localidades. “O poder econômico da favela é muito forte”, avalia Romualdo Ayres, diretor de Sustentabilidade na Associação Brasileira de Franchising. Todas as franquias brasileiras juntas faturarão, em 2012, quase R$ 14 bi. Enquanto isso, o PIB das favelas é de R$ 13 bi. “A disponibilidade de renda desse povo todo é quase a disponibilidade de renda de todas as franquias do Brasil. Tem toda uma alimentação econômica deixada pelo tráfico que precisa ser substituída”, afirma Ayres.
Histórias de empreendimentos bem sucedidos, mesmo antes da implementação das UPPs, animam ainda mais os investidores. É o caso do curso de idiomas Yes, na favela da Rocinha. A unidade instalada no morro tinha 750 alunos matriculados, bem acima da média das 550 matrículas registradas nas demais unidades da cidade. Esse tipo de investimento é muito seguro e tem um baixíssimo índice de inadimplência.
A entrada massiva das empresas nas favelas evidencia um interesse do capital por trás do discurso de segurança pública. “Esse processo que acontece nas comunidades populares aqui do Rio de Janeiro integra claramente os interesses do capital apoiado pelos interesses do Estado”, afirma Rodrigo Castelo. Ele lembra que até pouco tempo, as favelas eram tidas como um repositório de mão de obra barata para regiões centrais do Rio e, ao mesmo tempo, como "antros da criminalidade".
O novo olhar do capital para as favelas
A mudança de posicionamento do mercado, apoiado pelo Estado, se dá a partir do momento em que as favelas passam a ser vistas como espaços muito lucrativos. “Daí vem a instalação das grandes cadeias de cinema, alimentação, de bancos e de financeiras”, diz Castelo. Segundo o professor, a entrada destas empresas pode gerar o aumento do emprego e renda nestas comunidades, entretanto pode, também, trazer o empobrecimento. “Vai gerar emprego e renda nas favelas. Não há como negar essa realidade, mas estes empregos e esta renda vão ser suficientes para cobrir o aumento das despesas que as pessoas que moram lá vão passar a ter?”, questiona.
O professor avalia que em um primeiro momento este movimento vai gerar riqueza, que poderá ser seguido do empobrecimento de muitos moradores. “Vai ocorrer, de fato, algo que já está acontecendo em algumas localidades: as pessoas não terão capacidade financeira de se manterem naquele espaço”, avalia.
Em novembro, a Prefeitura do Rio anunciou que vai encaminhar à Câmara um projeto de reforma do IPTU. Atualmente, moradores de áreas consideradas de risco são isentos da taxa. Apenas 40% dos imóveis residenciais cadastrados pagam o imposto. Com a mudança, esse percentual vai para 97%. E vai ter dinheiro para tudo isso? 
Especulação imobiliária invade as favelas
De acordo com o Sindicato da Habitação do Rio (Secovi/RJ), o Rio de Janeiro ganhou, recentemente, pelo menos mais um componente inflacionário: a criação das UPPs instaladas pela Secretaria de Segurança Pública do Estado. De 2008 para cá, a Secretaria de Segurança Pública implantou 31 UPPs. Deste então, em algumas favelas e morros os preços dos imóveis foram valorizados em 100% ou mais.
Além do custo dos imóveis, a regularização dos serviços de luz e água, sem programas específicos para pessoas de baixa renda, eleva o custo da vida na favela. Ao morador que não puder pagar por estes serviços, restará a opção de vender o imóvel e se mudar para uma área da cidade distante e sem serviços púbicos adequados. É esta a chamada remoção branca. Sem usar a palavra remoção, o Estado estaria fomentado a saída dos antigos moradores de áreas hoje valorizadas. E então, a classe média vai ocupar aqueles morros com vista divina sobre a “cidade maravilhosa”.
As UPPs têm duas pernas: a militarização e a mercantilização nas favelas. Atualmente, o teleférico do Morro do Alemão recebe mais turistas do que o bondinho do Pão de Açúcar. Chegando a registrar em novembro de 2012 mais que o dobro das visitas recebidas pelo Pão de Açúcar, tradicional cartão postal do Brasil.
 Imprensa comercial e governos juntos
Na implantação deste projeto, o governo do estado conta com uma valorosa aliada, a imprensa, que vem desempenhando uma importante função na reorganização espacial da favela. Segundo Castelo, se produz, hoje, no Brasil uma ideologia para justificar esse tipo de intervenção. Assim, “fica mais fácil o processo de aceitação, inclusive pelas populações que sofrerão os processos mais deletérios”. Romualdo Ayres completa: “há meses quando eu tive a informação de que a novela da Rede Globo iria retratar a realidade do complexo do Alemão, eu pensei: 'aquilo lá vai bombar'”.
A discussão a ser feita pelo povo interessado é qual deve ser um projeto que sirva aos interesses do povo, dos trabalhadores da cidade e não das grandes empreiteiras e grupos de especuladores imobiliários. “Para isso os movimentos sociais precisam participar das discussões e se organizar para pressionar para que seus interesses sejam atendidos”, afirma Castelo.
Katarine Flor e Gláucia Marinho,
do Rio de Janeiro (RJ).

