terça-feira, 28 de maio de 2013

O DSM-V e a fabricação da loucura

Publicado em: http://cebes.org.br/default.asp

De Fernando Freitas e Paulo Amarante*

Entre os dias 18 e 22 de maio, durante o congresso anual da Associação de Psiquiatria Americana (APA), foi oficialmente apresentada a nova edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM).

O DSM-V chega precedido por uma forte rejeição nos meios psi.  Por todos os cantos do mundo estão aparecendo petições, chamadas ao boicote, declarações, artigos  e livros publicados, assinados principalmente por especialistas, denunciando o Manual como uma obra "perigosa" para a saúde pública. 

A questão de base é que o DSM-V, mais do que nas versões anteriores, fabrica doenças mentais; o que faz com que enormes contigentes populacionais  passem a ser considerados doentes e, como consequencia, a consumir medicamentos psiquiátricos. 

É bem verdade que as versões anteriores também vieram a público provocando controvérsias. Publicado pela primeira vez em 1952, com uma lista de menos de 100 patologias (de inspiração freudiana, assim como a edição de 1968), a cada nova edição um número maior de categorias de doenças mentais aparece. A edição ainda em vigor, o DSM-IV, apresenta 297 patologias mentais. Através da versão preliminar disponível na Internet desde 2010, estima-se que o DSM-V tenha um número ainda maior de categorias de diagnóstico. 

Esse aumento crescente das categorias de diagnóstico sugere haver uma tendência inexorável da psiquiatria para transformar comportamentos e experiências do cotidiano em patologias mentais, o que tem sido objeto de crítica a cada nova edição que aparece. 

Nos Estados Unidos, onde o movimento contra o DSM começou, um dos críticos mais contundentes é o próprio Allen Frances, o psiquiatra que dirigiu a edição precedente. O prestigioso Instituto Americano de Saúde Mental (National Institute of Mental Health, NIMH) se negou a ver o nome da entidade associado ao DSM-V. Esse fato político é da maior relevância, na medida em que o NIMH é o maior patrocinador da pesquisa em saúde mental em escala mundial. "Os pacientes que sofrem de doenças mentais valem mais do que isso", justificou seu diretor, Thomas Insel, em um comunicado, explicando que o NIMH "reorientaria suas pesquisas fora das categorias do DSM", devido ao fato da sua fragilidade no plano científico.  

Na França, o combate vem se dando há pelo menos cinco anos, pelo coletivo Stop DSM , conforme noticiado pelo Le Monde em sua edição de 15 de maio último. Os profissionais que formam esse coletivo se insurgem contra o que eles chamam de "pensamento único" do Manual. Recomendamos a leitura do manifesto do movimento em sua versão em português.
Apesar da vultosa soma de dinheiro empregado para a elaboração do DSM-V, cerca de 25 milhões de dólares, o Manual parece deixar muito a desejar sobre o plano científico. Uma das principais críticas é que a sua lógica está mais do que nunca profundamente dominada pelos interesses da indústria dos psicofármacos. O conflito de interesses intelectuais parece estar hoje escancarado, conforme foi denunciado, por exemplo, por ninguém nada menos do que Allen Frances. 57 associações de saúde mental propuseram um exame independente, o  que foi  ignorado pelos formuladores do  DSM-V.

Novas patologias têm sido sugeridas, algumas bastante bizarras, como por exemplo, a "síndrome de risco psicótico".  A propósito, Allen Frances tornou pública a seguinte observação, feita após uma conversa com um colega: "Esse médico estava muito excitado com a idéia de integrar ao DSM-V uma nova entidade, a ‘síndrome de risco psicótico', visando a identificar precocemente transtornos psicóticos. O objetivo era nobre, ajudar os jovens a evitar o fardo de uma doença mental severa. Mas eu aprendi trabalhando nas três edições precedentes que o inferno está cheio de boas intenções. Eu não poderia permanecer em silêncio". Essa patologia parece ter sido retirada da versão final. 

Mas há outras patologias que parece que virão, como "transtornos cognitivos menores".  O coletivo francês Stop DSM, prevê que a perda da memória fisiológica com a idade irá se tornar uma patologia em nome da prevenção da doença de Alzheimer. Podemos bem imaginar numerosas pessoas com a prescrição de testes inúteis e custosos, e com medicamentos cuja eficácia ainda não foi de fato validada e cujos efeitos a longo prazo são desconhecidos.

Outro exemplo é a patologização do luto, com a ampliação dos "transtornos de depressão".  Quer dizer, após duas semanas de luto, com a aparência deprimida do enlutado será possível diagnosticar episódios depressivos maiores e com isso a prescrição de antidepressivos.  

Finalmente, mais um exemplo: "transtorno de desregulação pertubadora do humor".  O que  certamente  levará  a  que banais  cóleras  infantis sejam transformadas em  uma  patologia  mental. 

Para  concluir, mais uma outra citação  de Allen  Frances:  "Quando nós  introduzimos no  DSM-IV a  síndrome  de  Asperger,   forma menos  severa  de  autismo,  nós  havíamos estimado que   isso  multiplicaria o  número de casos por três. De  fato,  eles  foram multiplicados por  quarenta,  principalmente porque  esse diagnóstico permite ter  acesso  a  serviços particulares  na escola  e fora  dela. Por  conseguinte,  ele  foi colocado  em crianças que não tinham todos  os critérios". 

