domingo, 28 de abril de 2013

Fórum contra a privatização da saúde no Pará convoca

Publicado em: http://www.sindmepa.org.br/



As entidades que compõem o Fórum contra a privatização da saúde no Pará voltam a se reunir nesta segunda-feira (29), às 19h, na sede do  Sindmepa, para discutir a mobilização contra a intenção do governo do Estado de privatizar a Santa Casa de Misericórdia. Na pauta da reunião estão a avaliação do Ato Público de sexta-feira (26), o abraço simbólico à Santa Casa, que reuniu centenas de manifestantes em torno do prédio antigo e na frente do prédio da Nova Santa Casa; e os encaminhamentos futuros.

Todas as entidades da sociedade civil que já se integraram à luta contra a privatização da Santa Casa e todos aqueles que queiram se integrar a esta causa estão convocados para a reunião de segunda-feira.

As denúncias de que o governo do Estado estaria planejando transferir a gestão da nova Santa Casa para a iniciativa privada surgiu de uma Assembleia Geral dos médicos, no Sindmepa, despertando a imediata reação de segmentos da área da saúde, associações e sindicatos de servidores públicos, parlamentares engajados em lutas por melhores condições de saúde, entre outros.

Com mais de 300 anos de serviços prestados à sociedade paraense, a Santa Casa não pode ser privatizada ou ter seus serviços terceirizados ou algo semelhante. Para o Sindmepa, hospitais e outros serviços de saúde devem ser gerenciados por profissionais públicos. Qualquer coisa diferente disso é privatização, independente da nomenclatura usada pelo governo.

Na reunião de amanhã, além da avaliação do movimento, as entidades vão discutir o encaminhamento de ofícios aos órgãos públicos para que se posicionem com relação ao assunto. Uma das providências a serem tomadas é o pedido formal de audiência pública à Assembleia Legislativa do Estado (Alepa), Câmara Municipal de Belém e Conselho Estadual de Saúde.

Quer engrossar a campanha em defesa da Santa Casa Pública? Participe desta causa em nossa Fanpage, clique no link abaixo e em seguida acione o botão JOIN. Link para se juntar à CAUSA: http://migre.me/ebxW4.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

