quarta-feira, 12 de junho de 2013

Michel Foucault, um crítico da instituição escolar

Publicado em: http://revistaescola.abril.com.br/



Poucos pensadores da segunda metade do século 20 alcançaram repercussão tão rápida e ampla quanto o francês Michel Foucault (1926-1984). Por ter proposto abordagens inovadoras para entender as instituições e os sistemas de pensamento, a obra de Foucault tornou-se referência em uma grande abrangência de campos do conhecimento. Em seus estudos de investigação histórica, o filósofo tratou diretamente das escolas e das idéias pedagógicas na Idade Moderna. Além disso, vem inspirando uma grande variedade de pesquisas sobre educação em diversos países. "Foi Foucault quem pela primeira vez mostrou que, antes de reproduzir, a escola moderna produziu, e continua produzindo, um determinado tipo de sociedade", diz Alfredo Veiga-Neto, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em vez de tentar responder ou discutir as questões filosóficas tradicionais, Foucault desenvolveu critérios de questionamento e crítica ao modo como elas são encaradas. A primeira conseqüência desse procedimento é mostrar que categorias como razão, método científico e até mesmo a noção de homem não são eternas, mas vinculadas a sistemas circunscritos historicamente. Para ele, não há universalidade nem unidade nessas categorias e também não existe uma evolução histórica linear. O peso das circunstâncias não significa, no entanto, que o pensador identificasse mecanismos que determinam o curso dos fatos e os acontecimentos, como o positivismo e o marxismo. 

Investigando o conceito de homem no qual se sustentavam as ciências naturais e humanas desde o iIuminismo, Foucault observou um discurso em que coexistem o papel de objeto, submetido à ação da natureza, e de sujeito, capaz de apreender o mundo e modificá-lo. Mas o filósofo negou a possibilidade dessa convivência. Segundo ele, há apenas sujeitos, que variam de uma época para outra ou de um lugar para outro, dependendo de suas interações. 

Disciplina e modernidade

Foucault concluiu, no entanto, que a concepção do homem como objeto foi necessária na emergência e manutenção da Idade Moderna, porque dá às instituições a possibilidade de modificar o corpo e a mente. Entre essas instituições se inclui a educação. O conceito definidor da modernidade, segundo o francês, é a disciplina - um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes. Portanto, ao mesmo tempo que o iluminismo consolidou um grande número de instituições de assistência e proteção aos cidadãos - como família, hospitais, prisões e escolas -, também inseriu nelas mecanismos que os controlam e os mantêm na iminência da punição (leia o quadro acima). Esses mecanismos formariam o que Focault chamou de tecnologia política, com poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações - tendo como elemento unificador a hierarquia. "As sociedades modernas não são disciplinadas, mas disciplinares: o que não significa que todos nós estejamos igual e irremediavelmente presos às disciplinas", diz Veiga-Neto.

O filósofo não acreditava que a dominação e o poder sejam originários de uma única fonte - como o Estado ou as classes dominantes -, mas que são exercidos em várias direções, cotidianamente, em escala múltipla (um de seus livros se intitula Microfísica do Poder). Esse exercício também não era necessariamente opressor, podendo estar a serviço, por exemplo, da criação. Foucault via na dinâmica entre diversas instituições e idéias uma teia complexa, em que não se pode falar do conhecimento como causa ou efeito de outros fenômenos. Para dar conta dessa complexidade, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Segundo ele, não há relação de poder que não seja acompanhada da criação de saber e vice-versa. "Com base nesse entendimento, podemos agir produtivamente contra aquilo que não queremos ser e ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em que vivemos", explica Veiga-Neto.

Arqueologia do saber

A contestação e a revisão de conceitos operadas por Foucault criaram a necessidade de refazer percursos históricos. Não é sobre os governos e as nações que ele concentra seus estudos, mas sobre os sistemas prisionais, a sexualidade, a loucura, a medicina etc.

Três fases se sucederam em sua obra. A da arqueologia do conhecimento é marcada pela análise dos discursos ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias históricas, em busca de um saber que não foi sistematizado. A genealógica corresponde a um conjunto de investigações das correlações de forças que permitem a emergência de um discurso, com ênfase na passagem do que é interditado para o que se torna legítimo ou tolerado. Finalmente, a fase ética centra o foco nas práticas por meio das quais os seres humanos exercem a dominação e a subjetivação, conceito que corresponde, aproximadamente, a assumir um papel histórico.

A docilização do corpo no espaço e no tempo

Para Foucault, a escola é uma das "instituições de seqüestro", como o hospital, o quartel e a prisão. "São aquelas instituições que retiram compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou social mais amplo e os internam, durante um período longo, para moldar suas condutas, disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que pensam etc.", diz Alfredo Veiga-Neto. Com o advento da Idade Moderna, tais instituições deixam de ser lugares de suplício, como castigos corporais, para se tornarem locais de criação de "corpos dóceis". A docilização do corpo tem uma vantagem social e política sobre o suplício, porque este enfraquece ou destrói os recursos vitais. Já a docilização torna os corpos produtivos. A invenção-síntese desse processo, segundo Foucault, é o panóptico, idealizado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832): uma construção de vários compartimentos em forma circular, com uma torre de vigilância no centro. Embora não tenha sido concretizado imediatamente, o panóptico inspirou o projeto arquitetônico de inúmeras prisões, fábricas, asilos e escolas. Uma das muitas "vantagens" apresentadas pelo aparelho para o funcionamento da disciplina é que as pessoas distribuídas no círculo não têm como ver se há alguém ou não na torre. Por isso, internalizam a disciplina. Ampliada a situação para o âmbito social, a disciplina se exerce por meio de redes invisíveis e acaba ganhando aparência de naturalidade.