No Brasil, o 18 de maio é um dia que representa para nós o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, expressão nacional de luta contra todas as formas de violência, exclusão, mercantilização e medicalização do sofrimento e da vida cotidiana. Nós nos solidarizamos às dezenas de entidades que estão se manifestando neste momento frente à sede do Congresso da APA, em San Francisco, Los Angeles, USA. São usuários dos serviços psiquiátricos que se consideram “Sobreviventes do Sistema Psiquiátrico”, são os profissionais de saúde mental e de pesquisa, reunidos contra o DSM-V e sob a palavra de ordem Occupy APA in San Francisco. Queremos aproveitar a ocasião para lançar aqui no Brasil o nosso movimento BASTA DSM.

*Professores e pesquisadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde mental e Atenção Psicossocial (LAPS;ENSP;Fiocruz) e Diretores Nacionais da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). Paulo Amarante é ainda Diretor do Cebes e da Revista Saúde em Debate

sexta-feira, 24 de maio de 2013

As relações entre trabalho infantil e trabalho escravo


Entre 1995 e 2011, mais de 43 mil pessoas foram libertas de condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil. De acordo com a pesquisa Perfil dos Principais Atores Envolvidos no Trabalho Escravo Rural no Brasil, produzida pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, “a escravidão contemporânea no país é precedida pelo trabalho infantil”.
Realizada entre 2006 e 2007, a pesquisa, baseada em entrevistas qualitativas, ouviu 121 trabalhadores em 10 fazendas dos Estados do Pará, do Mato Grosso, da Bahia e de Goiás. “Praticamente todos os entrevistados na pesquisa de campo (92,6%) iniciaram sua vida profissional antes dos 16 anos. A idade média em que começaram a trabalhar é de 11,4 anos, sendo que aproximadamente 40% iniciaram antes desta idade”, revela o texto divulgado pela OIT. Em 69% dos casos, o trabalho infantil era realizado em âmbito familiar. Dos que já trabalhavam para um empregador, 10% o fazia junto com a família, enquanto 20% trabalhava diretamente para um patrão. Entre os que começaram a trabalhar com menos de 11 anos, 17% eram empregados fora de casa.
Além dos trabalhadores, a pesquisa também entrevistou os chamados “gatos”, aliciadores que atuam em comunidades vulneráveis. “Com exceção de um caso, os gatos entrevistados, da mesma forma que a maioria dos trabalhadores resgatados, foram vítimas do trabalho infantil. Apenas um deles começou a trabalhar aos 16 anos”, revela a pesquisa.
Para Natália Suzuki, coordenadora do Escravo, Nem Pensar!, projeto da Repórter Brasil, a relação entre trabalho infantil e trabalho escravo tem como pano de fundo, em primeiro lugar, a vulnerabilidade socioeconômica das crianças e adolescentes e de suas famílias. “A questão socioeconômica é preponderante para que esse tipo de situação acabe se formando. A família não tem condições de dar segurança econômica e social para a criança, que acaba também indo para a frente de trabalho”, disse.
Além disso, Natália aponta uma relação de “naturalização da exploração”, que leva a pessoa submetida ao trabalho infantil a tornar-se mais vulnerável à situação de trabalho escravo contemporâneo. “A pessoa vai crescendo sempre envolvida em uma situação de trabalho em que há uma relação de exploração. As experiências de vida desse trabalhador, desde muito cedo, são em torno dessa exploração. Então, a pessoa vai – e o termo é justamente esse – se acostumando com essa condição. Você ouve muitos relatos dos trabalhadores como ‘eu trabalho desde os meus onze anos no corte de cana’, ‘eu trabalho desde os meus onze anos em carvoaria’. A pessoa cresce e as experiências de exploração vão acompanhando o desenvolvimento dela. Ela naturaliza essa situação de exploração. E, assim, ela aceita desde ganhar pouco até não ganhar nada e não gozar de direitos”, explicou.
Outro fator de vulnerabilidade ao trabalho infantil e ao trabalho escravo é a educação e o acesso à informação. “A escola, a comunidade escolar, também tem um papel muito importante na difusão de direitos. Sem a educação formal ou mesmo informal, a pessoa tem tolhida a percepção de que tem direitos, de que não pode ser explorada, de que ela tem a lei do lado dela enquanto trabalhadora”, disse Natália. Segundo ela, a educação tem o papel de formar tecnicamente o trabalhador – e, principalmente, de formá-lo a partir de uma perspectiva de cidadania –, de difundir informações sobre direitos e de fazer com que as pessoas saiam da condição de naturalização da exploração.
De acordo com Natália, por esse motivo a atuação do Escravo, Nem Pensar! é voltada para a prevenção do trabalho escravo por meio da educação, com ações para educadores da rede pública, tanto estadual como municipal, e para lideranças comunitárias. “Isso porque tanto as lideranças quanto os educadores têm um potencial multiplicador muito grande. Se um professor tem uma classe de 50 alunos, esses 50 alunos, por sua vez, vão ser também multiplicadores, vão levar informações para os pais, para as famílias, para os vizinhos”, explicou.
Ela conta o caso de uma aluna que atuou como multiplicadora. “A aluna teve contato com uma professora que participou das nossas formações e falou: ‘nossa professora, mas meu pai está indo trabalhar em outro Estado, pode ser um caso de trabalho escravo?’ O pai foi até a escola falar com a professora, contou que a filha o havia alertado, mas que o trabalho estava todo correto. Ele havia perguntado sobre o lugar e a carteira de trabalho estava ok. Isso foi um caso em que o familiar estava bem informado, mas poderia não ser, e a aluna teria evitado que o pai tivesse caído em uma situação de aliciamento”, contou Natália.
As ações do Escravo, Nem Pensar! pretendem fazer com que as informações e o conhecimento dos direitos possam levar à desnaturalização de uma situação existente há muitas décadas ou mesmo séculos. “A ideia é que o tema caia na boca do povo, deixe de ser um tabu e que a própria comunidade possa, de forma autônoma, se mobilizar e se colocar contra isso. Uma comunidade informada, que conhece seus direitos, que sabe que tipo de trabalho pode realizar, conhece os direitos que ela deve e pode gozar. Essa é uma comunidade que não aceita facilmente esse tipo de exploração”, completou Natália.