A época da norma


Qual seria a forma e quais seriam os perigos para o funcionamento do direito nas sociedades modernas?
Márcio Alves da Fonseca
Os últimos escritos de Michel Foucault, notadamente os volumes finais de sua História da sexualidade, bem como os cursos ministrados no Collège de France entre os anos 1981-1984, revelam sua incursão na cultura e no pensamento antigos. Nesses escritos, o filósofo, que no mesmo período viria a definir a sua filosofia como uma “ontologia do presente”, volta-se para o problema da constituição do sujeito moral na antiguidade clássica. O estudo da moral sexual na antiguidade, assim como a pesquisa sobre a formação e os desdobramentos da “cultura de si” no pensamento greco-romano, sugerem que a direção para a qual o olhar do pensador se lança em seus últimos trabalhos é o passado.
Porém, uma consideração atenta do conjunto de seus escritos, capaz de colocar em evidência os principais deslocamentos que tais escritos realizaram relativamente à história das ciências e à filosofia política e moral de sua época, permite afirmar que a filosofia de Foucault – mesmo aquela presente em seus trabalhos finais – se configura como busca insistente de compreensão do nosso presente histórico. A esse respeito, as observações de caráter metodológico realizadas no início da aula de 5 de janeiro do curso de 1983 no Collège de France (Le gouvernement de soi et des autres) são esclarecedoras. Com o fim de distinguir seu trabalho dos métodos que entende ser próprios a uma história das mentalidades ou a uma história das representações, Foucault dirá que seu projeto geral foi realizar uma “história do pensamento”. Compreendida em um sentido amplo, essa história do pensamento se configuraria como uma história dos “lugares de experiência” que teriam sido importantes para a nossa cultura e que, de algum modo, constituíram o presente tal como o conhecemos.
Assim, a experiência da loucura, a experiência da doença, a experiência da criminalidade ou da sexualidade foram alguns desses lugares de experiência cuja história procurou fazer. Em cada um deles se articulavam três âmbitos aos quais cabia interrogar: o âmbito das formas de um saber historicamente constituído, o âmbito das matrizes normativas de comportamentos dos indivíduos e, por fim, o âmbito dos modos de existência virtuais para sujeitos possíveis. Aparecem aí os três eixos – o saber, o poder, a subjetivação – privilegiados diferentemente por Foucault em seus principais trabalhos. Nas primeiras obras enfatiza-se o estudo do eixo da formação dos saberes. Na medida em que ali se desejava efetivamente estudar a experiência como matriz para a formação de saberes, cabia notar, não o desenvolvimento ou o progresso dos conhecimentos, mas as “práticas discursivas” que podiam constituir matrizes para conhecimentos possíveis.
Em seguida, nos cursos do Collège de France entre os anos 1971-1980 e em obras como Vigiar e punirA vontade de saber, tratava-se de analisar as matrizes normativas de comportamento. Cabia, então, analisar o poder não como categoria, instância ou propriedade, não também analisar as instituições de poder ou ainda as formas gerais de dominação, mas sim as técnicas e procedimentos pelos quais se conduziu historicamente a conduta dos indivíduos. Por fim, nos escritos e cursos da década de 1980, a ênfase recai sobre o eixo da subjetivação. Ali, no lugar de referir-se a uma teoria do sujeito ou a uma história da subjetividade, cabia analisar diferentes formas pelas quais o indivíduo foi levado historicamente a constituir-se como sujeito.
Mecanismos de normalização
Em Foucault, o estudo dos lugares de experiência nos quais se articulam esses âmbitos (o saber, o poder, a subjetivação) tem como destino final uma interrogação sobre o presente. E no interior desse quadro geral, suas análises sobre o poder, orientadas por esta inquietação maior acerca do presente histórico, bem permitiriam caracterizá-lo (o presente) como a época da norma.
O conjunto das análises de Foucault acerca do poder ancora-se na percepção da insuficiência dos estudos sobre o poder apoiados em um modelo jurídico, que privilegiam o problema da legitimidade, ou daqueles apoiados em um modelo institucional, cuja referência principal seria o papel do Estado e de suas instituições. A ampliação dos recursos para a inteligibilidade acerca do poder conduz Foucault a privilegiar uma interrogação sobre as formas pelas quais se organizam e atuam as diversas modalidades de seu exercício, em outros termos, privilegiar a descrição dos mecanismos de poder que permitem explicitar o funcionamento de formas históricas pelas quais se governou as condutas dos indivíduos em uma época determinada. Relativamente à época moderna, tais mecanismos serão descritos pelo filósofo como mecanismos de normalização.
Foucault estuda, em primeiro lugar, os mecanismos de normalização que têm como ponto fixação imediato os corpos dos indivíduos localizados no interior de espaços institucionais precisos, como o asilo psiquiátrico, o hospital, a fábrica, a prisão. Denomina tais mecanismos de “disciplinas” e, ao fazer sua genealogia, acompanha seu desenvolvimento e generalização no correr dos séculos 17, 18 e 19. Para o filósofo, a normalização disciplinar demarca espaços a serem ocupados, controla o tempo em que os indivíduos realizam suas atividades, estabelece sequências e ordenações dessas atividades em função de objetivos precisos, conduzindo ao adestramento e ao controle permanentes. Como resultado dessa sequência de procedimentos, torna-se possível uma separação objetiva entre a atitude, o comportamento, o indivíduo “normais” e a atitude, o comportamento, o indivíduo “anormais”. A referência para essa distinção entre o normal e o anormal é um “modelo ótimo” (a norma), construído em função dos resultados pretendidos pela própria estratégia disciplinar.
Tais estudos permitem a Foucault referir-se ao homem da época moderna como o produto de processos de objetivação e de sujeição. O indivíduo moderno pode ser compreendido como um “objeto dócil e útil”, concluirá ao final da obra Vigiar e punir. Porém, em um segundo momento de sua analítica do poder, a caracterização da forma de constituição normalizada do indivíduo moderno se complementará pelo estudo dos mecanismos de normalização que terão, agora, como ponto de fixação privilegiado a vida biológica, naquilo que ela comporta de regularidades e variáveis, perceptíveis no corpo coletivo das populações.
A formulação da noção de “biopolítica” possibilitará a Foucault justapor à análise da disciplina dos corpos o estudo dos mecanismos de regulação da vida, entendidos como uma segunda forma de acomodação dos mecanismos de poder à realidade histórica que constitui o presente. A normalização operada pelos dispositivos de seguranças da biopolítica consistirá no ajuste entre diferentes distribuições de normalidade, relativas a cada um dos aspectos que compõem a vida dos grupos humanos, de tal modo a fazer valer as distribuições “mais favoráveis” em relação àquelas que seriam “mais desfavoráveis”.
Aqui, a norma surge como um jogo no interior de normalidades diferenciais inerentes aos fenômenos da vida biológica e, nesse sentido, será o critério para as diferentes racionalidades políticas e os diversos procedimentos técnicos pelos quais se dará o seu governo. Foucault denomina “artes de governar” ou “governamentalidades” o conjunto das racionalidades políticas e dos procedimentos técnicos pelos quais se dá o governo da vida. Na maior parte das aulas dos cursos Segurança, Território, População e Nascimento da biopolítica, o filósofo irá reconstituir alguns momentos daquilo que entende ser a história das artes de governar que o Ocidente conheceu. Analisará em detalhe três formas históricas dessas governamentalidades políticas: a razão de Estado (séculos 16 e 17), o liberalismo (séculos 18 e 19) e os neoliberalismos alemão e norte-americano (século 20). Na perspectiva desse estudo sobre os mecanismos de regulação, o indivíduo moderno, membro do corpo biopolítico das populações, é igualmente normalizado, uma vez que é constituído a partir da arte de governar – regida pela normalização biopolítica – no interior da qual se dá a condução de suas condutas. É nesse sentido que o estudo do tema do poder realizado por Foucault permite a caracterização do presente histórico como sendo a época da norma.
Da lei à norma
Desde logo, fica claro que a norma aqui não se confunde com a lei ou com a norma em um sentido exclusivamente jurídico. Nas análises de Foucault acerca do poder, a norma, que define o modo de constituição do sujeito moderno, deve ser compreendida em um sentido bem mais amplo. Ela se configura como um princípio de exclusão ou de integração relativamente às práticas dos indivíduos, como observa Pierre Macherey (em Rencontre internationale. Michel Foucault philosophe), e se revela na implicação de duas formas simultâneas: a forma de “norma de saber”, na medida em que enuncia critérios de verdade cujo valor pode ser restritivo ou constitutivo e a forma de “norma de poder”, na medida em que fixa para o sujeito as condições de sua ação segundo regras externas ou leis internas.
A norma em Foucault define-se por seu caráter produtivo e, nesse sentido, não se confunde com um princípio de separação entre o lícito e o ilícito nem com um dispositivo de mera repressão ou restrição. Cabem, na abrangência de seu significado, as normas de comportamento, as normas sociais, as normas de conduta, as normas que regulam os saberes, as normas que prescrevem ações e que, relativamente à época moderna, funcionam segundo as formas da disciplina dos corpos e da regulação da vida biológica das populações. Nesse sentido, no campo de interrogação constituído pela analítica do poder em Foucault, trata-se também de buscar compreender as formas de implicação entre a norma (disciplinar e biopolítica) e as estruturas formais do direito. De tal forma que o filósofo poderá afirmar, no capítulo final de A vontade de saber, que na época moderna a “lei funciona cada vez mais como norma”.
Daí fazer sentido a tentativa de superação – ou ampliação – dos modelos exclusivamente jurídico e institucional para o estudo do poder. Se ao realizar tal estudo, os escritos de Foucault permitem a caracterização do presente como a época da norma, eles nos convidam a um duplo questionamento. Como afirma François Ewald, em seu texto Foucault, a norma e o direito, o primeiro questionamento possui um caráter ontológico e concerne à modernidade. Ele consiste em perguntar o que é a modernidade de que fazemos parte, uma vez que ela é de tipo normativo? O que aprendemos acerca da modernidade, ao abordá-la pelo lado das práticas de poder e de saber que se ordenam em torno da norma?
O segundo questionamento concerne ao próprio estatuto e ao funcionamento do direito nas sociedades modernas. Que lugar há para o direito na época da norma? Qual poderá ser a sua forma e quais são os seus perigos? A tentativa de responder a essas questões corresponde, então, ao projeto geral visado pela filosofia de Michel Foucault, ou seja, o esforço por compreender o presente a partir dos lugares de experiência que, pela articulação entre os campos do saber, do poder e da subjetivação, esclarecem acerca daquilo que somos, mas, ao mesmo tempo, nos desafiam a perguntar por aquilo que podemos fazer e nos tornar.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Não queremos CT'S, queremos já, os CAPS-AD