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Direitos de Crianças e Adolescentes também são Direitos Humanos

Acompanhe a matéria, onde a professora Flávia Cristina Silveira Lemos, coordenadora do grupo Transversalizando, fala sobre os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. 

Postado por: www.portal.ufpa.br

O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), aprovado no Brasil em 1990 é considerado uma lei que inaugura, no país, uma nova era de promoção, defesa e garantia de direitos de crianças e adolescentes, na medida em que este segmento do povo é reconhecido como sujeito e não mais podem ser chamados pejorativamente de menores. A Universidade Federal do Pará (UFPA), assim como suas faculdades, consideram os Direitos de Crianças e Adolescentes e os Conselhos Tutelares um assunto de grande relevância, na política. Confira a segunda reportagem da série sobre Direitos Humanos.

Os direitos das crianças e dos adolescentes, no ECA, foram referendados pelos princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos da Criança, 1959 e da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989. No ECA, crianças e adolescentes têm direitos à prioridade absoluta no atendimentos e no financiamento das políticas públicas; devendo receber proteção integral. A partir deste momento, a descentralização e participação social se tornam elementos centrais da concretização do exercício da proteção de crianças e adolescentes, sendo que são criados os Conselhos Municipais, Estaduais e o CONANDA, em termos da esfera federal, devendo fiscalizar, deliberar e também serem espaços consultivos e constitutivos das políticas de atendimento de crianças e adolescentes.

Os Conselhos Tutelares passam a funcionar e serem implantados após o ECA porque estão previstos nesta lei e se tornaram importantes instituições não jurisdicionais, administrativos, municipais com a função de receber notificações de violação e de ameaça de violação de direitos de crianças e adolescentes, de encaminhá-las e de requisitar serviços, representar no Ministério Público e fiscalizar a execução das políticas públicas. O Conselho Tutelar se tornou um espaço relevante por ser ágil e por não gerar processos necessariamente, mas sim receber as denúncias de maneira mais dinâmica em um fluxo de encaminhamento e efetividade de defesa e garantia de direitos..


Com base nisso, vários trabalhos e projetos foram criados para tratar desse tema na UFPA, como é o caso do projeto do Grupo Transversalizando, coordenado pela professora Flávia Lemos, da Faculdade de Psicologia, que parte de análises de Foucault, Deleuze, Guattari e Castel para realizar estudos das práticas exercidas em estabelecimentos de concretização de políticas públicas brasileiras, de acordo com os Direitos Humanos voltados para as crianças e os adolescentes, entre eles, os Conselhos Tutelares, além de também estudar as práticas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e os efeitos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente no plano da produção de subjetividades e das práticas institucionais de cuidados e proteção.

Violações - Há inúmeras formas graves de violação dos direitos das crianças e adolescentes. De acordo com a professora Flávia Lemos, estas violações e as modalidades variadas de violência praticadas por diferentes atores e instituições é uma situação muito grave e complexa de lidar, na realidade brasileira, mesmo após a aprovação do ECA. Depois de 22 anos de promulgação, há que se fazer valer os princípios trazidos por esta lei e efetivá-los em todo o território brasileiro, para todas as crianças e adolescentes, indistintamente, algo ainda distante de nosso contexto e que é motivo de intensa luta de movimentos sociais variados, na atualidade do país e mesmo no plano internacional pelas instituições que realizam o monitoramento de direitos no Brasil.

