terça-feira, 28 de maio de 2013

O DSM-V e a fabricação da loucura

Publicado em: http://cebes.org.br/default.asp

De Fernando Freitas e Paulo Amarante*

Entre os dias 18 e 22 de maio, durante o congresso anual da Associação de Psiquiatria Americana (APA), foi oficialmente apresentada a nova edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM).

O DSM-V chega precedido por uma forte rejeição nos meios psi.  Por todos os cantos do mundo estão aparecendo petições, chamadas ao boicote, declarações, artigos  e livros publicados, assinados principalmente por especialistas, denunciando o Manual como uma obra "perigosa" para a saúde pública. 

A questão de base é que o DSM-V, mais do que nas versões anteriores, fabrica doenças mentais; o que faz com que enormes contigentes populacionais  passem a ser considerados doentes e, como consequencia, a consumir medicamentos psiquiátricos. 

É bem verdade que as versões anteriores também vieram a público provocando controvérsias. Publicado pela primeira vez em 1952, com uma lista de menos de 100 patologias (de inspiração freudiana, assim como a edição de 1968), a cada nova edição um número maior de categorias de doenças mentais aparece. A edição ainda em vigor, o DSM-IV, apresenta 297 patologias mentais. Através da versão preliminar disponível na Internet desde 2010, estima-se que o DSM-V tenha um número ainda maior de categorias de diagnóstico. 

Esse aumento crescente das categorias de diagnóstico sugere haver uma tendência inexorável da psiquiatria para transformar comportamentos e experiências do cotidiano em patologias mentais, o que tem sido objeto de crítica a cada nova edição que aparece. 

Nos Estados Unidos, onde o movimento contra o DSM começou, um dos críticos mais contundentes é o próprio Allen Frances, o psiquiatra que dirigiu a edição precedente. O prestigioso Instituto Americano de Saúde Mental (National Institute of Mental Health, NIMH) se negou a ver o nome da entidade associado ao DSM-V. Esse fato político é da maior relevância, na medida em que o NIMH é o maior patrocinador da pesquisa em saúde mental em escala mundial. "Os pacientes que sofrem de doenças mentais valem mais do que isso", justificou seu diretor, Thomas Insel, em um comunicado, explicando que o NIMH "reorientaria suas pesquisas fora das categorias do DSM", devido ao fato da sua fragilidade no plano científico.  

Na França, o combate vem se dando há pelo menos cinco anos, pelo coletivo Stop DSM , conforme noticiado pelo Le Monde em sua edição de 15 de maio último. Os profissionais que formam esse coletivo se insurgem contra o que eles chamam de "pensamento único" do Manual. Recomendamos a leitura do manifesto do movimento em sua versão em português.
Apesar da vultosa soma de dinheiro empregado para a elaboração do DSM-V, cerca de 25 milhões de dólares, o Manual parece deixar muito a desejar sobre o plano científico. Uma das principais críticas é que a sua lógica está mais do que nunca profundamente dominada pelos interesses da indústria dos psicofármacos. O conflito de interesses intelectuais parece estar hoje escancarado, conforme foi denunciado, por exemplo, por ninguém nada menos do que Allen Frances. 57 associações de saúde mental propuseram um exame independente, o  que foi  ignorado pelos formuladores do  DSM-V.

Novas patologias têm sido sugeridas, algumas bastante bizarras, como por exemplo, a "síndrome de risco psicótico".  A propósito, Allen Frances tornou pública a seguinte observação, feita após uma conversa com um colega: "Esse médico estava muito excitado com a idéia de integrar ao DSM-V uma nova entidade, a ‘síndrome de risco psicótico', visando a identificar precocemente transtornos psicóticos. O objetivo era nobre, ajudar os jovens a evitar o fardo de uma doença mental severa. Mas eu aprendi trabalhando nas três edições precedentes que o inferno está cheio de boas intenções. Eu não poderia permanecer em silêncio". Essa patologia parece ter sido retirada da versão final. 

Mas há outras patologias que parece que virão, como "transtornos cognitivos menores".  O coletivo francês Stop DSM, prevê que a perda da memória fisiológica com a idade irá se tornar uma patologia em nome da prevenção da doença de Alzheimer. Podemos bem imaginar numerosas pessoas com a prescrição de testes inúteis e custosos, e com medicamentos cuja eficácia ainda não foi de fato validada e cujos efeitos a longo prazo são desconhecidos.