Publicado em:www.culturaverde.org

As Comunidades Terapêuticas não respeitam as deliberações das Conferências de Saúde e de Saúde Mental, as quais recusaram o financiamento público das comunidades terapêuticas e sua inclusão à rede de atenção em álcool e outras drogas do SUS, na medida em que desrespeitam seus princípios. A precária condição destas comunidades terapêuticas em todo o Brasil foi denunciada no Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia: “Locais de internação para usuários de drogas”, que constatou graves situações de violação aos direitos humanos nestes locais.
Essas comunidades tem suas práticas alicerçadas em princípios religiosos, em função das instituições e dos grupos a que servem e aos quais suas origens estão vinculadas. O Estado brasileiro é laico e assim devem ser suas políticas e serviços de atenção.
Conclamamos a toda a sociedade para que fique atenta e questione os interesses que o Governo Federal atende ao destinar 100 milhões de reais para estas organizações.
É inadimissível que a proximidade entre uma representante do governo federal, como é a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e um pastor, interfira nas diretrizes e nas políticas implementadas pelo Estado brasileiro.
O tratamento dos usuários de álcool e outras drogas, incluído neste conjunto o crack, deve seguir os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, sendo este o caminho a ser trilhado pelo financiamento: a ampliação da rede substitutiva.
O montante financeiro que o governo federal pretende investir nas comunidades terapêuticas deve ser usado para potencializar a rede substitutiva de saúde mental. Dessa forma, teremos a chance de intervir de forma responsável na questão do cuidado com o usuário abusivo de álcool e outras drogas.É preciso fiscalizar a que interesses respondem o repasse financeiro das verbas públicas às comunidades terapêuticas, em sua maioria, ligadas a setores e instituições religiosas.
Por um Estado laico e democrático, para que sejam respeitadas as diretrizes do SUS, por políticas públicas que respeitem os direitos sociais e os direitos humanos!

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Convites para Qualificação de Mestrado no Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFPA

O grupo Trans convida-os para os Exames de Qualificação de Mestrado das alunas do Programa de Pós Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade Federal do Pará (UFPA):

Título: "Os Modos de Organização das Práticas Institucionais no CESEF: uma análise genealógica".
Autora: Adriana Elisa de Alencar Macedo
Banca Examinadora: Prof. Dra. Flávia Cristina Silveira Lemos (UFPA)
Prof. Dra. Leila Maria Torraca de Brito (UERJ)
Prof. Dr. Jean-François Deluchey (UFPA)
Prof. Dr. Pedro Paulo Freire Piani (UFPA)
Local: Auditório Central do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) na Universidade Federal do Pará (UFPA)
Data: 29/04/2013
Horário: 14h.

Título: "O aluno saudável: análise das práticas de governamentalidade em políticas de saúde na escola pública do Brasil".
Autora: Leila Cristina C. S. Almeida
Banca Examinadora: Prof. Dr. Alcindo Antônio Ferla (UFRGS/UFPA)
Prof. Dra. Flávia Cristina Silveira Lemos (UFPA)
Prof. Dr. Marcelo de Almeida Ferreri (Mem. Ext.)
Prof. Dr. Ernani Pinheiro Chaves (UFPA)
Prof. Dr. Pedro Paulo Freire Piane (UFPA)
Prof. Dr. Maurício Rodrigues de Souza (UFPA)
Local: Auditório Central do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) na Universidade Federal do Pará (UFPA)
Data: 29/04/2013
Horário: 16h


Violência escolar – em xeque a proposta de cultura de paz no ensino médio

O grupo Trans recomenda a leitura do artigo "Violência escolar – em xeque a proposta de cultura de paz no ensino médio" das autoras: Flávia Cristina Silveira Lemos (Coordenadora do Grupo Transversalizando) e Dolores Cristina Gomes Galindo. 