“Além de garantir em lei os direitos, precisamos lutar e estudar para que os direitos se concretizem na política pública cotidianamente, o que passa por uma política de formação em direitos humanos e de formação continuada em direitos”, ressalta a professora Flávia.

Conselhos Tutelares: proteção - A professora Flávia Lemos, também autora da dissertação Práticas de Conselheiros Tutelares Frente à Violação Doméstica: Proteção e Controle, conta que para os Conselhos Tutelares efetuarem as suas atribuições de maneira efetiva é necessário que haja condições de trabalho adequadas, assim como o controle social das políticas públicas pela sociedade civil e, por fim, a formação de uma rede de atendimento de suporte aos encaminhamentos realizados pelos conselheiros. Para tanto, a definição do orçamento prioritário é algo fundamental e central para que esta política seja implementada e possa cumprir seus objetivos e prerrogativas com rigor e cuidado ético. “O Conselho Tutelar trabalhando sozinho fica fragilizado, mas junto com alguma rede em níveis municipais, estaduais e federal poderá encaminhar melhor as suas funções, de acordo com o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente”, afirma a professora Flávia Lemos.

Psicologia Social, Institucional e Comunitária na Defesa de Direitos - Os direitos humanos estão presentes no Código de Ética da Profissão de Psicólogos, na Constituição de 1988, nas Declarações Internacionais, nas Diretrizes Curriculares para a Formação em Psicologia, no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos o que implica que a profissão, para ter uma atuação ética, deve observar os Direitos Humanos para que possa proteger os direitos por meio de práticas críticas, históricas e que considerem os contextos, especificidades e condição de vida de crianças e adolescentes, no Brasil, sobretudo, com vistas a garantir a produção de saúde coletiva e mental, no que tange a Psicologia e suas possibilidades de colaboração com as políticas públicas.

domingo, 6 de janeiro de 2013

A juventude e a luta por direitos!


Em que pesem os esforços de muitos, há um longo caminho a percorrer para a efetivação dos “direitos da juventude”. Na sociedade e nos governos, ainda são vigentes muitos (pré)conceitos e projeções sobre “a juventude” que dificultam o (re)conhecimento das atuais vulnerabilidades e potencialidades dos jovens.