A lei antidrogas e o lucro


A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira 22 um projeto de lei que endurece o tratamento a usuários de drogas. O projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), aprovado com substitutivo de Givaldo Carimbão (PSB-AL), regulamenta e nacionaliza a internação compulsória, que já ocorria em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
Os destaques apresentados à proposta devem ser votados na próxima semana para que o projeto siga para análise no Senado.
O projeto aumenta a demanda por vagas em instituições públicas habilitadas para tratamento de dependentes químicos. Em muito estados, porém, não há vagas nem mesmo para os pacientes voluntários e com indicação médica, alerta Dartiu Xavier, psiquiatra e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes da Unifesp. “Com a lei, as pessoas vão ter o direito de exigir vagas do Estado, que não tem aparelhamento e vai recorrer à rede privada de hospitais. É aí que estaria o lobby [pela aprovação da lei]. Quem está por trás disso são os hospitais privados que têm interesse no lucro.”
Para o psiquiatra, o projeto é um retrocesso, pois proporciona o direito de ingerência na vida do outro e pela baixa eficácia da internação compulsória. “Estudos mostram, e vemos na prática nos tratamentos, que mais de 90% recai no primeiro mês após a internação.”
Os dependentes químicos ou usuários, prevê o projeto, poderiam ser internados a pedido de familiares, responsáveis legais, ou, na ausência deles, servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos. Seria necessária uma avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e a comprovação da impossibilidade de outras alternativas terapêuticas. O tempo máximo de internação será de 90 dias, com a possibilidade de a família pedir a interrupção do tratamento a qualquer momento.
“Do ponto de vista médico, só se admite internação compulsória em casos de exceção, como pessoas que perderam a capacidade de julgar a realidade e que possuam algum problema mental associado, como a psicose”, defende Xavier. “Mas apenas 5% dos dependentes têm psicose. A internação é para circunstâncias específicas, não pode ser uma política pública.”
As internações e altas deverão ser informadas ao Ministério Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização.
A previsão de internação involuntária causou polêmica na Câmara. O líder do Psol, deputado Ivan Valente (SP), definiu a medida como repressora e capaz de incentivar a família a internar os usuários ao invés de lidar com o problema. "Agora qualquer familiar com dificuldade de lidar com a droga vai internar involuntariamente um usuário sem saber se isso é eficiente."
Segundo Xavier, esse cenário acontece com frequência e deve aumentar com a aprovação da lei. “Não existe um dispositivo legal de proteção ao internado. O que observamos nas internações involuntárias é que a família interna, mas se alguém questiona e ameaça fazer com que aquilo termine, a família muda de clínica.”
Pelo projeto, os usuários de drogas ou dependentes também poderão ser acolhidos de forma voluntária em comunidades terapêuticas. Esses locais devem oferecer ambiente residencial propício à promoção do desenvolvimento pessoal e não poderão isolar fisicamente a pessoa. Usuários com problemas de saúde ou psicológicos graves não poderão ficar nessas comunidades.