Outro exemplo é a patologização do luto, com a ampliação dos "transtornos de depressão".  Quer dizer, após duas semanas de luto, com a aparência deprimida do enlutado será possível diagnosticar episódios depressivos maiores e com isso a prescrição de antidepressivos.  

Finalmente, mais um exemplo: "transtorno de desregulação pertubadora do humor".  O que  certamente  levará  a  que banais  cóleras  infantis sejam transformadas em  uma  patologia  mental. 

Para  concluir, mais uma outra citação  de Allen  Frances:  "Quando nós  introduzimos no  DSM-IV a  síndrome  de  Asperger,   forma menos  severa  de  autismo,  nós  havíamos estimado que   isso  multiplicaria o  número de casos por três. De  fato,  eles  foram multiplicados por  quarenta,  principalmente porque  esse diagnóstico permite ter  acesso  a  serviços particulares  na escola  e fora  dela. Por  conseguinte,  ele  foi colocado  em crianças que não tinham todos  os critérios". 

No Brasil, o 18 de maio é um dia que representa para nós o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, expressão nacional de luta contra todas as formas de violência, exclusão, mercantilização e medicalização do sofrimento e da vida cotidiana. Nós nos solidarizamos às dezenas de entidades que estão se manifestando neste momento frente à sede do Congresso da APA, em San Francisco, Los Angeles, USA. São usuários dos serviços psiquiátricos que se consideram “Sobreviventes do Sistema Psiquiátrico”, são os profissionais de saúde mental e de pesquisa, reunidos contra o DSM-V e sob a palavra de ordem Occupy APA in San Francisco. Queremos aproveitar a ocasião para lançar aqui no Brasil o nosso movimento BASTA DSM.

*Professores e pesquisadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde mental e Atenção Psicossocial (LAPS;ENSP;Fiocruz) e Diretores Nacionais da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). Paulo Amarante é ainda Diretor do Cebes e da Revista Saúde em Debate

22 comentários:

  1. Vivemos em uma sociedade em que tudo gira em torno de obtenção do lucro,chegando ao ponto da vida do ser humano ser tratada como uma mercadoria.
    As redes farmacológicas passaram a dominar o mundo através da medicalisação da vida, pois qualquer problema que temos desde uma dor de cabeça até algo mais grave recorre-se logo a um remedio,e na maioria dos casos ao ir a um medico logo somos enchidos de medicamentos sem mesmo saber se o que temos não pode ser tratado de uma outra maneira.
    No caso dos psiquiatras a cada dia inventam uma "Doença" e tudo so pode ser tratado com medicamentos mesmo que seja um simples transtorno que pode ser repassado a um psicologo que investira em outras formas de tratamento,entretanto é mais fácil passar um remédio e ganhar o dinheiro da consulta a investir em outros tipos de tratamento e isso faz com que se fique a cada dia mais dependente desses tipos de medicamentos, chegando ao ponto de não conseguir mais obter uma vida social sem ele.

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  2. O DSM é realmente um livro que fabrica doenças, mas só chegou a sua 5ª edição porque os indivíduos acreditam na sua veracidade, Foucault em Microfísica do Poder nos mostra que o poder é algo circular, que só funciona em cadeia. E seguindo o pensamento dele percebi que acreditamos na ciência, nesse caso no médicos, porque demos poder a eles e por consequência eles produzem “verdades’ “ que exercem poder sobre nós, como uma roda que nunca para de girar. E este circulo de poder busca sempre algo, para eles o lucro, através da indústria de fármacos para tratamento psiquiátrico e para nós a busca da “verdade”.
    Mas o DSM-V quebrou este circulo ao tentar nos subordinar as suas novas doenças, devemos continuar lutando contra ele para que pessoas não sejam diagnosticas com doenças sem comprovação cientifica e também para que o circulo se feche e o poder em cadeia volte a funcionar.