ResumoO presente artigo versa sobre a política denominada pela UNESCO de educação para uma cultura de paz, pela qual jovens pobres do Brasil são dirigidos a projetos e programas de esporte, teatro, dança, música, lazer e profissionalização, nos espaços da escola, mediados por organizações diversas. Utilizam-se as referências de Michel Foucault para interrogar as práticas derivadas dessa política e criticar o que este organismo denomina de educação para a paz como maneira de lidar com as situações de violência e prevenir futuras guerras, revoltas sociais e dissidências políticas. Por fim, tentamos propor uma prática agonística voltada a romper com os trajetos estabelecidos e questionamos a possibilidade de trabalhar esteticamente, pela escola e pela educação escolar, em caminhos éticos e políticos com jovens.

Para ter acesso ao texto completo em PDF é só clicar no link abaixo:

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Programas educacionais compensatórios, práticas de resistência e indignação na escola pública


A partir de uma leitura sobre o tema é que foi possível ser feita uma reflexão sobre questões como aprendizagem na escola pública, situações de reprovação e evasão escolar, associando ainda tal contexto ao mais recente dispositivo educacional de integração que seria a promoção automática. A partir de questões colocadas pelos artigos “Programas compensatórios: seduções capitalistas?” e “Práticas de estranhamento, indignação e resistência” foi possível trazer a tona questões que tanto nos inquietam em nossas práticas pedagógicas cotidianas e que despertam em nós educadores as mais diversas opiniões e sentimentos.
A questão da aprendizagem escolar das classes populares tem sido alvo de inquietações a pelo menos 30 anos. As autoras Coimbra e Nascimento (2007) discorrem sobre como alguns programas educacionais voltados para a escola pública tem a função de integrar crianças que tendem a escapar do sistema, fixando-as na escola e agindo como um instrumento de “domesticação, docilização e aceitação da lógica capitalista”. Além disso, as autoras destacam como tais programas ganharam contornos compensatórios.
Para “integração” de alunos atingidos pelos grandes problemas educacionais da reprovação e evasão escolar foram criados alguns dispositivos educacionais de integração como as classes especiais nos anos de 1970, nas décadas de 70/80 foram criadas as turmas de pré-escolar e em 80/90 as classes de recuperação.
Aponta-se que nestes três dispositivos a ênfase está localizada nos defeitos, carências e déficits das crianças que eram consideradas desadaptadas a escola, além da recorrente culpabilização da família que era tida como o berço de toda carência cultural, social e econômica, e ainda sua suposta “incapacidade de acompanhar a vida escolar de seus filhos”.
Além disso, é destacado como a lógica capitalista contribui para a visão de se responsabilizar o aluno e sua família pelo fracasso desconsiderando outros fatores como objetivos e finalidades da educação, etc. Nessa perspectiva é valorizado o território da falta, que é um dos pilares do capitalismo e que tende a individualizar defeitos desconsiderando todo um contexto.
O mais recente dispositivo de integração educacional para realizar o que as autoras chamam de “inclusão por exclusão” é o que se instalou a partir de 1990, que seria a promoção automática. Ainda que a proposta seja coerente naquilo que prega com relação ao desenvolvimento do aluno enquanto processo contínuo, aos ritmos de aprendizagem e a organização dos sistemas de ensino por ciclos de aprendizagem, a grande questão do impasse é quando alunos são promovidos independentemente de seu desempenho e alunos chegam aos últimos anos dos ciclos sem dominar habilidades básicas exigidas pela escola, o que resultaria na inclusão de alunos apenas pelo aspecto burocrático e material, mas que os deixa excluídos no que diz respeito a reais condições de aprendizagem, sucesso e permanência no sistema escolar.
A crítica que se faz é que tal perspectiva de educação acaba por mascarar estatísticas que indicam altos índices de repetência e que aquilo que se propunha a promover a aprendizagem contínua torna-se na verdade “um sistema de enganação coletiva”(2007) em que alunos são promovidos com rendimento escolar considerado “crítico” ou “muito crítico”.
Mas afinal, a que conclusões se pode chegar sobre toda essa problemática que tende a nos fazer chegar a triste conclusão de que “na pobreza habita a carência, a falta, a inferioridade; enfim, que a exclusão é um resultado natural e esperado”?
Cabe a nós educadores fazermos uma análise crítica de tal situação. Penso que nossa postura deva ser de resistência a essas propostas que inferiorizam uns em detrimento de outros e que nos posicionemos contrários a estes “pequenos assassinatos cotidianos” que cristalizam sobre alguns alunos o fracasso e a permanente falta, os imobilizando perpetuamente em tal condição. E que possamos resistir e a partir dessa resistência um caminho de novas possibilidades, novas metodologias de ensino, inventar valores e criar práticas inéditas que possam romper com as práticas instituídas e cristalizadas.
 
Autora: Joyce Danielle Lima Fonseca. Técnica Pedagógica/ SEMEC. Especialista em Psicologia Educacional. Mestranda em Educação pela UFPA. danielle-fonseca@live.com
 
Referências
COIMBRA, C. M. Práticas de estranhamento, indignação e resistência. 2011. Disponível em: www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/42140Acessado em 05 de Abril de 2013.
COIMBRA, C. M. B.; NASCIMENTO, M. L. Programas compensatórios: seduções capitalistas? Universidade Federal Fluminense. 2007.  Disponível em: http://server.slab.uff.br/textos/texto27.pdf  Acessado em 05 de Abril de 2013.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A proibição das drogas mata mais do que seu uso



“Os maiores prejuízos e perigos das drogas ilícitas são causados pela sua proibição. Mais pessoas morrem na guerra contra a maconha e a cocaína, do que pelo uso dessas drogas. Com a legalização das drogas, não haverá mais autorização para matar pessoas com o carimbo de traficantes”, afirmou o delegado Orlando Zaccone, mestre em Ciências Penais, durante a abertura do Curso de Atualização na Atenção ao uso Prejudicial de Álcool e outras Drogas da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). “As drogas matam proibidas e legalizadas, mas proibidas matam mais porque matam não só pelo uso, mas também pela proibição. Podemos reduzir os danos com a legalização da venda e do consumo”, destacou Zaccone, acrescentando que não é a favor do consumo das drogas, mas da legalização de seu uso. “O campo da moralidade é individual. Posso ser contra o uso, mas entender que a legalização é benéfica para a sociedade. Não devemos confundir a legalização com o estímulo ao consumo”, completou.