domingo, 19 de maio de 2013

Rio de Janeiro fere direitos humanos em preparação para Copa


O Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro lançou na quarta-feira (15) a segunda edição do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro”. A Pública teve acesso ao documento e traz alguns dos principais pontos dele (baixe aqui ).
O relatório das violações de direitos humanos divide-se em oito esferas ligadas ao interesse público: moradia, mobilidade, trabalho, esporte, meio ambiente, segurança pública, informação e participação e orçamento e finanças. Confira abaixo alguns pontos levantados pelo Comitê em cada uma delas.
Moradia
Nada menos do que 3 mil famílias residentes na cidade do Rio de Janeiro já foram removidas por conta da realização de projetos direta ou indiretamente ligados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. O número pode chegar a quase 11 mil famílias expulsas, já que outras 7.800 famílias correm o risco de despejo. Em relação ao primeiro dossiê, nessa segunda versão foram reunidas informações mais específicas e atualizadas de modo a demonstrar detalhadamente as violações de direitos humanos ocorridas na cidade.
As comunidades envolvidas no processo de remoção foram divididas em quatro eixos específicos relacionados ao fator de risco: as obras viárias em curso no Rio de Janeiro; as obras de instalação e reforma de equipamentos esportivos; as obras de revitalização turística da zona portuária e as áreas de risco ou interesse ambiental.
Apesar da especificidade e das peculiaridades de cada região, o dossiê aponta padrões no trato do poder público, sobretudo o municipal, com as comunidades que se vêem envolvidas no contexto de remoção. Esses são seis, presentes na ação do poder público no trato com as comunidades atingidas, segundo o comitê:
“(i) Completa ausência, ou precariedade de informação para as comunidades, acompanhada de procedimentos de pressão e coação, forçando os moradores a aceitarem as ofertas da prefeitura do Rio. Cabe frisar que as comunidades visitadas, sem exceção, não tivera acesso aos projetos de urbanização em suas áreas de moradia.
(ii) Completa ausência, ou precariedade de envolvimento das comunidades na discussão dos projetos de reurbanização promovidos pela prefeitura, bem como das possíveis alternativas para os casos onde são indicadas remoções.
(iii) As indenizações oferecidas são incapazes de garantir o acesso a outro imóvel situado na vizinhança próxima, tendo em vista que a prefeitura só indeniza o valor das benfeitorias e não a posse da terra, fato em geral agravado pela valorização imobiliária decorrente dos investimentos realizados pelo poder público. Tal situação não é revertida nem mesmo com o instrumento da compra assistida, o que gera um aumento no valor pago pelas indenizações em torno de 40%., mesmo assim insuficiente para a aquisição de um imóvel na mesma localidade. Resta a opção de transferência para um imóvel distante, nos conjuntos habitacionais que estão sendo construídos em geral na zona oeste, no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida.
(iv) Deslegitimação das organizações comunitárias com agentes dos processos de negociação, sempre individualizados por famílias, buscando enfraquecer a capacidade de negociação dos atingidos com o poder público.
(v) Desrespeito à cidadania através de ameaças, pressão e coação.
(vi) Utilização da Justiça como ferramenta contra o cidadão. Nas ações judiciais promovidas pela procuradoria do município, o poder público tem sido “uma máquina irresponsável de despejos”, sem compromisso com a saúde e a vida das pessoas. “A prática da procuradoria do município parece ser a de castigar todos os cidadãos que recorrem à justiça para proteger os seus direitos.”
Uma comunidade que passou por um processo emblemático de remoção foi a Comunidade do Campinho. Segundo o Comitê, o primeiro contato da administração municipal com os moradores foi em janeiro de 2011. Cinco meses depois a comunidade já estava extinta. O motivo? A construção de um mergulhão do corredor Transcarioca de BRT. O dossiê afirma que houve pressão psicológica para que os moradores aceitassem um apartamento do Minha Casa Minha Vida em Cosmos, a 60 km do local. “Há relatos, com mais de uma testemunha, do recebimento de indenizações em sacos de dinheiro pagos em negociação direta com a empreiteira responsável pela obra”, diz o dossiê.
Mobilidade urbana para quem?
É essa pergunta que faz o dossiê ao tratar das intervenções de mobilidade urbana que estão em curso por conta dos megaeventos no Rio de Janeiro. “A análise dos investimentos na cidade do Rio de Janeiro indica que estes não estão voltados para o atendimento das áreas mais necessitadas e que apresentam os piores indicadores de mobilidade. Pior do que uma infraestrutura mal construída ou mal distribuída pelo território da cidade, constata-se que muitas comunidades têm sido removidas compulsoriamente ou sofrido ameaça de remoções por conta da construção da infraestrutura de transporte para Copa e Olimpíadas. Isto, por si só, constitui uma violação ao direito à moradia garantido em diversos tratados internacionais”, afirma.
Ou seja, além dos investimentos em mobilidade urbana beneficiarem as áreas que já contam com as melhores alternativas nesse aspecto, a população carente tem que lidar com o ônus das remoções.
“Através das propagandas oficiais e da mídia em geral, o poder público tem prometido uma ‘revolução nos transportes’, construindo as vias Transcarioca, Transolímpica e Transoeste (todas BRTs), e o metrô Lagoa-Barra (alongamento da linha 1) – todos ligados à realização da Copa e dos Jogos olímpicos. Por outro lado, a população clama por serviços de transporte de massa em outras direções e para outras regiões da cidade. Ou seja, enquanto hoje o serviço de transporte coletivo oferecido à população se configura como caro, precário e insuficiente para a demanda existente, o cenário que se desenha para o futuro é o de investimentos em transporte que, ao invés de atenderem à demanda existente, tornam possível a ocupação de áreas vazias ou pouco densas, visando e promovendo a valorização imobiliária e a expansão irracional da malha urbana”, analisa o documento do Comitê Popular. O dossiê também aponta para uma forte concentração dos investimentos na cidade do Rio de Janeiro, em detrimento das outras 20 cidades que compõe a área metropolitana da capital; dentro da capital, os investimentos estão maciçamente direcionados à Barra da Tijuca e à zona sul, as áreas mais nobres do Rio.
Destaca-se também os constantes aumentos das tarifas de transporte.
Trabalho
Tido como um dos grandes fatores legitimadores da realização dos megaeventos, o impacto da Copa e das Olimpíadas no trabalho é analisado pelo dossiê do Comitê Popular.
O primeiro aspecto apontado pelo comitê é que nas obras ligadas aos megaeventos é comum ocorrer a chamada precarização do trabalho. Prazos exíguos, omissão de fiscalização pelos órgãos públicos competentes, o contexto de exceção que permite licitações feitas a toque de caixa, além das pressões exercidas por órgãos como o COI e a FIFA ajudam a criar este cenário. Só o Maracanã, aponta o dossiê, já passou por duas paralisações relacionadas a condições de trabalho.
