segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Educação em Guerra


O estado do Rio, assim como São Paulo, desenterrou leis de segurança nacional da ditadura para tratar estudantes e professores como prototerroristas



"Mais escolas, menos estádios.” Esta foi uma das frases mais ouvidas nas manifestações de junho. Ela indicava a consciência clara de que as prioridades de desenvolvimento estavam completamente invertidas. Mais do que isso. Que esta frase tenha sido enunciada em um contexto de revolta, eis algo a demonstrar como a população esperava mais ações e menos retórica em relação à educação. Pois esse é um tópico pitoresco da política brasileira. Não há partido ou programa que coloque a educação como a “mais prioritária das prioridades”. No entanto, vivemos atualmente um vácuo completo de propostas públicas educacionais.
Alguém poderia acreditar ser isso o resultado de conflitos intermináveis a respeito do que devemos fazer. Ledo engano. Afora alguns liberais completamente desconectados da realidade concreta das escolas, o prognóstico sobre o que deve ser feito é consensual em relação aos profissionais da educação. Ele passa pela valorização da carreira de professor a fim de atrair nossos melhores alunos para o magistério. Ela contempla também a implementação de escolas integrais e de inspetorias federais para garantir a qualidade do ensino. Não se faz nada nesse sentido porque a realização desses pontos é cara. Mas a ignorância é mais cara ainda.
Bem, o que vemos então depois de junho? Milhares de professores no Rio de Janeiro a se voltar contra um plano de carreira que, se implementado, destruiria de vez as profissões do magistério. Só mesmo alguém que nunca pisou em uma sala de aula pode apresentar à sociedade um plano como esse. Ele cria uma situação de não garantia para professores se fixarem em suas matérias específicas, o que tem um impacto decisivo na qualidade, tão debilitada, do ensino. Seu privilégio aos profissionais com dedicação de 40 horas semanais não garante que, dentro desse período, o número real de horas-aula necessárias para a pesquisa, para a preparação de aula, correção de trabalhos e outras atividades fundamentais à docência será respeitado. Ao contrário, vemos atualmente vários Estados à procura de meios para burlar o período computado fora da sala de aula, mas que faz parte do trabalho de todo e qualquer professor.
Em vez de discutir os problemas do plano em questão, o estado do Rio, assim como São Paulo, partiu para a criminalização brutal de manifestantes. Leis de segurança nacional da época da ditadura foram desenterradas para tratar estudantes e professores como prototerroristas. Setores da opinião pública conservadora recuperaram o velho mantra do corporativismo dos professores, mostrando que, no fundo, temem ver o Estado gastar o necessário com educação, em lugar de subsidiar empreiteiras e empresários com negócios da China. Ou seja, sempre vemos a mesma estratégia: quando as demandas da educação pública são colocadas na mesa, tudo o que ouvimos é a desqualificação das exigências dos professores. Talvez isso explique um pouco a razão pela qual nossa qualidade de ensino continue problemática.
Alguns desses “formadores” da opinião pública que se insurgem contra os professores gostam de falar sobre o salto educacional da Coreia ou da qualidade das escolas da Finlândia. Perguntem então quantas horas em sala de aula passam os professores finlandeses e qual o salário de um professor coreano. É algo em torno de 4 mil dólares.
É sintomático que o oferecido pelos governos para uma das pautas mais citadas das manifestações de junho seja algo para conseguir apenas acirrar os ânimos dos profissionais da educação. Isso demonstra claramente como o poder público continua a governar de costas para aqueles que têm o verdadeiro diagnóstico das situações e das dificuldades em nossas escolas. Na última greve de professores universitários, a mesma estratégia foi colocada em circulação. Tivemos de ouvir que professores seriam a “classe abastada” do serviço público. Esta é a única frase que o poder público tem a dizer quando confrontado com a inanição de suas políticas de educação.

