quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Saúde: SUS em Debate


Por Flávia Cristina Silveira Lemos
texto publicado no site Página 13
A luta cotidiana por construir políticas de saúde coletiva e mental que rompam com o eugenismo e com o higienismo não é tarefa simples! Forjar as demandas de olhares complexos e perspectivos, com inquietações permanentes dos profissionais e movimentos sociais, da sociedade civil organizada e dos pesquisadores que militam na defesa do SUS e no campo da Luta Antimanicomial, no Brasil, na atualidade é um processo ininterrupto de lutas transversais e potentes que não podem retroceder diante dos ataques conservadores, neoliberais, medicalizantes e judicializantes da vida.
Os acontecimentos que vêm sendo acirrados e têm ampliado forças no mundo inteiro de criminalização e medicalização da pobreza, de recrudescimento penal e cada vez menos financiamento das políticas sociais públicas e críticas em prol de retornos arcaicos da filantropia moralizante em diversos contextos com práticas similares às asilares e de intensa segregação devem ser alvo de questionamento. É fundamental a organização coletiva de diferentes áreas, setores e formações da saúde, dos saberes políticos progressistas e de radicalização das lutas com alianças fortes com os movimentos sociais que possam fazer frente às ofensivas de comunidades terapêuticas, de lideranças ruralistas oligárquicas, de setores de exploração do trabalho, dos grupos que buscam fazer os direitos duramente conquistados serem extintos e minimizados em função de uma lógica de mercado perversa que destitui um Estado de Bem-estar social, além de tentar desqualificar e capturar a sociedade civil em ofertas tecnicistas e pragmáticas, violadoras de direitos, punitivas e, ainda operando a psiquiatrização das condutas mais cotidianas.
Repudiamos o recolhimento das pessoas que não consomem em shoppings e turismos por uma política de apartheid social. Também rejeitamos a internação compulsória, tortura, aprisionamento em massa, extermínio de jovens pobres negros, genocídio de povos indígenas e ciganos, silenciamento de ambientalistas e movimentos de luta pela terra, derrubada de casas e tendas de moradores de determinados locais em prol da construção civil e de políticas desenvolvimentistas e de intenso interesse imobiliário, desastres evitáveis em morros e por chuvas e acidentes, indicadores de educação baixos, aumento das desigualdades sociais e econômicas, políticas sociais higienistas e morais altamente estigmatizantes de certos grupos só intensificam a inclusão excludente dos antigos e dos novos párias da sociedade brasileira mundial.
Buscamos lutar por melhores condições de trabalho e ampliação do financiamento da saúde pública e da educação, ao invés de transferir dinheiro público para a educação privada e para compra de leitos em hospitais e privados, para clínicas particulares e para o financiamento de entidades filantrópicas, como as comunidades terapêuticas deveria ser uma bandeira de luta de todos e todas que querem e desejam viver uma democracia participativa concreta e que demandaram uma Constituição cidadã, em 1988. Não queremos mais políticas públicas compensatórias e filantrópicas e, muito menos queremos que nosso dinheiro e impostos sejam dirigidos para politicagem que destitui as decisões das conferências e dos conselhos de direitos, dos movimentos sociais e dos profissionais e pesquisadores implicados com uma sociedade de fato democrática e de cidadania não tutelada!
Chega de cinismo e de asilo, chega de recolhimento compulsório e de trabalho escravo, chega de educação de má qualidade e excludente dos pobres e dos negros, chega de extermínio de pobres, de negros, de povos indígenas, de ciganos, de defensores de direitos humanos e de jovens, chega de preconceito e de moralismo higienista na política de drogas e no campo da saúde coletiva e mental!
Lutaremos sem cessar pela luta antimanicomial, pela saúde coletiva com o SUS a todo vapor e valorizado, pela educação pública gratuita e de qualidade, pela vida afirmativa de todos e todas, com direitos fundamentais garantidos sem tutela e sem inclusão perversa!
Não iremos tolerar que nossas vozes sejam sufocadas e caladas com lógicas de mercado e de isolamento dos pobres, dos loucos, das pessoas em situação de rua, dos usuários de drogas, dos que estão detidos nas masmorras depositárias das prisões que foram alvo de uma justiça retributiva e vingativa de privação de liberdade e de outros direitos básicos, do trabalho escravo que continua presente em nosso país, da morte e desova de corpos em covas clandestinas por policiais e grupos paramilitares e não queremos mais uma mídia de oligopólio que viola os direitos e não aceita o marco regulatório da democratização da comunicação, no Brasil!
Vamos analisar os acontecimentos, os novos perigos em jogo, as potências que estão afirmando a vida e quais são os ataques atuais às conquistas de direitos pelo mercado que só produz exclusão e consumidores zumbis medicalizados, punidos e/ou mortos!
*Flávia Cristina Silveira Lemos é professora de psicologia social da UFPA e Conselheira titular no Conselho Federal de Psicologia