por Regina Novaes

Os diferentes momentos de sua história, a sociedade brasileira sempre contou com a presença de jovens mobilizados por diferentes sonhos e causas. Porém, enquanto um particular “sujeito de direitos” – que demanda “políticas públicas” específicas –, a juventude só emergiu no final dos anos 1980, momento em que a “exclusão de jovens” se tornou parte constitutiva da questão social nacional e internacional.
Não por acaso, 1985 foi decretado o Ano da Juventude pelas Nações Unidas. Vivia-se, na época, o ápice da nova divisão internacional do trabalho, com o aprofundamento dos processos de globalização dos mercados, de desterritorialização dos processos produtivos e de flexibilização das relações de trabalho. No Brasil, assim como em vários países da América Latina, tais processos também foram acompanhados pelo esgotamento do modelo de modernização conservadora dos anos 1980 e pela crise da dívida externa. Assim, em tempos de Consenso de Washington, projetos de ajustes e “enxugamento do Estado” priorizaram o equilíbrio fiscal e o corte de gastos, interrompendo várias iniciativas de políticas sociais distributivistas e comprometendo as democracias que sucederam os regimes autoritários nos países da região. Tais mudanças econômicas, tecnológicas e culturais afetaram particularmente a juventude.
As primeiras demandas em torno dos “problemas dos jovens” foram levadas a público por organismos internacionais, gestores e políticos nacionais, ONGs, organizações empresariais, setores de Igrejas e também sustentadas por um conjunto de grupos, redes e movimentos juvenis. A favor da “juventude”, em um movimento de mão dupla, envolveram-se instâncias do poder público e diferentes setores e atores da sociedade civil. Contudo, nesse primeiro momento, ainda não se falava muito em “direitos”. A ênfase estava, principalmente, na necessidade de contenção e prevenção.
Para conter o desemprego e prevenir a violência, tratava-se de “ressocializar”, “promover o retorno aos bancos escolares”, “capacitar para o trabalho”, “inserir em dinâmicas de integração social”, “fomentar o protagonismo e o voluntariado juvenil”. Nesse cenário, nos anos 1990, surgiram os “projetos sociais” voltados para jovens “em situação de risco”, moradores de periferias urbanas consideradas pobres e violentas.
Nessa época também surgiram os primeiros espaços governamentais de juventude em vários países da América Latina. Na ocasião, no Brasil registraram-se algumas iniciativas de criação de secretarias e coordenadorias municipais e poucas estaduais, mas não se criou um espaço governamental nacional de juventude. Mesmo assim, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, programas voltados para adolescentes e jovens foram introduzidos em vários ministérios, com destaque para o Ministério do Trabalho, assim como as organizações da sociedade civil foram incentivadas a lidar com jovens, de até 18 anos, por meio de ações coordenadas pelo Programa Comunidade Solidária.
Posteriormente, em 2005, no primeiro governo Lula, no âmbito da Secretaria Geral da Presidência da República, foram criados a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de Juventude, com o objetivo de elaborar, validar, articular e avaliar programas e ações voltados para jovens de 15 a 29 anos. Na mesma ocasião foi criado o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), que contempla pessoas de 18 a 29 anos que não terminaram o ensino fundamental. Em seguida foram realizadas a I (2008) e a II (2011) Conferências Nacionais de Políticas Públicas de Juventude, envolvendo jovens de diferentes identidades e espaços de participação, vindos dos quatro cantos do país.
Nesse novo contexto, a linguagem dos “direitos” passou a organizar e ressignificar um conjunto das demandas (de distribuição, de reconhecimento e de participação) da juventude. O resultado desse progressivo “enquadramento semântico” pode ser observado no texto-base da II Conferência de Políticas Públicas de Juventude, realizada em Brasília em dezembro de 2011. “Conquistar direitos e desenvolver o Brasil” foi o tema desse evento. E os direitos da juventude foram organizados em cinco eixos: 1) direito ao desenvolvimento integral (trabalho, educação, cultura e comunicação); 2) direito ao território (povos tradicionais, jovens rurais, direito à cidade, ao transporte, ao meio ambiente); 3) direito à experimentação e qualidade de vida (saúde, esporte, lazer e tempo livre); 4) direito à diversidade e vida segura (segurança, diversidade e direitos humanos); e 5) direito à participação.
Como se pode observar pelos eixos acima transcritos, os chamados “direitos da juventude” podem ser localizados em uma dinâmica área de confluência entre os clássicos “direitos de cidadania” e os direitos humanos, que foram sendo paulatinamente reconhecidos em convenções internacionais. Dessa maneira, os temas remetem a conquistas históricas (pois cada geração de direitos propiciou a emergência da outra) que marcam o mundo globalizado. Mas isso ainda não é tudo. A maneira peculiar de classificar e anunciar os “direitos da juventude” também reflete a atual condição juvenil, na qual estão em profunda mutação os padrões de passagem da juventude para a vida adulta. Sem a menor pretensão de esgotar o assunto, farei a seguir três comentários sobre experiências, demandas e características de espaços de mobilização da atual geração pelos quais circula a noção de “jovens como sujeitos de direitos”.