9 comentários:

  1. Em seu livro Vigiar e Punir , Foucault demonstra claramente como os sistemas de tortura aplicados nos estados absolutistas passaram para "simples" modelos de disciplinarização dos corpos. O filósofo explica que antes, o poder era exercido por uma pessoa, e qualquer afronta a esse poder, era uma afronta a essa autoridade, que poderia punir o "agressor" da maneira que melhor lhe aprouvesse. Com o surgimento do estado moderno e da república moderna, o poder mudou de foco. Consequentemente, um novo sistema de repressão precisava ser criado. Precisava-se de um sistema que criasse, como o próprio Foucault fala, criar corpos úteis e dóceis,uma vez que as execuções teatrais dos tempos do absolutismo instariam um sistema judicial-penal instável, gerando crises para aquele novo modelo de governo. E assim surgiu a disciplinarização dos corpos, presente nos hospitais, nos exércitos, nas prisões. E nas escolas, que vieram como uma mecanismo eficaz de controle das massas, incutindo desde cedo nas crianças o que elas podem ou não fazer.

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  2. O que Foucault disse no século XX se reflete perfeitamente hoje, pois através da mídia estamos sempre sendo influenciados a mudar nosso comportamento,estamos sendo transformados por essa “rede invisível” como ele diz, estamos tão acostumados que achamos isso normal, não percebemos que os meios de comunicação nos dizem o que vestir, o que comer, e através deles o governo também nos controla nos medicando e mostrando o jeito certo de viver. Outro exemplo que ele estava certo é essa nova lei da internação compulsória que nada mais é uma forma de transformar o comportamento das pessoas sem se importar com as elas, no que realmente precisam.

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  3. ANNIELY FREITAS
    A escola e das primeiras instituições sociais a que o individuo e incorporado,e a ela e atribuída a função de inserir no individuo os comportamentos, pensamentos considerados corretos pelo meio, e de eliminar/ todos os traços pessoais que possam representar uma ameaça a ordem social.
    Esse processo de dogmatização de "socialização" do individuo e resultado principalmente do modo como o processo de ensino aprendizado ocorre nas escolas,ou a chamada Educação bancaria como foi denominada por Paulo freire, um modo de educação burguesa onde o prof. vai ser o detentor do saber (sendo que esses saberem são apenas aqueles considerados importantes e com alguma utilidade para o estado e as classes burquesas) e responsável por repassa-lo para os alunos que são entendidos como meros receptáculos.onde segundo Freire matar essa curiosidade,espirito investigativo etc. presente no homens, com o objetivo de faze-lo aceitar as regras e modo de organização pre determinado pela sociedade.

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  4. Até hoje ainda é refletido o pensamento de Foucault,pois somos influênciados a agir de acordo com os moldes da sociedade e quem não esta adequado a esses padrões acaba sendo marginalizado e banido dessa sociedade, a escola é um dos principais meios dessa dominação,pois desde pequenos somos doutrinados o como se comportar e agir de acordo com as normas sociais.
    A midia também impõem padrões, passando a controlar o modo de se vestir,se comportar, andar e até mesmo pensar.

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  5. Pode-se fazer uma analogia bastante interessante entre o pensamento de Foucault exposto acima e a realidade atual da sociedade brasileira, já que o poder disciplinar rege as relações em nossa sociedade.
    Foucault afirma que em uma monarquia o corpo do rei era essencial, ou seja, sua presença física era de extrema necessidade para o funcionamento pleno da monarquia. Podemos associar isso as mudanças que ocorreram nas formas de controle exercidas pelas instituições como a família, hospitais, prisões e escolas que exerciam controle sobre o corpo social através de punições e passaram a implantar a docilização dos corpos como forma de controle, gerando assim corpos produtivos. Junção perfeita para uma sociedade capitalista: controle da população e lucro produzido pela mesma. Pode-se concluir então que a relação poder-corpo é essencial, assim como na monarquia o corpo do rei é importante o corpo social também tem sua função. Dessa forma a concepção de que o poder disciplinar através da docilizaçao dos corpos obtém melhores resultados do que a punição fez com que se modificasse a forma de exercer o poder, mudança essa que constitui as relações hoje. Um poder camuflado que exerce seu controle através das instituições já citadas e através dos veículos de difusão como a mídia.