Para Zaccone, a proibição é uma tragédia social porque ao criar a figura do ‘traficante’, torna uma pessoa ‘matável’ ou alvo de uma política carcerária ineficiente e cruel. Ele ressaltou que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com cerca de 500 mil presos. “A prisão não resolve o problema. Lotamos o cárcere de pessoas rotuladas como traficantes. Isso é muito pior que o consumo de drogas do mundo. Somos um país que está levando para o cárcere crianças e jovens envolvidos com drogas. É muito fácil colocar os problemas para dentro do cárcere ou da vala”, disse o delegado. “Para reduzir os efeitos das drogas, temos que ir pela legalização e o Brasil está muito atrasado nessa questão. Outros países já entenderam que a solução das drogas passa por uma legislação mais branda”, comparou.
De acordo com dados da Anistia Internacional, em 2011, nos 20 países que tinham pena de morte instituída, 676 pessoas morreram condenadas. No mesmo ano, 524 pessoas foram mortas pela Polícia Militar no Rio de Janeiro e 437 em São Paulo, totalizando 961 mortes em apenas dois estados, 42% a mais que em todos os países com pena de morte. “E essas mortes são legitimadas por uma guerra contra as drogas”, observou Zaccone, explicando que quando um PM mata em serviço, é aberto um inquérito como auto de resistência, ou seja, legítima defesa do agente da lei. O PM responde ao inquérito em liberdade e se provar que não tem culpa, não tem processo. “Legítima defesa não condena, 95% a 99% dos inquéritos são arquivados e as mortes são legitimadas. O Ministério Público pede o arquivamento e o juiz de direito legitima a matança”, explicou.
Segundo o delegado, a maioria dos arquivamentos são feitos na comprovação de que o morto era traficante. “Junto com o morto, apresentam sempre uma arma e uma quantidade de drogas e o confronto é sempre em um local conhecido como ponto de venda de drogas. Se morre na favela um negro, jovem, com armas e drogas, já tem o ‘selo’ de traficante e está legitimada a morte. Então, no Brasil, tem pena de morte. A exceção virou regra e o Brasil trabalha em estado de exceção permanente com a execução de pessoas rotuladas como traficantes”, destacou Zaccone. “Temos uma legislação criminal que suspende o direito à vida dos traficantes. Isso já seria suficiente para propor a legalização das drogas ilícitas. O traficante não é visto como um ser humano, por isso, se autoriza sua execução. O fato de a pessoa ser identificada como criminosa não pode dar o direito de o policial matá-la. Se mata o traficante é legítimo, mas se mata o estudante não é. Mas o estudante pode ter morrido trocando tiros com a polícia e o traficante, implorando pela vida. E o policial só é punido quando a mãe consegue provar que seu filho não é traficante, mas a mãe do traficante também pode exigir a garantia da vida do seu filho porque não temos pena de morte instituída no Brasil”.
Proibição
O fato de a saúde não entrar na questão da proibição ou não de uma droga é outro problema levantado por Zaccone. “Todas as drogas, lícitas ou ilícitas, trazem malefícios à saúde. Não tem uma distinção científica para definir por que algumas são proibidas e outras são permitidas. O fato de uma droga ser proibida ou não, não é uma questão de saúde, mas uma construção política de um ambiente social”, destacou o delegado, acrescentando que, em 2014, o álcool, que em alguns países árabes é proibido, vai patrocinar a Copa do Mundo de futebol, o maior evento esportivo do mundo. “E, segundo pesquisas, o álcool é a droga que mais causa danos à população. Mas a propaganda de bebidas não é proibida como a de cigarros e essa diferença de tratamento é fruto do lobby das indústrias no Congresso Nacional. Os prejuízos causados pela proibição da propaganda de álcool seriam muito maiores que os do cigarro. Quando se fala das drogas ilícitas, se esquecem das lícitas. O álcool causa acidentes de trânsito, violência doméstica e não se fala dos efeitos nocivos do álcool.  Mas será que a proibição do álcool iria resolver?”, questionou Zaccone.
No caso das drogas, o controle e a proibição do uso de uma substância muitas vezes estão ligados também ao público usuário. Zaccone lembrou que a maconha, por exemplo, foi proibida há dezenas de anos porque era usada pelos escravos e havia um movimento para reprimir tudo que vinha desse grupo de pessoas, não só a maconha, como também a capoeira e o samba, por exemplo. O objetivo não era controlar o uso da droga, mas a população que fazia uso dela. “O que acontece hoje com o crack é um movimento parecido. Não existe uma preocupação humanista. Querem controlar quem usa essa substância e está nas ruas”, destacou.
Segundo o delegado, de acordo com informações da Prefeitura do Rio de Janeiro, 70% das pessoas recolhidas nas ruas em operações contra o uso de crack não têm problemas com drogas. “A área de saúde pública está contaminada pela polícia. Estão fazendo uma faxina social para tirar das ruas as pessoas que estão no que eles chamam de cinturão de segurança do Rio de Janeiro (Zona Sul, Tijuca e Avenida Brasil até o aeroporto). A luta contra a internação compulsória é um marco e temos que politizar esse debate”, ressaltou.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