1. Direitos à educação e ao trabalho: velhas demandas e novos conteúdos
Em 2011, foram muitos os exemplos de mobilizações juvenis que chegaram ao noticiário internacional. No Chile, os jovens, conhecidos como pinguins, que há alguns anos saíram às ruas para reivindicar acesso aos meios de transporte, voltaram às ruas para protestar contra a mercantilização da educação universitária. Imagens de “ações violentas” dos jovens ingleses provenientes de bairros de desempregados correram o mundo. Na Espanha e em Portugal, os jovens “indignados” também reagiram ao desemprego, ocupando praças, levando consignas por reformas radicais na educação e no mundo do trabalho. No Brasil, embora com pouco registro da imprensa, em várias capitais os jovens marcaram presença no espaço público, indagando por seu lugar nos rumos do “desenvolvimento”.
Entre eles, em comum um medo de sobrar, de não encontrar um lugar no mundo presente e futuro. Os certificados escolares não são mais garantia de inserção produtiva e a palavra “trabalho” sempre evoca incertezas. Mesmo em países com reconhecida cobertura educacional, os certificados escolares são como passaportes: necessários, mas por si só não garantem a viagem para o mundo do trabalho.Além disso, e cada vez mais, a aparência e o endereço funcionam como filtros seletivos no competitivo e mutante mercado de trabalho.
Por isso mesmo, nos espaços de mobilização juvenil no Brasil atualizam-se as demandas por direitos: “direito à educação de qualidade” e “direito ao trabalho decente”. Para garantir a qualidade da educação é preciso desengessar o sistema escolar, o que significa rever a capacitação e remuneração dos professores; adequar currículos; flexibilizar tempos escolares, permitindo novas combinações entre trabalho e estudo; introduzir novas tecnologias de informação e comunicação como recurso para a aprendizagem. Para garantir trabalho decente para a juventude, é preciso considerar a diversidade e buscar a conciliação entre estudos, trabalho e vida familiar, o que significa ampliar as oportunidades de emprego assalariado e melhoria de sua qualidade; promover condições de saúde e segurança no local de trabalho; ampliar o acesso a terra, trabalho e renda no campo; melhorar a qualidade dos empregos, com ampliação das oportunidades no campo dos “empregos verdes”; ampliar oportunidades de trabalho por meio da economia popular e solidária, do associativismo rural e do empreendedorismo.
2. Direito ao território: juventudes locais, pertencimentos e circulação
Desde os anos 1990, em áreas pobres e violentas começaram a proliferar grupos culturais em torno de estilos musicais (tais como rock, punk, heavy metal, reggae, hip-hop, funk), artes cênicas, grafite, danças (street dance, break) e grupos esportivos (entre eles, futebol, basquete de rua e skate) a partir dos quais são levadas demandas juvenis ao espaço público.
Para compreender a importância desses grupos, é preciso lembrar a inédita conjugação histórica entre a proliferação de armas de fogo (submetida aos interesses da indústria bélica), a corrupção e a violência das polícias despreparadas para lidar com a juventude (que exigem dinheiro dos mais ricos e sujeitam os mais pobres a vários tipos de humilhações) e a existência de territórios pobres dominados pelo comércio de drogas ilícitas (que nada mais são do que a parte mais visível de uma rede bem mais ampla e complexa que cobre o mundo e gera lucros). Nesses espaços, os chamados grupos culturais funcionam como antídotos à “discriminação por endereço”, pois ampliam espaços de experimentação e de criação estética, (re)criam laços de pertencimento e afirmam identidades territoriais.
Suas invenções, (re)conhecidas no conjunto como “cultura de periferia”, têm tido grande importância no processo de conscientização e mobilização por direitos de jovens dessa geração. Por exemplo, em entrevistas, jovens de vários movimentos sempre acabam lembrando letras de rap que foram importantes para seu próprio engajamento. Recentemente ouvi um jovem baiano relembrar o rap da “Revolta do Buzu”, movimento de jovens secundaristas contra o aumento da passagem de ônibus em Salvador.
Por outro lado, é interessante notar como a ideia de “direito ao território” pode acolher diferentes grupos e demandas da juventude e ainda conter dentro de si outros conjuntos de direitos. No documento da II Conferência, nesse item se incluíram jovens dos chamados povos tradicionais e jovens rurais, assim como o direito à cidade, ao transporte, ao meio ambiente. Talvez para um especialista na área de direitos essa classificação deixe a desejar. No entanto, do ponto de vista das mobilizações juvenis, é interessante notar um rico movimento de circulação e (re)apropriação de ideias por meio do qual se cria a possibilidade de comunicação e articulação política entre diferentes segmentos da juventude brasileira espalhados por diferentes territórios vulnerabilizados.