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  3. O normal e o patológico atualmente tendem a se diferenciar, incentivando, cada vez mais, a necessidade de rotular todas as variáveis do comportamento humano. Se a freqüência de determinado comportamento aumenta e, ao mesmo tempo, difere do considerado padrão pela sociedade – ou pelos médicos- este já entra na pauta para a próxima edição de um DSM.
    A antiga necessidade humana de prever e controlar o ambiente e seus componentes, gerando, assim, a tão almejada organização ou padronização, parece influenciar, mesmo que não de forma tão clara, a atual rotulação de desníveis de comportamento, servindo, teoricamente, para retardar o desenvolvimento de transtornos, estando, portanto, a serviço da manutenção da saúde mental.
    Entretanto, cresce o número de diagnósticos, por muitas vezes, exagerados, patologizando vertentes do comportamento onde tal precisão é, na verdade, muito mais complexa de obter-se. O texto aborda, por exemplo, a patologização do luto, onde o paciente é tido como em estado depressivo se em tantas semanas persistir a aparência deprimida. Ou seja, estipulam-se prazos para uma melhora, pois caso contrário você está doente, ignorando completamente a individualidade de cada pessoa, assim como o tempo diferenciado para se lidar com a morte. Algo primordial para as ciências socias e humanas é ignorado: somos dotados de uma subjetividade privatizada, não sendo, portanto, tão passíveis a generalizações.
    Além disso, o aumento de transtornos leva ao aumento de remédios, os quais, em parte, nem sequer têm sua eficácia comprovada, submetendo várias pessoas aos seus efeitos colaterais, além de aumentar a idéia de medicalização da vida. O efeito placebo, hoje, expande-se cada vez mais.
    Não há como continuar a incentivar esta rotulação de qualquer devaneio que o homem sempre virá a apresentar por ser exatamente isso: um ser complexo e em constante mudança. Cada qual apresenta sim alguma diferença do que é considerado padrão, não havendo a necessidade, entretanto, de patologizar e medicar, sempre precisando levar em consideração a nossa própria singularidade.

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  4. Vejo isso apenas como mais uma forma de controle social por meio da qual a sociedade capitalista obtém lucro. Tudo é negociado facilmente, a vida, a educação, a segurança, a saúde são tratadas como mercadorias. Assim o Sistema produz “loucos” através das inúmeras patologias. Uma conduta desviante, um comportamento que foge as normas sociais serão motivos para a medicalização, ou melhor, servirão como justificativa para alimentar o capitalismo formando cada vez mais consumidores. Sem ter a preocupação com as consequências desse consumo descontrolado de medicamentos.
    Nós nos tornamos vítimas do Sistema, mas isso só ocorre porque permitimos. Há uma gama de rotulações para enquadrar o indivíduo em certas categorias facilitando assim o controle sobre o mesmo. Neste ponto se encaixa a questão do DSM, considerado a bíblia da psiquiatria, muitos o consideram como verdade absoluta sem questionar se realmente há veracidade ou se é apenas mais uma forma camuflada de controle.

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  5. Através deste artigo, publicado acima, podemos analisar o quanto a medicalização está presente, cada vez mais, em nosso cotidiano. Isso, para alguns, como, por exemplo, para a indústria farmacêutica, integrantes do serviço psiquiátrico, significa uma obtenção de lucro de intensa magnitude. Porém, para outros, como os pacientes que são medicalizados com tais doenças e suas respectivas famílias, isso retrata, na maioria das vezes, sem eles sequer tomarem conhecimento, uma grande realidade de obtenção de lucro. Contra isso, podemos observar uma vasta luta de diversas ambitos da sociedade. Mas, para que isso nao se alastre de forma tão significativa, devemos, de forma muito particular, tomar consciência de que essa luta tambem é nossa, diariamente. Não só porque faz parte da nossa área acadêmica, mas deviso esse assunto possuir uma grande influência sobre as nossas populações.

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  6. É nítido que essa porção de novas doenças criadas no novo DSM-V tem a ver com o fluxo de capital que gira em torno de interesses maiores da Farmacologia e da Psiquiatria. Para a indústria farmaceutica faz-se necessário a saída de medicamentos e para os psiquiatras diagnosticar mais e mais possíveis doenças. Nota-se que qualquer indício de tristeza, imperatividade ou como no texto acima foi citado "doenças que previnem doenças mais graves"agora é denominado de enfermidade. É necessário que seja feita uma avaliação rigorosa nesse novo DSM para que a sociedade não seja engolida pelos comprimidos.