10 razões da Psicologia CONTRA a redução da maioridade penal


Publicado em: http://www.pol.org.br

1. A adolescência é uma das fases do desenvolvimento dos indivíduos e, por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva educativa. O desafio da sociedade é educar seus jovens, permitindo um desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e social quanto físico;

2. É urgente garantir o tempo social de infância e juventude, com escola de qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e vivência de cidadania, que permitirão a construção dos papéis sociais para a constituição da própria sociedade;

3. A adolescência é momento de passagem da infância para a vida adulta. A inserção do jovem no mundo adulto prevê, em nossa sociedade, ações que assegurem este ingresso, de modo a oferecer – lhe as condições sociais e legais, bem como as capacidades educacionais e emocionais necessárias. É preciso garantir essas condições para todos os adolescentes;

4. A adolescência é momento importante na construção de um projeto de vida adulta. Toda atuação da sociedade voltada para esta fase deve ser guiada pela perspectiva de orientação. Um projeto de vida não se constrói com segregação e, sim, pela orientação escolar e profissional ao longo da vida no sistema de educação e trabalho;

5. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe responsabilização do adolescente que comete ato infracional com aplicação de medidas socioeducativas. O ECA não propõe impunidade. É adequado, do ponto de vista da Psicologia, uma sociedade buscar corrigir a conduta dos seus cidadãos a partir de uma perspectiva educacional, principalmente em se tratando de adolescentes;

6. O critério de fixação da maioridade penal é social, cultural e político, sendo expressão da forma como uma sociedade lida com os conflitos e questões que caracterizam a juventude; implica a eleição de uma lógica que pode ser repressiva ou educativa. Os psicólogos sabem que a repressão não é uma forma adequada de conduta para a constituição de sujeitos sadios. Reduzir a idade penal reduz a igualdade social e não a violência - ameaça, não previne, e punição não corrige;

7. As decisões da sociedade, em todos os âmbitos, não devem jamais desviar a atenção, daqueles que nela vivem, das causas reais de seus problemas. Uma das causas da violência está na imensa desigualdade social e, conseqüentemente, nas péssimas condições de vida a que estão submetidos alguns cidadãos. O debate sobre a redução da maioridade penal é um recorte dos problemas sociais brasileiros que reduz e simplifica a questão;

8. A violência não é solucionada pela culpabilização e pela punição, antes pela ação nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que a produzem. Agir punindo e sem se preocupar em revelar os mecanismos produtores e mantenedores de violência tem como um de seus efeitos principais aumentar a violência;

9. Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa. É encarcerar mais cedo a população pobre jovem, apostando que ela não tem outro destino ou possibilidade;

10. Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a construção de políticas educativas e de atenção para com a juventude. Nossa posição é de reforço a políticas públicas que tenham uma adolescência sadia como meta.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

"É preciso mais do que os mesmos discursos para mudar a situação"


Publicado em: http://www.conectas.org/

Uma morte choca, mais de cem vira índice. Como não oscilar entre euforia e depressão toda vez que a Secretaria da Segurança divulga a triste conta que a violência nos passou?

A cultura da agressão, policial ou não, como forma preferencial de resolver impasses na cidade ainda levará gerações para mudar. Até lá, consumirá muitos de nossos filhos.

Nenhum retrato fugaz dos números de homicídios, latrocínio, estupro, furto e roubo a banco é suficiente para capturar a essência do tempo em que vivemos -em que a cidade endurece em seu espaço público e em suas relações.

Precisamos de mais do que números para explicar o estado em que vivemos. Assim como precisamos muito mais do que os mesmos discursos de sempre para mudar.

A recente troca de cargos na Secretaria da Segurança afastou os temores mais imediatos de uma política criminosa de extermínio. O fim dos "autos de resistência", que mascaravam execuções cometidas pela polícia, também.

Há sinais de que as coisas podem mudar. Mas, para isso, são necessários passos ainda mais corajosos do poder público, como priorizar a investigação em vez de simplesmente lançar maus policiais em cima de pessoas "em atitude suspeita" nos bairros pobres.

E, quando tudo o que está à vista da classe média for feito, restará ainda o mais difícil: encarar de frente a violência oculta que atinge diretamente 500 mil pessoas no Brasil, 40% delas em São Paulo, que é a longa lista de crimes brutais cometidos todos os dias num sistema carcerário que discrimina, tortura, mata e não regenera ninguém, refletindo diretamente nesses números redondos apresentados ontem que, por piores que sejam, ainda assim, acredite, refletem o "menos pior" da nossa crueldade.

Marcos Fuchs é diretor-adjunto da ONG Conectas Direitos Humanos.

domingo, 14 de abril de 2013

Psicologia Jurídica: o exercício da subjetividade e a necessidade de controle do Estado