Não por acaso os formuladores de políticas públicas de juventude se reconhecem desafiados a encontrar mecanismos de integração territorial dos programas e ações voltadas para a juventude que levem em conta a sustentabilidade socioambiental, a dimensão cultural, os elos de pertencimento e as diferentes dimensões da subjetividade das “juventudes locais”.
3. Direito à diversidade: identidades múltiplas e o lugar da solidariedade
Às questões de gênero, raça e etnia (herdadas dos anos 1970 e 1980), mais recentemente se somaram demandas voltadas às distintas orientações sexuais e aos “jovens com deficiência”, configurando-se, assim, um dinâmico mapa da diversidade da juventude brasileira.
Ao mesmo tempo, o tema da diversidade nos leva à controversa questão da “identidade”. Pesquisas recentes têm demonstrado que, em suas atuações no espaço público, os jovens somam “causas”, sobrepondo diferentes identidades. Múltiplas causas e experiências de discriminação podem se somar na vida de um mesmo jovem (ser jovem, ser negro, ser favelado, ser homossexual, ser mulher, ser lésbica e “ser cristã”...). A predominância de uma identidade sobre outra ou a combinação de identidades e causas não acontecem em abstrato, mas em processos sociais e trajetórias individuais concretas sendo acionadas de acordo com os conflitos em jogo. Daí a necessidade de evitar esquemas empobrecedores que acabam por substantivar identidades como se fossem únicas, fixas, excludentes.
Recentemente, no dia 26 de maio de 2012, vários jornais anunciaram a segunda edição da Marcha das Vadias em várias cidades do Brasil. Para quem não sabe, o movimento mundial intitulado SlutWalk começou em 2011, após um oficial da polícia de Toronto, no Canadá, dizer que, para evitar estupros, as mulheres deviam deixar de “se vestir como vadias”. O movimento mobilizou segmentos juvenis e se espraiou via internet. Nos protestos contra o machismo, as mulheres usam roupas provocantes e criam performances engraçadas e irreverentes.
Durante a Marcha das Vadias em Copacabana, no Rio de Janeiro, pude observar, na prática, como se articulam as diferenças no interior de um mesmo movimento quase totalmente constituído por jovens. No momento em que um grupo gritava slogansa favor do aborto na frente de uma igreja católica, algumas jovens, que carregavam cartazes dizendo “sou cristã e sou lésbica, pela diversidade sexual” e se apresentavam como da “Comunidade Betel” do Rio de Janeiro (www.betelrj.com), pararam. Não sei se elas ficaram afastadas porque estavam cansadas ou não quiseram se aproximar da igreja por serem evangélicas ou por não estarem de acordo com a demanda de descriminalização do aborto. Não me senti à vontade para perguntar. Quando a marcha seguiu até a delegacia de polícia, como estava na programação distribuída, elas se reincorporaram ao protesto.
Esse exemplo oferece a oportunidade de refletir sobre uma das características dos movimentos juvenis contemporâneos. Cada vez mais convocados pela internet e demais tecnologias móveis, os participantes de uma manifestação pública não compartilham necessariamente todos os pontos de vista, sejam eles morais, ideológicos ou políticos. Um mínimo denominador comum – no caso, o combate ao machismo − produz uma circunstancial “unidade na diversidade” que justifica a Marcha das Vadias como ação coletiva. Dessa maneira, as adesões parciais e pontuais fazem parte constitutiva da configuração do espaço público atual (do qual também faz parte a parcela de jovens engajados em partidos políticos, movimento estudantil e organizações profissionais, entre outras). Assim, para além de evocarem os valores da liberdade (direitos civis e políticos) e da igualdade (direitos econômicos e sociais), os direitos dos jovens (direitos difusos ou de terceira geração) necessitam acionar o valor da solidariedade para dar conta “das diferenças que os unem”.
E qual seria hoje o balanço do caminho percorrido? Em que pesem os esforços de muitos, há um longo caminho a percorrer para a efetivação dos “direitos da juventude”. Na sociedade e nos governos, ainda são vigentes muitos (pré)conceitos e projeções sobre “a juventude” que dificultam o (re)conhecimento das atuais vulnerabilidades e potencialidades dos jovens brasileiros. Contudo, nada será como antes. Interpretadas sob a óptica dos direitos, suas demandas já modificam a pauta das políticas públicas e se transformam em “causas” mobilizadoras que alimentam grupos, redes e movimentos de diferentes segmentos juvenis. Afinal, na noção de “direito” reside um potencial “contrapoder”, simbólico e prático.


Regina Novaes é Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.