quarta-feira, 19 de junho de 2013

Os perigos da “pátria amada”


Estamos preocupados com o rumo que esse levante popular pode tomar e com a associação dele a um discurso midiático vazio.

O intuito da pequena reflexão que segue não é desmoralizar os atos ocorridos em diversas cidades brasileiras, que começaram contra o aumento das tarifas de transportes públicos, no início de junho, e, hoje, apresentam “pautas” variadas. É justamente a pulverização dessas motivações que nos preocupam. Quais são os motivos da luta mesmo?
Na página virtual (Facebook) do Quinto Ato, marcado para o dia 17 de Junho e com mais de 240 mil pessoas com presença confirmada (já esperando os ataques bárbaros da Polícia), as enquetes conseguem fazer qualquer queixo que se preze cair. Em uma delas, que perguntava qual bandeira deve-se levantar após a baixa dos preços das passagens (se houver), algumas das propostas colocadas como motivo de mobilização (mesmo que não muito votadas) são: cancelamento da Copa do Mundo 2014 (um tiro no pé, com todo o investimento já feito), Reforma Política (que reforma?), Segurança (mais PM nas ruas?), Diminuição da maioridade penal (sem comentários), Fim do Funk (projeto higienista manda um “Oi!”), a favor do Estatuto do Nascituro (sem comentários, de novo), CCC – Campanha Corruptos na Cadeia (não tinha um nome melhor? Quase um CCC – Comando de Caça aos Comunistas - de 1964), dentre outras propostas que preferimos não imaginar o que aconteceria caso ganhassem força.
Se por um lado, a heterogeneidade de propostas e a falta de uma liderança nos movimentos representa a possibilidade de uma relação horizontal entre os sujeitos; por outro, a falta de direcionamentos aponta para o risco de causas conservadoras se tornarem as principais do movimento agora sem nome. Não consideramos o quadro atual da manifestação como anárquico, classificação feita em algumas análises, mas como preocupante, nesse sentido.
Outro ponto bastante incômodo em relação às pessoas se organizando para o ato (e a fim de formar um movimento – longe de estar unificado), é o (perigoso) nacionalismo proposto por boa parte dos manifestantes, e presente principalmente na ideia de entoarem o Hino Nacional em coro. Em uma enquete, feita também na página de organização do ato da segunda-feira (17), a maioria esmagadora era a favor de que cantassem o Hino em massa. A verdade é que sentimentos ufanistas assustam, sobretudo por sabermos, historicamente, que nunca geraram bons frutos. Estudos apontam que o ideário nacionalista brasileiro, em sua trajetória, poucas vezes chegou às classes populares (por que será?), pertencendo aos militares. Um comentário bastante sensato feito na mesma enquete, colocou que o “hino é um instrumento que forja uma falsa unidade nacional”. Se a mundialização do capital está posta, a necessidade da mundialização da luta é latente. Para isso, nada de bandeiras do Brasil em volta de nossos corpos, nada de “pátria amada, idolatrada”.
É batido, mas Marx já justificara por A + B que “os operários não têm pátria” e, por mais que devamos lutar pelas condições horrendas as quais nos coloca o capitalismo, isso não tem a ver com o “orgulho de ser brasileiro”, mas com o orgulho de sermos humanos.
E aqui nasce uma nova preocupação: até ontem pairava no ar um espectro do oportunismo da “grande” mídia, que, aparentemente, pareceu ter sido desmistificado com as recentes publicações da Globo e seus atores com olhos pintados fazendo uma alusão à jornalista acertada covardemente com uma bala de borracha no olho, depois nos deparamos com um link a ser compartilhado nas redes sociais que trazia dicas de “Moda para protesto, roupa de guerra” - a estilista pop global, Gloria Kalil, já havia soltado no site dela opções de roupas (sic!) para ir ao ato. Agora, qualquer dúvida que ainda tínhamos sobre um possível oportunismo ficou clara ao nos depararmos com - o sempre tão incisivo - Arnaldo Jabor voltando atrás em relação a quando deslegitimizou as primeiras manifestações comparando-as com ações do PCC, vitimizando os policiais e ressaltando a ignorância política dos manifestantes. Ele se redime e depois compara o movimento ascendente com o, exaltado pela própria Globo, Caras Pintadas (o movimento pode ter se originado de uma indignação, mas logo foi absorvido pela maior rede de TV do Brasil... Ah! A mesma emissora que ajudou na eleição do Collor). Daqui a pouco, veremos propagandas de refrigerantes convocando o Brasil pras ruas, presenciado o maior “jogo” já visto... A arte de mercantilizar a revolução.
Pra não dizer que não falamos dos espinhos, ter os povos nas ruas, em massa, não é sempre sinal de mudança popular. Em 1964, os setores conservadores da sociedade tremeram com a “ameaça comunista” (ainda com Jango no poder), que representava, na verdade, uma “ameaça” à propriedade privada e foram às ruas, em meio milhão de pessoas, com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Dias depois, instaurada a Ditadura Militar, um milhão de pessoas marcaram presença na Marcha da Vitória, comemorando o início de duas das piores décadas que já vivemos. Estamos preocupados com o rumo que esse levante popular pode tomar e com a associação dele a um discurso midiático vazio.
Não queremos ver uma marcha à la TFP, com pessoas vestidas de branco, cantando o hino e levantando bandeiras com os dizeres “Cansei”. Precisamos de sujeitos engajados em uma luta comprometida com os movimentos sociais e populares, aliados aos anseios dos trabalhadores!
Reiteramos, mais uma vez, nosso ânimo e contentamento em viver tudo isso, mas mantenhamos os pés no chão para não defendermos um discurso uníssono no qual o senso comum pode se misturar com o que deveria ser um discurso crítico e de esquerda.