8 comentários:

  1. Essa questão das políticas públicas compensatórias e filantrópicas é muito séria e o povo não consegue perceber isso, já que vêm mascaradas pelos “benefícios” oferecidos. O que deveria ser feito era investir na saúde pública para ir à raiz do problema e não tratar algo superficialmente, a curto prazo. Os problemas podem até ser “resolvidos” durante um tempo, mas a longo prazo, as coisas podem piorar e muito.

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  3. Penso que precisamos ter conhecimento e criticidade, desta forma podemos visualizar e compreender os problemas sociais e, posteriormente intervir. O conhecimento proporciona subsídios para compreender a sociedade. E o que se faz com este conhecimento adquirido é, para mim, uma questão muito importante, pois penso "o que será de um conhecimento não utilizado?" Considero que a criticidade é um fator importante, pois ela proporciona uma visão desnaturalizante dos problemas sociais, no fornecendo um ponto de partida para contribuir na melhoria da sociedade e na redução de seus problemas.

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  4. Muito importante debater o SUS, afinal não é caridade, é direito! E direitos não se negociam.
    Embora saibamnos que existem dificuldades a serem enfrentadas, ficar de braços cruzados não será de grande valia. Precisamos estar em discussão e em empenho para a construção de um SUS digno e eficaz.

    Um importante documentário sobre o assunto pode ser visto no link abaixo:
    http://www.youtube.com/watch?v=VvvH4bd3JQE

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  5. Me chamou bastante atenção a menção do texto à transferência de dinheiro público para a iniciativa privada. Isso é algo muito presente em nossas vidas. Pode ser tomado como exemplo a administração do Hospital Metropolitano, aqui no Pará, por uma organização social (OS). Parece bastante óbvio que a saúde pública, assim como sua gestão, deveria ser efetivamente pública. Contudo, não é o que ocorre. As organizações sociais são bastante criticadas por vários autores do direito administrativo exatamente por constituírem um caminho muito tranquilo à corrupção e ao desvio de dinheiro público, tendo em vista que não possuem um controle rigoroso por parte do Estado. Ao se privatizar a gestão de serviços públicos delegados pelo Estado, pouquíssimos são os que ganham, porém muitos são os perdedores. Assim, é de fundamental importância debater (e fiscalizar, também) a saúde pública, para que não seja mantida essa triste situação de “vencedores” e “perdedores”.

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  6. É importante ressaltar que SUS é um direito, e não deve ser tido como benefícios. É um programa maravilhoso no papel,porém, por uma gama de interesses políticos e econômicos não funciona como deveria, infelizmente, são esses interesses que deve ser debatidos e tragos a público, para que este debate se construa de maneira a contribuir para a melhoria deste programa.

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  7. A saúde pública é bastante negligenciada pelo Poder Público,o resultado disso é uma estrutura precária e um péssimo atendimento.A prestação de assistência adequada não é um favor para a sociedade,mas sim um direito que deve ser concretizado em sua plenitude. Me revolta a quantidade exorbitante de impostos que nós pagamos e que são constantemente desviados para atender interesses de políticos corruptos.Infelizmente os direitos que são contemplados na nossa Constituição se restringem ao papel, uma vez que não há empenho nem do Estado e nem uma forte mobilização da sociedade para que tais direitos sejam concretizados.

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  8. Chamou-me bastante a atenção neste texto o assujeitamento econômico e prático o qual o meio público está tomado, desde as medidas filantrópicas, até as mais evidentes como administração da coisa público pelo privado. Antigamente, como está bem expresso no livro "A Democracia" de Renato Jannie Ribeiro( pág.29), a liberdade do cidadão estava no fazer política. Agora vivemos em um momento em que economia controla, e muito, a política. Até mesmo os problemas sociais são equacionados em termos econômicos. O maior desafio está em conciliar os ideias de um sistema de políticas públicas de qualidade e que realmente estejam assentadas nos reais valores com as quais tais politicas foram concebidas, com os verdadeiros ditames que regem a sociedade, valores econômicos. É uma luta constante e incessante, um jogo contínuo entre essas duas forças, em que a atuação dos cidadãos - em uma democracia direta, e não meramente representativa - tornaria capaz a realização dessas conquistas.

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