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  7. Antes de tudo, devemos entender o normal e o patológico como construções sociais advindas das relações de saber-poder que visam criar distinções na sociedade afim de melhor controlá-la através de discursos de verdade dominantes. Dessa forma, podemos compreender a construção da loucura como uma arma ideológica utilizada pelos grupos dominantes a fim de criar uma certa ordem estável na sociedade, modelando-a segundo seus interesses, ou seja, docilizando-a para garantir a dominação política – pessoas apáticas sem postura crítica – e normalizando-a a fim de tirar dela sua utilidade dentro do sistema de exploração capitalista, resumindo: o saber-poder como uma relação de adestramento de corpos desviantes que se encontram fora dos padrões normalmente aceitos, corpos improdutivos e “perigosos”. Pode parecer, para muitos, paradoxal o mesmo sistema que visa à utilização máxima dos corpos, criar uma lógica patologizante que transforma porções da sociedade em núcleos improdutivos, entretanto, não devemos esquecer que, na atualidade, os tentáculos do capitalismo penetram em todo o tecido social, extraindo vantagens econômicas de diversos fenômenos sociais, evidentemente que a “loucura” se mostrou como uma grande fonte de lucro. A loucura é não somente uma construção social; é uma construção dos médicos, estes profissionais da norma que, com “sua posição de intelectual na sociedade burguesa (...) e seu discurso enquanto revelador de uma determinada verdade” (Michel Foucault, 1972; p. 129-142) controlam os corpos considerados como desviantes em prol de seu próprio benefício, já que estes mesmos médicos e seus oligopólios são, muitas das vezes, os mesmos acionistas e controladores das empresas farmacológicas produtoras dos medicamentos injetados na vida de forma abusiva, descontrolada e descompromissada, pois ainda não se conhece todos os efeitos a longo prazo de vários destes medicamentes, além de eles muitas vezes, em vez de tratarem a suposta doença criam sérias dependências em seus usuários. Portanto, a grande questão da medicalização da vida, do aparecimento a cada dia de novas enfermidades psíquicas e da dita construção da loucura tem sua origem na própria ciência, que inicialmente surgiu para melhorar a vida do homem e aliviar seus sofrimentos; a ciência degenerada e alienalizante, a ciência grande detentora do poder em seus discursos de “verdade”. O grande mal da civilização está em sua cegueira, em sua miopia progressiva por acreditar em todo que lhe aparece encoberto por um véu de cientificidade e se entupir de pílulas e tratamentos ineficazes, pois, como disse Foucault em A história da loucura: “Mas se o saber é tão importante na loucura, não é que esta possa conter os segredos daquele; ela é, pelo contrário, o castigo de uma ciência desregrada e inútil”.

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  8. A expansão do DSM possui em seu fundo uma característica comercial. A patologização exagerada tem como objetivo o lucro de indústrias farmacêuticas que se importam mais em enriquecerem do que realmente com a saúde mental. Medicalização imprudente, patologização e mecanização são características que gradativamente estão tomando espaço em nossa psiquiatria. Parece que estamos perdendo a sensibilidade do humanizar em nossa saúde, é mais simples passar uma receita com uma medicação e decretar uma patologia do que estudar aspectos sociais e emocionais que envolvem o indivíduo e que possivelmente são a origem e a verdadeira “cura” para problemas psíquicos.

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  9. O DSM vem trazendo para o mundo o que hoje chama-se de patologização da existência.É bem preocupante e um absurdo o que cada publicação acrescenta, agora qualquer evento da vida de um sujeito pode ser considerado um transtorno ou um potencial da existência, indicando que todos são transtornados e dependentes de algum tipo de medicação.O perigo é que esse livro é usado como referência em alguns países como o Brasil e a preocupação é como esse manual pode influenciar em diagnósticos displicentes e como as consequências podem ser grandes.A beleza do ser humano é aquilo que nos une é justamente a diferença. Somos iguais porque somos diferentes. A psiquiatria não pode padronizar e monopolizar a definição do que é "normal" ou anormal como tem acontecido em cada publicação dos DSM's como uma fonte de lucro para a indústria farmacêutica.