Camila Petroni é historiadora pela PUC-SP, Assistente Editorial e mestranda em História Social pela PUC-SP. Lattes:http://lattes.cnpq.br/371694913814605
Débora Lessa é socióloga pela PUC-SP, Professora de Sociologia e mestranda em Ciência Política pela PUC-SP. Lattes:http://lattes.cnpq.br/2369964242733352

2 comentários:

  1. Este momento pode ser considerado um marco na história do Brasil porque vemos, pela primeira vez em aproximadamente 20 anos, uma real mobilização popular. Todos viam o estado em que o país se encontrava – corrupção alta, deficiência dos poderes públicos, entre outros que traziam consequências preocupantes – porém, ninguém fazia nada a respeito. É possível dizer que o gigante de fato acordou, mas ainda há muito a ser feito para que esta mobilização se torne um movimento. Para que isso aconteça, primeiramente, os próprios brasileiros devem ter uma maior consciência política.
    Esta manifestação ocorreu quando um ato do governo atingiu negativamente a grande massa e logo tomou outros rumos quando esta passou reivindicar as soluções das inúmeras mazelas do país. Porém, poucos sabem como estas podem ser feitas, ou como elas atingem outros aspectos da sociedade. Apesar de todos verem que o país passava por sérios problemas, poucos são os jovens que de fato sabem o que eles significam. Por exemplo: todos sabem que a inflação é uma coisa ruim, mas poucos entendem no que ela consiste. Não são muitos os que sabem explicar qual o papel do presidente, ou dos senadores, ou dos sistemas executivos, legislativos e judiciários. Sendo assim, não é possível encontrar um discurso forte se o próprio povo não consegue formula-lo. É fácil clamar por segurança, por melhorias na saúde ou na educação, mas para isso, antes de tudo, é preciso que todos entendam como se pode consegui-las, para que assim se consiga um discurso, um objetivo, um movimento forte que realmente atinja o governo do país. Vivemos em um Brasil governado por corruptos, que sempre tentarão encontrar maneiras de driblar a população. Isto é fácil conseguir com uma população alienada. Apenas com uma sociedade consciente que se consegue mudança, mas a mentalidade de toda uma população não muda de uma hora para outra.
    Portanto, estas mobilizações podem sim ser consideradas um bom começo, mas a própria sociedade deve mudar se querem que o Brasil mude. Devemos parar de apenas apontar o erro e exigir que ele seja corrigido, mas devemos saber explica-los, sendo capazes de enxergar os problemas como eles realmente são, sem olhar apenas para o “óbvio”. Deste jeito, poderemos arranjar a solução por nós mesmos e demanda-la do governo, construindo assim, aos poucos, um novo Brasil.

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  2. É claro que o Brasil enfrenta problemas que são peculiares, porém a luta contra o histórico de exploração por outros continentes não é uma causa exclusiva de nosso país. A América Latina como um todo levanta bandeiras similares. A tão sonhada reforma agrária, que acabaria com a terrível herança da concentração de grandes áreas de terra nas mãos de poucos e que já é uma realidade na maioria dos países latino americanos, enfrenta barreiras colossais para ser realizada na "tão querida pátria amada". Enquanto isso, defensores de direitos humanos são mortos diariamente pelas mãos da nossa bandeira verde-amarela, principalmente no Pará, na luta pela efetivação do direito à terra. As políticas públicas são mínimas e ineficientes para impedir que outros El Dorado dos Carajás se repitam. Michel Foucault nos auxilia a compreender e forjar resistências capazes de desequilibrar esse cenário, a partir dos comentários sobre biopolítica, soberania e disciplina, segurança território e população, entre outros. Por essas e outras não me sinto minimamente confortável em hastear a bandeira da ordem e do progresso, a bandeira que carrega em seu lema inúmeros atentados e excessos contra um povo que não cabe em delimitações geográficas arbitrárias.

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