A repressão ao comércio informal também se agravou no contexto dos megaeventos, afirma o Comitê. Segundo documento da Streetnet International, articulação de coletivos de vendedores informais de todo o planeta, há 60 mil vendedores ambulantes trabalhando no Rio de Janeiro em risco por conta da realização dos jogos. Os ambulantes não poderão se beneficiar do contexto da Copa e das Olimpíadas, uma vez que estão proibidos de trabalharem próximos aos locais vinculados às competições. “Também está prevista a repressão, com prisão e apreensão de mercadorias, de qualquer pessoa que comercialize material que faça referência aos símbolos dos eventos e de seus patrocinadores. Nessa mesma direção, está proibida a venda de qualquer souvenir dos eventos aos turistas produzido pelos trabalhadores informais. Ou seja, só poderão vender mercadorias com símbolos dos eventos as empresas licenciadas pela FIFA e pelo COI”, diz o texto. Isto está inclusive garantido pelo artigo 11 da Lei Geral da Copa (12.663/2012).
Esporte
“O futebol no Brasil está vivendo um momento bastante complicado. Os estádios históricos estão sendo destruídos para renascer em forma de centros de consumo e turismo, por vezes com jeito de shopping-center. Os ingressos dos campeonatos nacionais e estaduais estão cada vez mais caros, fora do alcance do torcedor ‘tradicional’. A média de público nos estádios está em plena queda”, analisa o dossiê do Comitê Popular.
A concessão do Maracanã, com a consequente demolição de praças esportivas essenciais como o Parque Aquático Júlio Delamare, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e a consolidação do projeto olímpico na Barra da Tijuca são os principais fatores contestados pelo dossiê.
A chamada elitização do público do futebol também é destacada pelo dossiê. “Percebe-se um decréscimo de 732.160 torcedores nos estádios da primeira divisão do campeonato brasileiro de futebol, entre 2011 e 2012, o que representa uma queda de 13%. Ao mesmo tempo, os custos dos ingressos subiram 9% e a arrecadação geral aumentou em 3%. Esses números podem indicar que menos brasileiros têm acesso aos estádios. Isso pode estar ocorrendo em função das obras, em andamento nos grandes estádios visando a Copa do mundo nas principais cidades do país, como é o caso do Rio de Janeiro”, aponta o documento.
Segundo o Dossiê, é possível analisar esse contexto como o de imposição de um modelo de futebol empresarial. Nele “estimula-se a venda do espetáculo aos ‘clientes’, que vão aos estádios para ter uma experiência de entretenimento e não uma participação ativa, identitária e afetiva com o evento. Sem dúvida, os números indicam que os que frequentam os estádios desembolsam cada vez mais dinheiro”.
Além disto, destaca-se também a destruição do legado do Pan-2007 pelo projeto das Olimpíadas de 2016 como ocorreu com o Velódromo, o Parque Aquático Maria Lenk e, mais recentemente, o estádio do Engenhão.
Meio Ambiente
O documento aponta que, apesar do discurso oficial afirmar veementemente a preocupação ambiental, na prática ocorre o inverso. A construção dos corredores viários Transcarioca, Transolímpica e Transoeste são alguns exemplos.
No caso do primeiro projeto, por exemplo, o dossiê critica o aterramento da lagoa de Jacarepaguá. Estavam previstos, para mitigar o efeito do aterramento, dois programas pelo estado do Rio: o Programa de Monitoramento da Fauna Existente e o Programa de Compensação Ambiental. Nenhum deles foi realizado.
Segurança Pública
“No Rio de Janeiro, que vem servindo de laboratório no tema da segurança pública, defende-se a necessidade de medidas extraordinárias de segurança. Mas cabe perguntar o que está sendo segurado, como, onde, e quais serão os efeitos de curto, médio e largo prazo das medidas que estão sendo adotadas”, pontua o dossiê.
Os fatos de a segurança durante os jogos ser feita por agentes privados contratados pela FIFA, bancados com dinheiro público, de o governo brasileiro pretender investir R$ 80 milhões em câmeras de vigilância nos estádios e não haver garantias de que as imagens coletadas pela FIFA sejam apagadas depois do evento, são criticados. O dossiê também vê essas ações como pretexto para aprofundar a mudança do modelo de segurança pública para o predomínio da segurança privada.
“Como um experimento para controlar as massas e extirpar ameaças, os megaeventos deixarão um saber governamental sobre as novas configurações da cidade. Esse saber não é neutro ou despolitizado, mas contextualizado dentro de um complexo cultural que identifica ameaças particulares que são socialmente construídas. A montagem do aparelho para proteger os interesses associados aos megaeventos pode ser adotada e utilizada para proteger os mesmos interesses pós-evento”, afirma o Comitê.
Informação e participação
O Comitê destaca ainda a negligência com respeito ao direito à informação e participação popular nos assuntos de interesse público durante os preparativos da Copa. Como exemplo, cita as remoções ocorridas nas comunidades Vila Harmonia, Recreio II, Restinga, Sambódromo, Campinho e Metrô-Mangueira. Todas as comunidades foram avisadas das remoções de suas casas algumas horas antes do despejo. E diz que não houve apresentação de justificativas plausíveis em grande parte das remoções nem os detalhes dos projetos foram publicados.
No aspecto orçamentário aponta também falta de transparência. “A divulgação de aumento de gastos frequentemente ocorre muito tempo após ter sido efetuado e, mesmo assim, nem todos os valores são publicados. No caso da preparação para os Jogos Olímpicos, há apenas uma estimativa inicial de orçamento constando no dossiê de candidatura, mas os gastos poderiam efetivamente alcançar quase o dobro dessa estimativa, segundo depoimento do presidente da Autoridade Pública Olímpica, em 2012.”
Orçamento e Finanças
O dossiê chama atenção para o valor total de investimentos para a realização da Copa do Mundo no Rio de Janeiro, que já sofreu um aumento de 95% tendo como base os valores da Matriz de Responsabilidades. Os R$ 2,2 bilhões previstos inicialmente tornaram-se quase R$ 4,2 bilhões. E contesta a informação de que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro em 2016 custarão cerca de US$ 12,5 milhões, elencando 21 projetos municipais ligados, ao menos no discurso, às Olimpíadas cuja soma de orçamento alcança nada menos do que R$ 22,6 bilhões.
“Chama atenção o fato das decisões relativas a esses investimentos não passarem por uma ampla discussão democrática, envolvendo todos os segmentos sociais, colocando em pauta o projeto de cidade que está construído”, conclui o documento, criticando, mais uma vez, a concentração de investimento público em áreas nobres.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Manifestação do dia Nacional da Luta Antimanicomial