A articulação entre o exercício da subjetividade e a necessidade do Estado de exercer o controle social é o desafio central da Psicologia Jurídica. Contribuir na condução dos devidos processos legais exige dos psicólogos uma postura interdisciplinar que considere as dinâmicas sociopolíticas, o papel do Estado e as condições de exercício da subjetividade, que compõem o contexto específico de intervenção realizada. É esse entendimento amplo do papel do psicólogo jurídico que pode viabilizar novas formas de atuação mais adequadas às demandas atuais de nossa sociedade. De acordo com Foucault (1977), “a Psicologia, utilizada como instrumento disciplinar nas práticas de controle do Estado, classifica, especializa; distribui ao longo de uma escala, reparte em torno de uma norma, hierarquiza os indivíduos em relação uns aos outros e, levando ao limite, desqualifica e invalida” (p. 184). Essa realidade ocorre especialmente nos contextos dos processos criminais, tendo como foco a apuração das condições atenuantes e agravantes dos crimes e da capacidade do réu em estar consciente das leis e das consequências de seus atos. Dizer que um sujeito é inimputável é deslegitimar sua capacidade de qualificar suas ações, é o exercício mais contundente do saber-poder, uma vez que anula a voz de um sujeito em favor do saber técnico de um profissional. Reconhecer a extensão do poder que detemos ao elaborar os pareceres e laudos psicológicos é fundamental para adotar uma postura crítica e limitar ao mínimo necessário nossa interpretação dos fatos biográficos. Para além da atuação pericial, mudanças mais recentes nas práticas jurídicas convidam-nos para formas de atuação novas e complementares.
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, elaborada com base nas demandas do movimento feminista, por exemplo, abre espaço para uma intervenção psicossocial que vai muito além da descrição da periculosidade dos homens agressores. Muitas mulheres buscam a ajuda do Estado na expectativa de que este lhes ofereça uma resposta mais eficaz do que as penas restritivas de liberdade para seus parceiros. O assessoramento psicossocial aos magistrados, baseado em metodologias clínicas, permite uma reflexão ampliada sobre os padrões relacionais violentos, os direitos das mulheres e a importância da intervenção do Estado. Esses procedimentos levam em conta a especificidade de cada caso e a subjetividade dos envolvidos e têm se mostrado bem mais efetivos que a simples sanção penal para os agressores. Empoderar as mulheres por meio da intervenção do Estado cria as condições para que elas transformem suas vivências subjetivas de forma a exercitar sua autonomia e satisfação pessoal. A Lei nº 11.343/2006 reconhece a necessidade de ações interventivas e de prevenção secundária diferenciadas para os usuários de droga. Ao criar três tipos de penas restritivas de direito para punir esse crime, abre espaço para que o assessoramento psicossocial promova nos cidadãos abusadores de drogas ilícitas uma demanda de mudança e superação. Outro exemplo de atuação visando ao empoderamento das partes em conflito por meio de uma abordagem clínica encontra-se nos casos de disputa de guarda entre ex-casais. A intervenção psicossocial privilegia reflexões quanto à garantia dos direitos das crianças ou dos adolescentes, favorecendo que os genitores reconheçam seus deveres em defendê-los também. Esse tipo de intervenção oferece subsídios para que o Estado, se necessário, garanta esses direitos, sem para isso julgar ou categorizar as pessoas envolvidas, em razão de uma norma ou padrão de família. O trabalho é realizado valorizando-se a subjetividade das partes e de suas famílias Nos três exemplos apresentados, tirados do exercício da Psicologia Jurídica pela Secretaria Psicossocial Judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a prática psicológica serve ao propósito de ampliar a reflexão do nível pessoal para um contexto de direitos e de limite da atividade social em face da necessidade de intervenção do Estado. O desenvolvimento da Psicologia Jurídica depende, portanto, de reflexões consistentes sobre o exercício da subjetividade, as práticas políticas, o papel do psicólogo jurídico e o papel do Estado no controle social. O maior risco que a Psicologia Jurídica corre é o de se perceber, apenas, como saber acessório às práticas de normatização da vida privada e pública. A Psicologia Jurídica tem desafios próprios, sendo o mais importante deles teorizar sobre a importância do Estado para legitimar e proteger a diversidade humana no exercício da subjetividade.

Autores: Fábio Pereira Angelim; Marília Lobão Ribeiro de Moura

REFERÊNCIA
 FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

"A ética de Resistência"

O grupo Trans, recomenda a leitura do artigo "A ética de resistência" do autor Rodrigo de Castro Orellana. 

Resumo: A obra de Foucault entrenta a relação entre a liberdade postergada e a sujeição. Responde às lógicas biopolíticas e às configurações de práticas de liberdade. Resistir ao modelo pastoral, à lógica da soberania e ao biopoder é resistir em espaços heterotópicos e não com utopias (espaço sem lugar).
palavras-chave: ética; resistência; biopolítica.

Sobre o autor: Professor de Filosofia Contemporânea do Departamento de Filosofia III: Hermenêutica e Filosofia da História, na Faculdade de Filosofia da UniversidadeComplutense de Madrid.

Para ter acesso ao Artigo na íntegra é só clicar no link abaixo:




sábado, 6 de abril de 2013

"Guerra às drogas encarcera mais negros do que apartheid"


Publicado em: www.brasildefato.com.br
A juíza aposentada do Rio de Janeiro, Maria Lucia Karam, afirma que a criminalização do usuário que ainda persiste no Brasil viola declarações internacionais e e a própria Constituição brasileira. Karam faz parte da Apilcação da Lei contra a Proibição (Leap, na sigla em inglês). Segundo a juíza, a guerra às drogas nos EUA - que serve de referência para outros países - já propicia um quadro de encarceramento da população negra que ultrapassa os indíces do regime do apartheid na África do Sul.

Judicialmente, o usuário de drogas ainda é tratado como criminoso? Na sua opinião, quais mudanças na legislação poderiam tornar o relacionamento do judiciário com o usuário mais humano?
Maria Lucia Karam: Sim, o usuário de drogas ilícitas ainda é tratado como criminoso no Brasil. A Lei 11.343/2006 – a vigente lei brasileira em matéria de drogas – ilegitimamente criminaliza a posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas em seu artigo 28, ali prevendo penas de advertência, prestação de serviços à comunidade, comparecimento a programa ou curso educativo e, em caso de descumprimento, admoestação e multa. A Lei 11.343/2006 apenas afastou a previsão de pena privativa de liberdade.
Não se trata de tornar o relacionamento do Poder Judiciário com o usuário mais humano. Na realidade, o mero fato de usar drogas ilícitas não deveria levar ninguém a se relacionar com o Poder Judiciário. A criminalização da posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas viola princípios garantidores de direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas, aí naturalmente incluída a Constituição Federal brasileira. A simples posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros são condutas que dizem respeito unicamente ao indivíduo que as realiza, à sua liberdade, às suas opções pessoais. Condutas dessa natureza não podem sofrer nenhuma intervenção do Estado, não podem sofrer nenhuma sanção. Em uma democracia, a liberdade do indivíduo só pode sofrer restrições quando sua conduta atinja direta e concretamente direitos de terceiros.