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  10. A falta de preocupação com o ser humano , expressa no excesso de medicamentos de fundos psiquiátricos os quais estamos submetidos, é no mínimo, alarmante. É triste observar que, tão somente por finalidades econômicas, um grupo massacrante de pessoas encontra-se refém de um conhecimento que pouco dominam, ditam suas vidas, criando seres doentes, e pior, que acreditam-se doentes. Que efeitos psicológicos uma pessoa carregará ao descobrir que, apenas por ficar duas a três semanas a mais de luto, está na verdade com depressão? Isto não apenas intensificaria a sua tristeza? Ou uma pessoa, segundo a DSM, que tem indícios de psicose? Ela, ao crer nisso , não poderia sentir-se excluída do seu meio,"diferente"? Infelizmente, a sociedade que cria a doença, pouco se interessa - se comparado com o tempo que demanda em criar novas patologias- com o verdadeiro processo de "cura" do ser humano.

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  11. Ìris Silva
    Será que um grupo de psiquiatras tem o poder de definir os limites entre o "normal" e o "anormal"?E com o novo DSM será que não ganhamos uma síndrome,um transtorno?
    No sentido em que as coisas estão caminhando,daqui a algum tempo coisas que nos parecem simples e "normais" irão se transformar em patologias.
    O DSM que ao menos na teoria tem como objetivo geral a precisão diagnóstica,ocasionando um tratamento adequado e especializado,parece estar mais interessado em transformar pessoas em doentes,e consequentemente em consumidoras,como diz Marcelo Quirino.

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  12. Anniely freitas

    A criação destas novas patologias pela DSM afim de satisfazer os interreses da industrias farmeceiticas, e um exemplo classico do processo de mercantilização que as doenças vem sofrendo nas ultimas decadas, onde a estrategia basica das intrustrias tem sido a de almenta o campo de alcance das “doenças” a fim de almenta assim o seu mercado consumidor.
    E a DSM que deveria ter por objetivo fornece um diagnostico seguro voltado para os interesses do paciente, parece ter esquecido esse compromisso e ter agora a única finalidade de servir a interesses comerciaias da industria.

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  13. A questão relativa à patologização da vida produzida por manuais de Psiquiatria é preocupante, na medida em que revela um sistema elaborado e penetrante de poder existente na sociedade. Tal sistema se utiliza dos saberes e discursos tendencionistas da Medicina/Psiquiatria no estabelecimento de um controle rígido sobre os corpos, com a finalidade de docilizá-los - seguindo uma lógica capitalista de alienação, utilização exploratória/exaustiva da produtividade individual e de comercialização dos medicamentos -, permitindo a manutenção da seguridade social. Este sistema de saber-poder não está restrito aos âmbitos hospitalar e familiar, tampouco se estabelece de forma fixa; pelo contrário: se apresenta de tal forma abrangente e interiorizada nas instituições sociais, tão dinâmica e adequada às demandas/interesses das minorias dominantes, que se sustentou e até hoje se sustenta nas sociedades. O mesmo é caracterizado por um complexo de relações de poder inter e intra saberes - validados e valorizados por seu caráter científico -, que são elaborados e manipulados à serviço de influentes grupos minoritários, como o farmacêutico, o empresarial, o industrial, o psiquiátrico etc. Em contrapartida, tais grupos não se beneficiam isoladamente; eles se constituem a partir de hierarquias, ou seja, se relacionam entre si a partir de relações de poder dinâmicas e móveis, porém mútuas, pois se unem em um objetivo comum (docilização e normatização dos corpos). Logo, esta discussão é de fundamental importância, a partir da qual podemos compreender, através de estudos e análises interdisciplinares, como se regulam e relacionam os sistemas de poder, assim como a perspectiva da Psicologia que problematiza a questão do sofrimento produzido por essa patologização, que segundo Freud, produz uma certa incerteza, perda da noção de "eu", como assinalado: " (...) Há casos em que partes do próprio corpo de uma pessoa, inclusive partes de sua própria vida mental – suas percepções, pensamentos e sentimentos –, lhe parecem estranhas (...)".