O grupo Transversalizando convida-os para a Manifestação do dia Nacional da Luta Antimanicomial, que irá acontecer no dia 17 de maio às 12h. 

Confira a programação abaixo: 


segunda-feira, 13 de maio de 2013

"Terrorismo internacional à luz das teorias de Relações Internacionais a partir de algumas considerações de Baudrillard"

Nesta terça-feira (14/05/2013), teremos a participação de Mário Tito Barros de Almeida no grupo Transversalizando. Tito Barros é Filósofo, Economista, Mestre em Filosofia, Profº. Coordenador do curso de Relações Internacionais e Assessor de Relações Internacionais da UNAMA, atua na linha de pesquisa Direitos Humanos e Políticas Públicas e é Membro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI). 

O Encontro terá como tema: "Terrorismo internacional à luz das teorias de Relações Internacionais a partir de algumas  considerações de Baudrillard".

O encontro será às 17h45 no Bloco C-Básico (Psicologia) da Universidade Federal do Pará. 




domingo, 12 de maio de 2013

Crianças e adolescentes na prisão » Por que essa é uma má ideia


Pesquisa divulgada pelo Datafolha mostra que a superexposição na imprensa do assassinato do aluno do curso de Rádio e TV da Faculdade Cásper, Victor Hugo Deppman, de 19 anos, por outro jovem, de pouco menos de 18 anos, levou a 93% o número de paulistanos que se dizem favoráveis hoje à diminuição da maioridade penal. Para 9% dos entrevistados pelo instituto, até menores de 13 anos devem ser considerados como adultos, percentagem que é maior do que aqueles que se opõem à medida, 6%.
Entretanto, quando é dada opção de escolher qual seria o método mais eficiente para diminuir a criminalidade, 42% dizem que o ideal seria criar políticas públicas mais eficientes para jovens. Outros 52% afirmam que a redução da maioridade penal já melhoraria os índices criminais.
“Todo e qualquer homicídio é triste e lastimável e nos solidarizamos com as famílias que perderam seus entes queridos. No entanto, nosso País conta com mecanismos que nos possibilitam construir políticas públicas em cima de fatos concretos, dados e estudos, e não de propaganda alarmista e comoção momentânea. Do contrário, estaríamos diante de um paredão de execução, onde, em pouco tempo, a própria sociedade terminaria vitimizada por suas ideias absurdas, reacionárias, ineficazes, injustas e surpreendentemente populares”, disse Lucia Nader, coordenadora executiva da Conectas.
“Uma das propostas que circulam fala em criar um regime especial para manter esses os jovens como ‘presos especiais’. Isso só fortalece mais uma vez o nefasto ideal do encarceramento em massa, cujo resultado foi o aparecimento e empoderamento de facções criminosas que atuam no sistema”, disse Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas.


Para contribuir com o debate, a organização listou abaixo argumentos para refutar os erros mais comuns envolvendo este assunto. Os mesmos pontos estão contidos no Parecer Técnico ao Projeto de Decreto Legislativo do Senado Federal n. 539/2012, elaborado por uma rede de nove entidades.
Outro documento de referência no tema foi elaborado em 2007 pela Unicef. Ele lista argumentos sociológicos e jurídicos para rebater a ideia que as sociedades deve encarcerar seus jovens cada dia mais cedo e por mais tempo, no intuito de conter a violência. O estudo também aponta dados comparativos e diferentes medidas adotadas no mundo todo. A Unicef alerta que “as políticas sociais possuem real potencial para diminuir o envolvimento dos adolescentes com violência”.