3 comentários:

  1. O artigo “Educação em Guerra” traz um título interessante, mas creio que poucas pessoas se dão conta de que isso realmente é uma guerra e pensam que é uma categoria (professores, “uns vândalos” que "ganham para não dar aula") versus o Governo. Em primeiro lugar, penso que não houve tantas conquistas em junho se comparado à mobilização grandiosa. Logo depois voltaram o descaso, a corrupção e o povo voltou a assistir a tudo calado e bestializado. Hoje a candidata já volta a ser a preferida para reeleição da presidência porque não sabe-se quem são os concorrentes, e se sabem, todos estão desacreditados por causa das crenças deles, o que já é um absurdo ou das coligações. Em segundo lugar, as pessoas que estão no poder não tem nenhuma proposta educacional porque são despreparados, corrompidos pelo poder. As pessoas da mídia, então, nem se fala: são todas uns idiotas, sem formação superior e exercem grande influência em todos. Na UFPa, por exemplo, os alunos - que assistem a aulas em salas quentes, sem banheiros decentes, sem bebedouros, estrutura de ônibus circulares, sem restaurantes universitários que comportem a todos – que são tidos como politizados, não fazem quase nada contra isso. Faltam ideias, falta deixar de pensar só em si. De fato, parece que só quem sabe da importância da educação são os licenciandos e licenciados. Não há modelos de professores, referenciais para as crianças e para esses jovens, pois, sim, os jovens universitários também precisam de referências. Quantos desses escritores famosos militam, quantos estimulam de fato a leitura e tem projetos sociais?
    Quanto à criminalização dos manifestantes, só é criminalizado quem, em parte, deixa-se criminalizar. Já que é uma luta, uma guerra, vai ganhar quem tiver a melhor estratégia. Será que é uma boa estratégia ocupar esses lugares públicos, defrontar-se com policiais, ficar em colchonetes, sentados no chão, comendo em marmitas? Deveria ter menos esforço físico e mais estratégias inteligentes, chamar os alunos e pais, pois assim veriam que não é uma categoria “louca” lutando sozinha contra o governo, mas toda a sociedade contra eles. E cadê os alunos? Não são mais vistos nas ruas, ou seja, os professores perdem uma ótima oportunidade de politizar esses alunos de baixa renda. Não se pode comparar o Brasil com a Finlândia. É como comparar o ontem deles com o nosso presente. É comparar tempos diferentes Em vez de fazer essas comparações, vamos pensar em nossa realidade e pensar em soluções para hoje, de acordo com a nossa realidade, embasado em estudos acadêmicos, em pesquisas superiores.

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  2. A educação, mais uma vez, é tratada com descaso e total falta de compromisso pelo poder público. O que aconteceu no Rio de Janeiro é o reflexo da falta de compromisso com os educadores, que são tratados como criminosos apenas por lutarem pelos seus direitos. Chegará o dia em que ninguém mais vai querer seguir a carreira docente, pois as condições de trabalho, a desvalorização e a falta de respeito só aumentam com o passar dos anos. A luta desses professores é essencial não só pelo plano de cargos e carreiras que reivindicam, mas também porque é por meio dessa luta que se pode chegar ou pelo menos tentar uma mudança nos paradigmas atuais, senão a educação afundará cada vez mais, prejudicando professores, alunos e a população brasileira, cujo sofrimento já é grande o bastante.

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  3. A luta de professores e estudantes em prol da educação é imprescindível para que esta chegue a um nível de qualidade, diferentemente do que se encontra hoje. Escolas sucateadas e alunos abandonados, invasão de escolas para assaltos, evasão, são só alguns dos problemas que evidenciam o descaso do poder público para um setor tão importante e tão relacionado a outras questões sociais. As mídias televisivas transformam a categoria dos professores em inconformados e mercenários que não querem trabalhar, só querem ganhar dinheiro. A opinião das pessoas, o que se escuta por aí afora é justamente isso, poucas pessoas relacionam o momento de depredação da educação com o profissional que é tão importante, como se não fosse possível políticas de valorização do professor como profissional. Para as empreiteiras, bolsos e cuecas de políticos o Brasil tem muito dinheiro, para a educação, não.

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