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  14. Não podemos perder esse senso crítico e simplesmente ir no modismo de mais um DSM, mais um transtorno, mais um não sei o quê. Às vezes tenho a impressão que a necessidade humana de complicar permeia tantas relações e profissões que nós que devíamos simplificar um pouco para facilitar a interação humana através de nossa profissão, nos metemos nesse "balaio de gato" e ajudamos a complicar ainda mais. É preciso criticidade!

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  15. Infelizmente, determinados "profissionais" fazem uso e abuso do "poder" que exercem. Isso pode ser percebido na grande quantia empregada na elaboração do DSM-V, que conta com a colaboração de médicos, por exemplo, porém sem a preocupação real e fiel às pessoas envolvidas prejudicadas com a inclusão de novas categorias de diagnósticos. Estes diagnósticos, por sua vez, em muitos casos, não são coerentes com a realidade da pessoa relacionada com uma determinada "doença", como o texto "O DSM-V e a fabricação da loucura" exemplificou no caso da síndrome de Asperger, quando o diagnóstico foi aplicado para certas crianças que não tinham todos os critérios para se enquadrar na síndrome em questão, ou seja, além de estarem patologizando aspectos normais da vida, fazem o próprio erro de forma errada. Esse fato remete ao pensamento das verdadeiras motivações dessas pessoas as quais representam certos grupos de interessados nessa patologização e consequente medicalização. Mostrando mais uma vez que além de não se importar com a pessoa diagnosticada, usando-a para ser mais um potencial consumidor, não se importa com o que isso pode causar realmente na vida dessas pessoas, pois, a mesma pode estar bem, mas por ser taxada de doente psicologicamente e/ou psiquiatricamente pode vir a sofrer reais problemas psicológicos. "Em outras palavras, a burguesia não se importa com os loucos; mas os procedimentos de exclusão dos loucos puseram em evidência e produziram, a partir do século XIX, novamente devido a determinadas transformações, um lucro político, eventualmente alguma utilidade econômica, que consolidaram o sistema e fizeram-no funcionar em conjunto. A burguesia não se interessa pelos loucos mas pelo poder(...)" (FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. XII SOBERANIA E DISCIPLINA Curso do College de France, 14 de Janeiro de 1976.)

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  16. E cada dia mais “surgem” ”novas patologias psicológicas”, ou seja, cada dia mais as pessoas estão ficando mais “loucas” e mais “doentes” e conseqüentemente as pessoas estão consumindo mais remédios psiquiátricos. Mas afinal, as pessoas estão realmente ficando “doentes” e “loucas” ou é apenas mais um mecanismo da nossa sociedade capitalista para obter mais lucro?!
    Lendo esse artigo, lembrei-me do livro O Alienista de Machado de Assis onde o Dr. Simão, um médico prestigiado, funda um manicômio na cidade onde morava. No começo as pessoas internadas tinham sintomas de loucura, entretanto, aos poucos pessoas consideradas normais pela sociedade também foram sendo consideradas loucas e internadas, até que em certo momento a maior parte da cidade estava no manicômio. Vejo uma possibilidade muito grande da ficção de um livro tornar-se realidade se essa fissura por lucro da nossa sociedade capitalista continuar e se nós formos alienados por essa sociedade pensando também que qualquer atitude “estranha” é patológica.
    Vejo como principais vitimas dessa indústria da “loucura” as crianças que aos poucos estão tendo os seus comportamentos cada vez mais controlados e com isso as crianças simplesmente tem sua personalidade controlada, não as deixando apenas SER. Uma criança não pode ser ativa de mais porque é hiperativa, não pode ser quieta de mais porque é hipoativa ou está com depressão, não pode ter dificuldades de aprendizagem porque é autista, tem déficit de atenção e assim vai.
    O problema é que a sociedade está doente e conseqüentemente, as pessoas também estão, ou se não estão, ficarão.

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  17. Israel Almeida

    Patologias são abstrações da realidade, uma patologia é um conjunto de sintomas que transgridem a saúde do indivíduo. Porém não se pode, classificar um determinado conjunto de sintomas como patologia só porque eles supostamente desvirtuam a saúde. Mas se patologizarmos todo e qualquer conjunto de sintomas ou atitudes, chegaremos num novo impasse: o que significa ser saudável ou normal? Se o corpo físico não está em harmonia, talvez poderei dizer que há uma doença, mas nem toda desarmonia da vida deve ser encarada como uma patologia.