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  6. Interessante a citação do texto sobre o Panóptico de Bentham, pois esse mecanismo funciona como um instrumento de ordem psicológica muito mais do que de punição, pois o individuo introjeta as relações de poder existente em si e já não precisa realmente de um vigia. atualmente esse modelo de panóptico - embora seja utópico- pode ser presumido através dos sistemas de vigilância modernos, onde câmeras estão em lugares publicos e privados - ate mesmo entro de residências- alterando o comportamento das pessoas, que ao se sentirem vigiadas -destaca- se a sensação de vigilância constante- reprimem certas expressões e atitudes. Portanto Foucault interpretas as relações de poder muito além de maquinarias políticas legais, estendendo-se - se a toda a sociedade,por conseguinte, em nossas relações cotidianas não escapamos ao olha vigiador e punitivo do outro, o que faz que alteremos nossos desejos e vontades para escaparmos do olhar punitivo e vigiador do outro.

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  7. Lorena Fernandes
    Para Foucault os fatos históricos são necessários para qualquer argumento a respeito dos segmentos humanos, seguindo métodos de análise para chegar a origem do conhecimento. O conhecimento sobre o homem não fica apenas preso em uma teoria, mas o é considerado como objeto da sua existência, sempre relacionado a temporalidade com o ser. Ele acaba produzindo uma forma critica de enxergar a da condição humana. Foucault problematizou essa a forma clássica de pensamento que define a consciência como único método para se alcançar a verdade e a que todos deveriam se submeter a um sistema de pensamento coletivo. Até hoje somos criados para nos submeter a tendências pradonizativas através de costumes, da mídia e do meio histórico-social em que vivemos. Os que ficam a margem disso deixam de ser aptos para o convívio e interação com a sociedade e tornam-se desviantes das normas comuns.

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  8. As relações de poder estabelecidas entre as pessoas e suas implicações na subjetividade do indivíduo constituem uma problemática que requer a atenção não apenas de filósofos, sociólogos, psicólogos, antropólogos, historiadores e demais profissionais das Ciências Humanas; necessita de uma análise global e interdisciplinar que procure, a partir da noção de cidadania e de livre-arbítrio, uma intervenção no plano das políticas públicas e da prática profissional que trabalhe com a proteção e acolhimento de populações vulneráveis, assim como na promoção da saúde, educação, segurança, esporte, lazer, enfim, dos direitos básicos aos quais elas têm direitos. Tais relações de poder, ao contrário do que se pensa, não se restringem à um plano puramente econômico ou político/estatal, mas se configuram através de complexas teias distribuídas nos âmbitos da sociedade públicos e privados. Vejamos a questão da disciplina, problematizada por Foucault:
    “O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa (...) a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. (...) A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’.” FOUCAULT, Michel; Vigiar e Punir, pág. 164.
    A disciplina, portanto, é um instrumento de dominação dos corpos que se sustenta por relações de saber-poder – estabelecidas entre pessoas e profissionais/intelectuais detentores de saberes científicos – que:
    1. Dão-se por sugestão: o assujeitamento de indivíduos não ocorre de forma impositiva, mas sugestiva, mostrando-se eficiente na medida em que os sujeitos, além de introjetarem as relações de saber-poder, as propagam através das instituições e meios de convívio social.
    2. São estabelecidas por convenções, ou seja, necessitam de uma elaboração e aprovação prévias. O método científico de apreensão da realidade e sua sistematização, visando a padronização da natureza e dos indivíduos foi, e ainda é tido como sistema padrão; a ciência é constituída por saberes validados e utilizados freqüentemente como verdade absoluta. Não se pode esquecer, contudo, que a formulação de saberes científicos apresenta objetivos específicos e coerentes com os interesses dos grupos intelectuais envolvidos.
    3. Atuam e se propagam em pequenos espaços sociais, em especial na família, primeira instituição que introjeta valores sociais e relações de poder em seus componentes. O espaço familiar é regulamentado por instrumentos de poder, que por sua vez, são reproduzidos por seus indivíduos. O controle de uma nova vida, desde o pré-natal até a delimitação do espaço escolar, das matérias ministradas e das relações interpessoais estabelecidas, demonstra o quanto a disciplina como aparelho regulamentador interfere nas relações mais básicas.
    A escola é uma instituição social promotora dos processos de assujeitamento e docilização dos indivíduos que nela são inseridos. Foucault, em suas obras, demonstra certa preocupação com o “aprisionamento” imposto às crianças num espaço que as padroniza, disciplina, regula, a partir de regras e normas morais e éticas. Durante o período da modernidade, profissionais institucionalizadores de uma prática biopolítica de controle social – médicos, enfermeiros, psiquiatras, pediatras, pedagogos e psicólogos, dentre outros – preocupavam-se em apartar e isolar pessoas categorizadas como anormais (e perigosas para a garantia da seguridade social); tal prática foi promovida posteriormente não apenas nos âmbitos hospitalar e prisional, mas também no escolar, familiar e a comunitário. Desta forma, o papel do psicólogo, atualmente, é se apropriar deste conhecimento e a partir dele construir, em parceria com os grupos sociais e o Estado, práticas institucionalizadas e/ou informais de promoção do bem-estar e da qualidade de vida às populações em geral.

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