domingo, 14 de abril de 2013

Psicologia Jurídica: o exercício da subjetividade e a necessidade de controle do Estado



A articulação entre o exercício da subjetividade e a necessidade do Estado de exercer o controle social é o desafio central da Psicologia Jurídica. Contribuir na condução dos devidos processos legais exige dos psicólogos uma postura interdisciplinar que considere as dinâmicas sociopolíticas, o papel do Estado e as condições de exercício da subjetividade, que compõem o contexto específico de intervenção realizada. É esse entendimento amplo do papel do psicólogo jurídico que pode viabilizar novas formas de atuação mais adequadas às demandas atuais de nossa sociedade. De acordo com Foucault (1977), “a Psicologia, utilizada como instrumento disciplinar nas práticas de controle do Estado, classifica, especializa; distribui ao longo de uma escala, reparte em torno de uma norma, hierarquiza os indivíduos em relação uns aos outros e, levando ao limite, desqualifica e invalida” (p. 184). Essa realidade ocorre especialmente nos contextos dos processos criminais, tendo como foco a apuração das condições atenuantes e agravantes dos crimes e da capacidade do réu em estar consciente das leis e das consequências de seus atos. Dizer que um sujeito é inimputável é deslegitimar sua capacidade de qualificar suas ações, é o exercício mais contundente do saber-poder, uma vez que anula a voz de um sujeito em favor do saber técnico de um profissional. Reconhecer a extensão do poder que detemos ao elaborar os pareceres e laudos psicológicos é fundamental para adotar uma postura crítica e limitar ao mínimo necessário nossa interpretação dos fatos biográficos. Para além da atuação pericial, mudanças mais recentes nas práticas jurídicas convidam-nos para formas de atuação novas e complementares.
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, elaborada com base nas demandas do movimento feminista, por exemplo, abre espaço para uma intervenção psicossocial que vai muito além da descrição da periculosidade dos homens agressores. Muitas mulheres buscam a ajuda do Estado na expectativa de que este lhes ofereça uma resposta mais eficaz do que as penas restritivas de liberdade para seus parceiros. O assessoramento psicossocial aos magistrados, baseado em metodologias clínicas, permite uma reflexão ampliada sobre os padrões relacionais violentos, os direitos das mulheres e a importância da intervenção do Estado. Esses procedimentos levam em conta a especificidade de cada caso e a subjetividade dos envolvidos e têm se mostrado bem mais efetivos que a simples sanção penal para os agressores. Empoderar as mulheres por meio da intervenção do Estado cria as condições para que elas transformem suas vivências subjetivas de forma a exercitar sua autonomia e satisfação pessoal. A Lei nº 11.343/2006 reconhece a necessidade de ações interventivas e de prevenção secundária diferenciadas para os usuários de droga. Ao criar três tipos de penas restritivas de direito para punir esse crime, abre espaço para que o assessoramento psicossocial promova nos cidadãos abusadores de drogas ilícitas uma demanda de mudança e superação. Outro exemplo de atuação visando ao empoderamento das partes em conflito por meio de uma abordagem clínica encontra-se nos casos de disputa de guarda entre ex-casais. A intervenção psicossocial privilegia reflexões quanto à garantia dos direitos das crianças ou dos adolescentes, favorecendo que os genitores reconheçam seus deveres em defendê-los também. Esse tipo de intervenção oferece subsídios para que o Estado, se necessário, garanta esses direitos, sem para isso julgar ou categorizar as pessoas envolvidas, em razão de uma norma ou padrão de família. O trabalho é realizado valorizando-se a subjetividade das partes e de suas famílias Nos três exemplos apresentados, tirados do exercício da Psicologia Jurídica pela Secretaria Psicossocial Judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a prática psicológica serve ao propósito de ampliar a reflexão do nível pessoal para um contexto de direitos e de limite da atividade social em face da necessidade de intervenção do Estado. O desenvolvimento da Psicologia Jurídica depende, portanto, de reflexões consistentes sobre o exercício da subjetividade, as práticas políticas, o papel do psicólogo jurídico e o papel do Estado no controle social. O maior risco que a Psicologia Jurídica corre é o de se perceber, apenas, como saber acessório às práticas de normatização da vida privada e pública. A Psicologia Jurídica tem desafios próprios, sendo o mais importante deles teorizar sobre a importância do Estado para legitimar e proteger a diversidade humana no exercício da subjetividade.

Autores: Fábio Pereira Angelim; Marília Lobão Ribeiro de Moura

REFERÊNCIA
 FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

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