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    1. É visível a banalização da própria vida humana, já que este manual utiliza das características individuais para criar patologias que geram o aumento do consumo de fármacos e tudo isso com fins lucrativos e sem a preocupação com a real realidade do que realmente aflige a vida cotidiana e que poderia ser motivo de intervenção médica.
      Podemos também presenciar uma forma de poder sendo colocada em prática e para exemplificar é possível fazer uma analogia com Foucault(referente as internações na idade clássica): "o controle gera lucro econômico, fundamento da ética burguesa. "
      Ou seja, o poder é imposto pelo desejo capitalista de buscar lucro até no que deveria ser preservado, que no caso, é a saúde humana. É uma forma também de padronizar os seres a partir de critérios e medidas que vão contra todas as variáveis e individualizações presentes na sociedade.

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  18. MariaAA

    Hoje está havendo uma "banalização" referente ao aumento dos tipos de Transtornos Mentais. O fato é que os sintomas de muitos transtornos assemelham-se uns com os outros, sendo diferenciados apenas por pequenos detalhes. Onde então é preciso um cuidado maior dos profissionais ao diagnosticar tais doenças. Considerando que a pessoa não possui o transtorno apenas por em um determinado momento da sua vida apresentar alguns sintomas.
    Ao aumentar as categorias dos transtornos, percebe-se o interesse ao capital, e não ao ser humano. Porque ocorrendo isso, a população que não se enquadrava em nenhuma dessas categorias, passa agora a fazer parte de algum tipo de transtorno. Que muitas vezes são apenas características de sua personalidade e não necessariamente uma doença, onde o indivíduo precisa procurar por tratamentos e medicamentos.
    Estão tornando assim uma população cada vez mais doente, que precisa de ajuda, sendo que na maioria das vezes não há a necessidade disso.

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  19. A criação de patologias e tratamentos para todo e qualquer tipo de comportamento, evidenciam uma relação onde o saber exerce poder sobre os corpos. Indivíduos que não tem esses saberes são guiados por indicações de outros os quais buscam, nesse caso, uma venda maior de fármacos e criam cada vez mais obstáculos para que se alcance o estado de normalidade — um exemplo claro disso está na patologização das crianças que apresentam comportamentos mais ativos e são julgadas, e muitas vezes diagnosticadas, como hiperativas.

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  20. Através deste artigo, fica evidente o quanto a vida humana tem sido banalizada por aqueles que deveriam ser os seus maiores defensores: os médicos. É obvio que, desde a primeira publicação do DSM, a ciência, assim como a sociedade, já passou por diversas mudanças, realmente identificando novas doenças mentais, bem como formas de cura-las ou trata-las. Porem, ao observarmos o exemplo dessas ditas patologias introduzidas nesta nova edição do DSM, vemos que ate mesmo o sistema de saúde foi “comprado”, uma vez que estas doenças poderiam ser tratadas de outras formas que não a medicalização, sem necessidade de um processo aonde a pessoa receberia o status de louca. O sistema, assim como quase todos os aspectos de nossas vidas, esta recebendo uma conotação corrupta, mascarada com um pragmatismo, pois se passa por cima da dignidade humana, porem, não visando o bem dos pacientes, e sim o lucro atingido com as internações em clinicas psiquiátricas e a crescente venda de remédios – estes, muitas vezes, alem de serem desnecessários a condição do individuo, fazem com que o paciente fique cada vez mais dependente do tratamento. Esta discussão abre espaço para diversos questionamentos a respeito do aumento de distúrbios mentais pesquisado em nossa atual sociedade: estudos mostram que nunca se houve tantos casos de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais adquiridos ao longo da vida. Este fato pode ate ter um que de verdade, mas será que estes, em sua maioria, de fato mereciam ser tratados como distúrbios mentais? Será que, com uma boa terapia psicológica, não poderia ter-se chegado à verdadeira raiz do problema, sem que a pessoa precisasse ser tratada com medicação, ou se submeter a situações humilhantes?

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