Na verdade, os jovens são mais vítimas da violência do que autores de crimes graves:
Os dados da Fundação Casa (em SP) mostram que a maioria dos internados foi detida por roubo (44,1%) e tráfico de drogas (41,8%). Latrocínio são apenas 0,9% e homicídio somente 0,6%.
Um fato que merece especial atenção no último Mapa da Violência é a idade das vítimas. Observa-se que não há diferenças significativas de vítimas de homicídio entre brancos e negros até os 12 anos de idade. Entretanto, nesse ponto inicia-se um duplo processo: por um lado, um íngreme crescimento do número de vítimas de homicídio, tanto branca quanto negra, que se avolumam significativamente até os 20/21 anos de idade das vítimas. Se esse crescimento se observa tanto entre os brancos quanto entre os negros, nesse último caso, o incremento é marcadamente mais elevado: entre os 12 e os 21 anos de idade, as taxas brancas passam de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil; aumenta 29 vezes. Já as taxas de negros passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando 46 vezes. Os dados elencados, portanto, apontam que a questão a ser encarada do ponto de vista da política pública é a mortalidade de jovens, – sobretudo, dos jovens negros –, e não a autoria de crimes graves por jovens.

Propostas de redução da maioridade penal são inconstitucionais:
Motivos principais: i) a afirmação da idade penal faz parte dos direitos e garantias constitucionais fundamentais de natureza individual, portanto, irrevogáveis; ii) o Brasil é signatário dos tratados internacionais - a exemplo da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989 – que confirmam os 18 anos como marco de idade penal;
i) A redução da idade penal é imbuída de uma questão constitucional fundamental: ela é cláusula pétrea, sendo parte dos direitos e garantias fundamentais individuais de nossa Constituição Federal de 1988. Não vindo um plebiscito ou uma emenda constitucional a ter força suficiente para sua revogação.
ii) A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – ratificada internamente pelo Decreto 99.710/90 – estabelece que criança (no Brasil, compreendida como as fases de criança e adolescente) é o sujeito que se encontra até os 18 anos de idade. Trata-se do primeiro marco etário para definições de direitos, deveres e políticas públicas correspondentes. Esse documento internacional alinha-se a outros, como as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing, 1985) e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad, 1990). Todos esses documentos confirmam que a idade penal deve dividir a fase adulta da fase infanto-adolescente, e, portanto, distinguir os tratamentos estatais perante a prática delituosa.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o mito da impunidade do adolescente.
O advento do ECA alçou a questão da infância e juventude ao centro do ordenamento jurídico brasileiro, em consonância com os movimentos internacionais de direitos e proteção da criança e do adolescente, colocando-os agora como sujeitos de direitos, tendo sido aplaudido em fóruns internacionais.
Apesar dos avanços normativos nele contidos, o ECA é alvo constante de críticas por supostamente fomentar a impunidade na medida em que estabeleceria “apenas” medidas sócio educativas. Esta ideia se baseia na concepção de que o adolescente seria incitado a cometer um ato infracional porque a atual legislação seria branda quanto a sua punição. Confunde-se então, inimputabilidade com impunidade e se esquece que as medidas de internação constituem-se em efetiva restrição de liberdade em estabelecimento próprio destinado a isso, onde convivem somente adolescentes que praticaram atos infracionais.
Pesquisa do CNJ de 2007 pôde constatar que a medida de internação é sistematicamente imposta pelo Judiciário, mesmo para casos não graves (exemplo: furto).
Além disso, não foram esgotadas, no Brasil, as formas de atenção que se pode oferecer a estes jovens, seja pelas escolas, pelas instituições de assistência, pela família, pela maior distribuição de direitos, pela aplicação efetiva do ECA.

“Desconsideração da menoridade penal” é o mesmo que “redução da maioridade penal”?
Sim. Ao cunhar a possibilidade de “desconsideração da menoridade penal” de acordo com as hipóteses a serem criadas pelo legislador ordinário, se reduz, na prática, a maioridade penal. Nos termos desse tipo de proposta, a redução da maioridade penal, na prática, será mais ou menos extensa de acordo com o talento do legislador ordinário e com a conjuntura política que o animar.

Ondas conservadoras X pobreza
A preocupação com a criminalidade infanto-juvenil (que se manifesta de tempos em tempos no discurso favorável à diminuição da maioridade penal) funciona, na realidade, mais como um instrumento de marginalização da população pobre do que uma ampliação e um reconhecimento dos direitos civis dos jovens. Num país atingido por fortes desigualdades sociais e de direitos, as propostas favoráveis à redução da maioridade penal são cúmplices deste processo de criminalização da pobreza, jogando para o aparelho carcerário-punitivo os grupos e indivíduos mais vulneráveis psicológica, social, econômica e culturalmente.
Não se pode admitir o recrudescimento de importantes pilares sociais. A essa dinâmica atribui-se a expressão vedação do retrocesso social, segundo a qual a sociedade brasileira não pode abandonar as conquistas sociais, em especial aquelas positivadas na CF e reconhecidas a todo e qualquer cidadão brasileiro.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

'Carta de Brasília em defesa da Razão e da Vida'

Aconteceu nos dias 3,4 e 5 de maio de 2013 em Brasília, o Congresso Internacional sobre Drogas, Lei, Saúde e Sociedade. Resultou do evento uma carta, que será entregue a presidenta Dilma Rousseff (PT), ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF) a qual procura contribuir para a descriminalização das drogas e contraria o Projeto de Lei 7663/10, de autoria do Deputado Osmar Terra (PMDB/RS) 
 Segue abaixo a carta na íntegra:

'Carta de Brasília em defesa da Razão e da Vida'