A guerra às drogas tem um cunho social? Isto é, ela atinge majoritariamente os mais pobres? Se sim, a sra. considera que essa é uma estratégia pensada propositadamente para atingir os mais pobres?
A “guerra às drogas” não se dirige propriamente contra as drogas. Como qualquer outra guerra, dirige-se sim contra pessoas – nesse caso, os produtores, comerciantes e consumidores das drogas tornadas ilícitas. Como acontece com qualquer intervenção do sistema penal, os mais atingidos pela repressão são – e sempre serão – os mais vulneráveis econômica e socialmente, os desprovidos de riquezas, os desprovidos de poder.
No Brasil, os mais atingidos são os muitos meninos, que, sem oportunidades e sem perspectivas de uma vida melhor, são identificados como “traficantes”, morrendo e matando, envolvidos pela violência causada pela ilegalidade imposta ao mercado onde trabalham. Enfrentam a polícia nos confrontos regulares ou irregulares; enfrentam os delatores; enfrentam os concorrentes de seu negócio. Devem se mostrar corajosos; precisam assegurar seus lucros efêmeros, seus pequenos poderes, suas vidas. Não vivem muito e, logo, são substituídos por outros meninos igualmente sem esperanças. Os que sobrevivem, superlotam as prisões brasileiras.
Nos EUA, pesquisas apontam que, embora somente 13,5% de todos os usuários e “traficantes” de drogas naquele país sejam negros, 37% dos capturados por violação a leis de drogas são negros; 60% em prisões estaduais por crimes relacionados a drogas são negros; 81% dos acusados por violações a leis federais relativas a drogas são negros. Os EUA encarceram 1.009 pessoas por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens brancos, são 948 por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens negros, são 6.667 por cem mil habitantes. Sob o regime mais racista da história moderna, em 1993 – sob o apartheid na África do Sul – a proporção era de 851 negros encarcerados por cem mil habitantes. Como ressalta Jack A. Cole, diretor da Law Enforcement Against Prohibition-LEAP – organização internacional que reúne policiais, juízes, promotores, agentes penitenciários e da qual orgulhosamente faço parte – é o racismo que conduz a “guerra às drogas” nos EUA.
Na Europa, a mesma desproporção se manifesta em relação aos imigrantes vindos de países pobres.
A função da “guerra às drogas” – ou do sistema penal em geral – de criminalização dos mais vulneráveis e de conseqüente conservação e reprodução de estruturas de dominação não é exatamente uma estratégia pensada propositadamente pelo político A ou B; é sim algo inerente ao exercício do sempre violento, danoso e doloroso poder punitivo.

As experiências de legalização/descriminalização das drogas têm ajudado a diminuir a violência em função do tráfico?
As experiências menos repressivas na atualidade limitam-se à descriminalização da posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas. A descriminalização da posse para uso pessoal das drogas ilícitas é um imperativo derivado da necessária observância dos princípios garantidores dos direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas. A posse de drogas para uso pessoal, como antes mencionado, é uma conduta que não atinge concretamente nenhum direito de terceiros e, portanto, não pode ser objeto de qualquer intervenção do Estado.
Mas essa imperativa descriminalização não é suficiente. Não haverá nenhuma mudança significativa, especialmente no que concerne à violência, a não ser que a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas possam se desenvolver em um ambiente de legalidade. Para afastar os riscos e os danos da proibição, para pôr fim à violência resultante da ilegalidade, é preciso legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas.
A legalização da produção e do comércio de todas as drogas afastará a violência que hoje acompanha tais atividades, pois essa violência só se faz presente porque o mercado é ilegal. ão são as drogas que causam violência. A produção e o comércio de drogas não são atividades violentas em si mesmas. É a ilegalidade que cria a violência. A produção e o comércio de drogas só se fazem acompanhar de armas e de violência quando se desenvolvem em um mercado ilegal. A violência não provem apenas dos enfrentamentos com as forças policiais, da impossibilidade de resolução legal dos conflitos, ou do estímulo à circulação de armas. Além disso, há a diferenciação, o estigma, a demonização, a hostilidade, a exclusão, derivados da própria ideia de crime, a sempre gerar violência, seja da parte de agentes policiais, seja da parte daqueles a quem é atribuído o papel do “criminoso” – ou pior, do “inimigo”.
A produção e o comércio de álcool ou de tabaco se desenvolvem sem violência – disputas de mercado, cobranças de dívidas, tudo se faz sem violência. Por que é diferente na produção e no comércio de maconha ou cocaína? A óbvia diferença está na proibição, na irracional política antidrogas, na insana e sanguinária “guerra às drogas”.
Aliás, o exemplo de legalização que podemos invocar é o que ocorreu nos EUA na década de 1930, com o fim da proibição do álcool. O proibicionismo produziu e inseriu no mercado produtor e distribuidor do álcool empresas criminalizadas; fortaleceu a máfia de Al Capone e seus companheiros; provocou a violência que caracterizou especialmente a cidade de Chicago daquele tempo. Com o fim da chamada Lei Seca (o Volstead Act), o mercado do álcool se normalizou e aquela violência que o cercava simplesmente desapareceu.