Congresso Internacional sobre Drogas: Lei, Saúde e Sociedade foi realizado entre 3-5 de maio de 2013 no Museu da República em Brasília para fomentar o diálogo sobre o tema das drogas. Nós, participantes do Congresso e signatários desta carta, constatamos que a política proibicionista causa danos sociais gravíssimos que não podem persistir. Não há evidência médica, científica, jurídica, econômica ou policial para a proibição. Entretanto identificamos alarmados um risco de retrocesso iminente, em virtude do projeto de lei 7663/10, de autoria do Deputado Osmar Terra (PMDB/RS), atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, relatado pelo deputado Federal Givaldo Carimbão (PSB/AL). Entre vários equívocos, o projeto prioriza internação forçada de dependentes químicos. Vemos com indignação que autoridades do Governo Federal se pronunciam a favor dessa prática. Conforme apontado pelo relator especial sobre tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes junto ao conselho de direitos humanos da Organização das Nações Unidas, a internação forçada de dependentes químicos constitui tortura. Tendo em vista a trajetória política, compromisso com os direitos humanos e experiência pessoal em relação à tortura da Presidenta Dilma Roussef, é inadmissível que o Governo Federal venha a apoiar a internação forçada. Entendemos que a aplicação dessa medida no Brasil atual representa a volta da política de higienização e segregação de classe e etnia. 
Mesmo em suas versões mais brandas, o proibicionismo infringe garantias fundamentais previstas na Constituição da República, corrompe todas as esferas da sociedade, impede a pesquisa, interdita o debate e intoxica o pensamento coletivo. A tentativa de voltar a criminalizar usuários e aumentar penas relacionadas ao tráfico de drogas é um desastre na contramão do que ocorre em diversos países da América e Europa, contribuindo para aumentar ainda mais o super-encarceramento e a criminalização da pobreza. A exemplo das Supremas Cortes da Argentina e da Colômbia, é preciso que o Supremo Tribunal Federal declare com urgência a inconstitucionalidade das regras criminalizadoras da posse de drogas ilícitas para uso pessoal. Em última instância, legalizar, regulamentar e taxar todas as drogas, priorizando a redução de riscos e danos, anistiando infratores de crimes não-violentos e investindo em emprego, educação, saúde, moradia, cultura e esporte são as únicas medidas capazes de acabar efetivamente com o tráfico, com a violência e com as mortes de nosso jovens. É um imperativo ético e científico de nosso tempo, em defesa da razão e da vida humana.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Medicalização da Educação- A quem interessa?

Publicado em: http://falagente.com/


Dificuldades de Aprendizagem ou Deficiência Intelectual? Dislexia ou Distúrbio de Leitura/Escrita? Autismo ou Asperger? Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) com ou sem Hiperatividade? Psicose Infantil ou Esquizofrenia? Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) ou Transtorno de Oposição e Desafio (TOD)? Transtornos e mais transtornos. O que é isto? Lista do Código Internacional das Doenças? Mais ou menos. Esta é uma relação de algumas doenças “diagnosticadas” em crianças e adolescentes que não conseguem assimilar o conteúdo acadêmico ou não se comportam de maneira considerada adequada aos padrões escolares vigentes.
A cada ano estes diagnósticos estão mais presentes nas salas de aulas e também nas salas de terapias de psicólogos e psiquiatras. O aluno não consegue aprender? Encaminha para o psicólogo. Não se comporta bem? Não pára quieto? Diga aos pais que levem ao neurologista ou direto ao psiquiatra. Estas são falas que se tornaram comuns no cotidiano escolar, foram mesmo banalizadas. Se o aluno apresenta dificuldades não se questiona o professor ou a escola, a metodologia ou as condições de ensino-aprendizagem.
A responsabilidade por esta não aquisição de conteúdos ou por comportamentos indesejáveis são incutidos ao educando, ele tem alguma disfunção neurológica ou genética. Ou seja, qualquer aluno que apresente algum tipo de dificuldade é incluso em um processo de biologização, quer dizer, seus problemas têm etiologia neles mesmos. Assim, acontece a patologização, isto é, o aluno passa a “ser portador” de uma patologia, uma doença. O avanço tecnológico permitiu nos últimos anos que exames mais objetivos e específicos sejam realizados na detecção de doenças, contudo, não é raro que diagnósticos sejam realizados sem rigor cientifico e sem que haja qualquer consideração pela subjetividade do ser humano. Questionários padronizados são aplicados sumariamente para a definição diagnóstica. Em seguida à patologização vem a medicalização. Quer dizer, há patologia tem que haver medicação. A medicalização transforma alunos em pacientes e consequentemente em consumidores.
Ao transpor para o aluno a responsabilização pelo não aprendizado, não somente a escola se isenta de responder por seus atos, mas também fatores sociais, históricos, econômicos, políticos são escamoteados, o coletivo perde força e o individual ascende.
Defensores da corrente teórica organicista que são a favor da patologização dos alunos alegam que eles têm direito a estes diagnósticos. O que desejo aqui não é argumentar contra o diagnóstico em si, mas sim a maneira como são realizados e principalmente levantar questionamentos sobre a quem interessa, de fato, esta medicalização, qual a ideologia por traz deste processo. Muito se propaga sobre o combate ao uso de drogas ilícitas, mas e as drogas licitas? Não estará havendo algum abuso na utilização destas medicações? E quanto à escola, o que ela está oferecendo a seu aluno? Estará cumprindo seu papel de agente transformador social ou ao menos está preocupada com isto? Que estratégias o professor se utiliza para que haja interesse da criança? Que tipo de aluno a escola e o professor desejam ter? Que tipo de cidadãos esperam formar?
Autora: Eliana Pelózio dos Reis